segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A manchete do dia é Global

Engraçadíssima essa manchete na primeira página do Globo de hoje. Definitivamente, graças a suas trapalhadas na economia, os Estados Unidos estão virando piada.

domingo, 28 de agosto de 2011

Steve Jobs e a Bauhaus - bela homenagem

Na Folha de hoje, Fabio Cypriano escreve o artigo "Jobs massificou a utopia de design da Bauhaus", onde aponta os bits em comum entre as escolas Apple e Bauhaus, a grande escola de vanguarda do design, da arquitetura e das artes plásticas de 100 anos atrás. Não uso produtos Apple, até mesmo por questões (contraditoriamente) funcionais. Mas admiro Jobs e suas criações, assim como admiro a Bauhaus.

JOBS MASSIFICOU A UTOPIA DE DESIGN DA BAUHAUS
Fabio Cypriano

É difícil apontar alguém que melhor tenha conseguido pôr em prática, em escala massiva, a utopia da Bauhaus, a escola alemã criada em 1919, do que Steve Jobs.
O arquiteto Walter Gropius (1883-1969), fundador da escola, apregoava: "Queremos criar uma arquitetura clara, orgânica, cuja lógica interna será radiosa e despojada".
Essa pode ser uma descrição precisa de qualquer produto criado por Jobs.
Os computadores da Apple ou seus "gadgets" - como o iPod, o iPhone ou o iPad - seguem à risca o princípio de que "design é função, e não forma", como seu ex-presidente-executivo costuma defender, e o que é outro dos grandes pilares da Bauhaus.
Por isso, seus produtos não apenas inovaram no conteúdo -como no uso do MP3, nos celulares com touch screen e nos tablets- mas o design de todos eles foi criado de forma absolutamente coerente com o que cada um dos aparelhos proporciona.
E foi por isso que, assim como os produtos da Bauhaus, com seus móveis de linhas simples e funcionais, os produtos da Apple se tornaram os grandes objetos de desejo da primeira década do século 21.
Claro que por trás de tudo isso está também o designer inglês Jonathan Ive, mas se sabe que Jobs sempre exerceu grande influência sobre seu trabalho, obrigando, por exemplo, que o iPod tivesse um desenho mais simples.
Outra semelhança entre a Bauhaus e Jobs é a pesquisa de materiais.
O computador transparente, o iPod em plástico policarbonato branco e cromado reluzentes, os laptops em metais como titânio e alumínio, todos eles foram fundamentais na mistura de função e forma.
Mas um dos trunfos mesmo é a importância que Jobs deu aos detalhes, o que o colocou milhões de anos-luz das outras empresas.
A sofisticação das embalagens e até mesmo dos fios que conectam seus produtos à energia levaram a Apple a ser reverenciada por uma horda de viciados, que formavam filas intermináveis para o lançamento de cada nova invenção, como as filas para admirar a "Monalisa".
E a comparação, aqui, não é aleatória, pois Jobs, afinal, merece mesmo ser considerado o Leonardo da Vinci do século 21, como publicou a revista "Artinfo".

FolhaLeaks: mais uma vez a diplomacia americana demonstra arrogância e incompetência


