Neste domingo, dois sociólogos saídos
da velha esquerda, ocuparam páginas opostas do Globo. Na página par, Fernando
Henrique, um antigo estudioso da ciência política, particularmente do marxismo,
escreveu “Diálogo ou novas imposturas?”, onde procurou manter
o clima belicoso das eleições presidenciais, com fortes ataques ao governo e ao
PT particularmente. Na página ímpar, Moreira Franco, ex-dirigente da AP (Ação
Popular), movimento político associado à igreja que ganhou mais destaque na
oposição ao golpe de 64, dá entrevista com o título de “É grave
levar para a disputa política a divisão do país”. Os textos atendem muito a que
cada um se propõe, tentando escolher o foco ideal para os próximos movimentos
políticos, principalmente no âmbito do Congresso.
Fernando Henrique, ex-Presidente e tucano-mor
do mundo político, fez o discurso da valorização da beligerância eleitoral (a
exemplo do que fez Aloysio Nunes no Senado). Começa pelo título e, logo no segundo
parágrafo, escreve que “é bom retomar logo a ofensiva na
agenda e nos debates políticos”. E em seguida “não se pode aceitar passivamente
que a 'desconstrução' do adversário, a propaganda negativa à custa de calúnias
e deturpações de fatos, seja instrumento da luta democrática”. Misturou duas
coisas (“desconstrução” e “calúnias/deturpações de fatos”) como se fossem uma
coisa só. Mas certamente é daqueles que pensa que quando sou eu que faço, é “desconstrução”; quando
é o adversário, trata-se de “calúnia”. No afã de manter a tensão pós-eleitoral,
atrapalhou-se com pesquisas e o segmento mais rico do eleitorado. Disse ele:
“A propaganda incentivada pela liderança maior do
PT inventou uma batalha dos “pobres contra os ricos”. Eu não sabia que metade
do eleitorado brasileiro, que votou em Aécio, é composta por ricos... É difícil
acreditar na boa-fé do argumento quando se sabe que 70% dos eleitores do
candidato do PSDB, segundo o Datafolha, compunham-se de pessoas que ganham até
três salários mínimos. A propaganda falaciosa, no caso, não está defendendo uma
classe da exploração de outra, mas enganando uma parte do eleitorado em
benefício dos seus autores”.
Além de se enganar com percentagens e segmentos, quem está tentando enganar é Fernando Henrique.
Como calcula-se em apenas 7% a classe alta no Brasil, é claro que ninguém
pensou em dizer que entre os 51 milhões de eleitores do Aécio a maioria é de
classe alta. Aécio foi o candidato dos mais ricos porque defendeu propostas mais
afinadas com os segmentos mais ricos da sociedade. Essa é a verdade que a
campanha petista propagou e que ficou demonstrada com o resultado da eleição
dando a Dilma a maioria dos votos dos segmentos de menor renda e a Aécio a
maioria dos votos dos segmentos de renda mais alta (segundo pesquisa Datafolha
divulgada na véspera do segundo turno). Quem é que “deturpa os fatos”, Fernando
Henrique?
Moreira Franco fez o discurso do diálogo. Começou por
declarar que “não existe nada mais grave na história da humanidade do que você levar para a disputa política a divisão do país”. Tomou essa posição em defesa não apenas do governo de que
faz parte (Ministro da Aviação Civil), como – principalmente – em defesa
dos interesses do seu partido, o PMDB, o segundo em deputados federais e o maior
partido de “centro” do país. À medida que o “diálogo” vier para o âmbito do
Congresso, o PMDB terá mais força como fiel da balança, ampliando seu poder de
fogo.
Enquanto, através de Fernando Henrique, o PSDB
procura firmar-se como porta-voz da oposição dentro do Congresso (e ao mesmo
tempo manter de prontidão o vasto eleitorado oposicionista que conseguiu
arrebanhar nesta eleição), o PMDB, através do discurso do diálogo com o
Congresso no centro de referência, procura preservar o poder de conduzir os
destinos do país através do controle da maioria parlamentar. A bem da verdade,
nenhuma dessas posições interessa ao país. O maior recado dessa eleição foi o
da necessidade de reforma política. E a principal batalha desse "terceiro turno" deverá ser pela mobilização da sociedade em defesa de uma reforma política profunda, independente, realmente popular. Isso não pode ser deixado
nas mãos de quem tem o maior interesse em deixar tudo como está.