A reportagem da Folha de hoje divulgando documentos do Itamaraty que foram sigilosos é um belo serviço à inteligência. Ou melhor: é a melhor demonstração de que arrogância e burrice estão intrinsecamente ligadas, têm a mesma matriz. Os documentos, de mais de 10 mil páginas, foram produzidos pelo Itamaraty e embaixadas brasileiras no período de 1990 a 2001, correspondente aos dos governos de Collor, Itamar e FHC (pelo Brasil) e de Bush pai, Clinton e Bush filho (pelos Estados Unidos). São 261 mensagens confidenciais que trazem “acusações de espionagem, violação de correspondência e de bagagens de diplomatas, além de críticas à política norte-americana”. Mas acima de tudo documentam a arrogância da “diplomacia” dos nossos “irmãos” do Norte. Vejam alguns trechos da reportagem:
Entre 1992 e 1993, lacres metálicos foram rompidos e as autoridades alfandegárias norte-americanas em Miami tentaram submeter as malas diplomáticas brasileiras a análises de raio-x, incluindo uma remessa proveniente da embaixada em Havana.
Em novembro (de 1992), o consulado informou que o secretário Fernando Vidal, do correio diplomático de Havana, "foi retido por funcionário da alfândega norte-americana para averiguações" sobre a bagagem que trazia de Cuba em avião de carreira.
O tratamento dado a turistas brasileiros pelos EUA nos consulados e na imigração foi tido como "inadequado" e "degradante" pelo Brasil. O então chanceler Celso Amorim, definiu como "inadequado" o tratamento e "motivo de humilhação" os questionários para obtenção de visto. O embaixador norte-americano Melvin Levitsky na ocasião (1994) admitiu que problemas aconteciam porque os EUA desconfiavam do Brasil – segundo ele, país com grande número de portadores de documentos falsos, só atrás de México e El Salvador.
Em 2000, foi chamado de "degradante" o tratamento dado a diplomata brasileiro, algemado e detido em cela após dizer, em tom jocoso, que o embrulho que levava era uma bomba. Há relatos de brasileiros, com vistos, que foram barrados e presos.
Em março de 2001, a poucos dias de uma visita do presidente Fernando Henrique Cardoso ao colega recém-eleito George Bush, os telefones da Embaixada do Brasil em Washington (EUA) começaram a ter uma "sensível perda de qualidade" e ficaram "praticamente" mudos. O embaixador brasileiro à época, Rubens Antonio Barbosa, encomendou uma varredura nos telefones. Técnicos lhe disseram que problemas semelhantes vinham ocorrendo em outras embaixadas, sempre às vésperas de visitas de presidentes e autoridades dos países. A primeira checagem nos aparelhos não encontrou sinais de grampo. Mas, dois meses depois, uma nova inspeção confirmou as suspeitas do embaixador.
O embaixador contou, em recado para o então ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, que "descobriu-se o que pareceria ser uma ligação telefônica direta entre o prédio da Chancelaria [brasileira] e o Departamento de Defesa norte-americano". "A ligação opera à semelhança de um ramal interno, isto é, ao se discar o dígito '0' atende uma telefonista daquele órgão do governo dos EUA", relata Barbosa.
Há inúmeras “gracinhas” desse tipo. E a arrogância é tanta que o Presidente, em 1990, o ex-Presidente Jimmy Carter (Democrata!) pretendeu participar do comitê preparatório para realização da ECO-92, no Rio! E o Senador Edward Kennedy (também Democrata!) pressionou (1992) o Brasil para cumprimento ao embargo praticado contra o Haiti.
As barbaridades são infindáveis. E o pior é que foram feitas contra um país tido como um dos principais aliados dos governos norte-americanos. Pura burrice. Com toda certeza, bastariam relações minimamente civilizadas para que o Brasil da época colocasse a proximidade com os Estados Unidos como principal objetivo estratégico. Foi essa arrogância absurda que valorizou o trabalho do WikiLeaks. Afinal, nada melhor do que colocar o prepotente no seu devido lugar. Mas ainda existe uma curiosidade que me deixa intrigado: o ex-Chanceler do Governo Fernando Henrique, Celso Lafer, aquele que tirou o sapato diante dos funcionários da Alfândega americana, disse à Folha que, “passados quase 20 anos dos incidentes, não se recordava dos problemas em Miami”. Pode?
Link para os documentos aqui.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A herança mal dita de Lula


Para a mídia da oposição, só existe uma herança deixada por Lula – a herança que ela mesma escreve. E ela, claro, só sabe falar mal.
Para essa mídia, não existe a herança de opção pelos pobres, que tirou 40 milhões de brasileiros da faixa da pobreza para elevá-los à classe média. Não existe o fortalecimento do mercado interno, cada vez mais invejado (e cobiçado) por outros países. Não existe o maior PIB da história brasileira pós-ditadura. Não existe o presidente que soube enfrentar a “tsunami” financeira mundial, transformando-a em “marolinha”. Não existe o nosso maior líder no cenário internacional, que deu altivez à nossa política externa e deu contribuição consistente para a formação do G-20. Não existe o reequilíbrio das regiões brasileiras, com um novo Norte-Nordeste em condições de oferecer vida digna a seus filhos e podendo até trazer de volta os que, anos antes, tiveram que sair em busca do “Sul maravilha”. Não existe um Centro Oeste explodindo de riqueza, com sua produção rural alimentando meio mundo. Não existe a defesa intransigente do pré-sal nem o engrandecimento da Petrobras. Não existe a grande transformação da nossa educação, começando a se preparar para maiores desafios econômicos e sociais. Não existe a Copa 2014 nem a Rio 2016, que já estão garantindo fluxo intenso de investimentos e dando nova cara à nossa infraestrutura (sugiro um passeio pela Zona Oeste do Rio para ver de perto o que isso começa a significar). Não existe o Bolsa Família, nem o PAC, nem a nova política habitacional, nem uma economia muito bem conduzida, não existem os 8 anos que fizeram o Novo Brasil. A única herança de Lula, para a mídia de oposição, são as alianças que fez, para garantir governabilidade, com partidos tachados como “fisiológicos” – mais uma injustiça, já que Lula herdou essa prática de todos os seus antecessores. Aliás, infelizmente, isso é uma “herança” da própria democracia representativa.
Apesar de toda a campanha contra, Lula conseguiu eleger Dilma para sucedê-lo. Inicialmente, ela era tratada como marionete, burocrata, politicamente despreparada para o cargo. Ninguém foi capaz de dar valor a seu trabalho na Casa Civil, e pré-anunciavam uma administração fracassada. Espertamente, Dilma tratou de passar a mão na cabeça da classe média mal amada – e deu certo. Deu certo até demais. Tanto que os eternos “revoltosos” estão utilizando o lado “ético” do discurso de Dilma para montar uma armadilha – seja para ela mesma, seja para Lula e todo o PT. O ideal oposicionista seria usar a “faxina ética” para provocar o rompimento entre Dilma e Lula (puro delírio dos desesperados). Como isso é impossível, os lacerdistas de plantão esticam ao máximo o discurso “ético”, procurando tornar Dilma refém desse discurso. Como fizeram, por exemplo, Pedro Simon e Cristovam Buarque, que ao mesmo tempo em que pegavam carona no prestígio de Dilma tentaram colar na sua testa a ética como sua grande bandeira. Já dissemos aqui: ser ético não pode ser bandeira política, porque é obrigação de todo cidadão. Quem usa esse artifício quer imobilizar a política. Em 92, quando o PT, navegando na campanha anti-Collor, inventou o slogan “Honestidade tem Cara”, fui contra. Queriam usar esse conceito para a campanha de Benedita, mas preferi o conceito de “cara do Rio” (“Benedita – Prefeita pro Rio” era o slogan). Essa história de herança maldita deixada por Lula é pura jogada política. E por falar em jogada, há quem ache que a grande herança maldita que Dilma recebeu foi o Mano Menezes na seleção...

sábado, 13 de agosto de 2011

Dave Axelrod: o mundo está de pernas pro ar – isso ajuda a reeleição de Obama


Entrevista com Dave Axelrod, o principal estrategista de Barack Obama.
Blog do Gadelha: O Presidente Obama não conseguiu diálogo com o Congresso, o acordo do teto do endividamento americano foi um fiasco, a Standard&Poors rebaixou a nota dos Estados Unidos, a Europa entrou em crise, o eleitorado americano está raivoso – você acha que Obama vai perder a eleição?
Dave Axelrod: De forma alguma. Eu diria que, ao contrário do que se imagina, as chances de vitória são bem maiores hoje do que há um mês.
Blog do Gadelha: Explique essa mágica, que vai contra todas as análises.
Dave Axelrod: Não tem mágica. Você sabe, a gente trabalha com muita pesquisa, informação e, acima de tudo, sensibilidade para compreender o eleitor.
Blog do Gadelha: Ok, então explique sem mágica.
Dave Axelrod: Talvez você não acredite, mas nós planejamos a crise com o Congresso...
Blog do Gadelha: Uau! Essa é forte!
Dave Axelrod: ... e ele reagiu exatamente dentro do esperado. Principalmente entre os republicanos...
Blog do Gadelha: O Tea Party inclusive?
Dave Axelrod: Claro, são os mais previsíveis. O que víamos é que, apesar do pontaço que fizemos com a captura de Bin Laden, a crise econômica, com taxa de desemprego alta e resistente, tinha tudo para nos esmagar. É aquela velha história do “é a economia, estúpido!”, e nós não somos estúpidos. Calculamos que a oposição, meio perdida, bateria unicamente nessa tecla, exaustivamente, podendo até nos derrotar, se não reagíssemos.
Blog do Gadelha: Eles não têm nome forte para concorrer, estão divididos até a alma...
Dave Axelrod: É verdade, mas não podíamos correr risco. Resolvemos atraí-los para a armadilha que armavam contra nós. Eles pretendiam carimbar em nossas testas a responsabilidade exclusiva pela crise econômica, pelo drama de milhões de trabalhadores que perderam o emprego. Sabemos que o governo democrata herdou a crise de Bush. Mas a população não quer saber disso. Bush já está distante, a responsabilidade é do governo atual. Ou melhor, era. Hoje, no mínimo passou a ser dividida com a oposição, e, ano que vem, a responsabilidade pela tentativa de afundamento do país passará a ser creditada unicamente a ela. Ao expormos publicamente a intransigência dos republicanos – mais ainda do Tea Party –, deixamos bem definido quem é quem no jogo político, quem está realmente interessado no progresso e no bem-estar da nação e quem quer apenas ser do contra, com objetivos eleitoreiros.
Blog do Gadelha: E por que isso não foi feito em dezembro, como sugeriu Paul Krugman? Ele disse textualmente: “(Obama) poderia e deveria ter demandado um aumento do teto do endividamento em dezembro passado. Quando indagado por que não fez, ele respondeu ter certeza de que os republicanos agiriam de forma responsável. Que aposta”.
Dave Axelrod: Entendemos a ansiedade de Paul Krugman. Mas o jogo político é muito pesado. Precisávamos dar maior dramaticidade à intransigência dos republicanos, levar a questão a pontos extremos para melhor percepção de quem é quem.
Blog do Gadelha: Isso não foi muito arriscado? Não terá sido isso que levou a S&P a rebaixar a nota de crédito dos Estados Unidos de “AAA” para “AA+”?
Dave Axelrod: Foi um risco calculado. Mas, com relação à S&P, na minha opinião, eles foram muito irresponsáveis. Ninguém em sã consciência pode achar que os Estados Unidos não são “AAA”. A melhor prova disso foi a reação do mercado correndo em busca de dólares. O pior é que essa história toda prejudicou a Europa, que ficou com a credibilidade mais abalada. Ainda assim, a S&P acabou por facilitar nosso plano, porque amplificou a dramaticidade. Ela ajudou a colocar o mundo de pernas pro ar, e ao mesmo tempo ajudou o eleitor a ver mais claramente a importância de reeleger nosso Presidente.
Blog do Gadelha: Está tudo muito bonito, mas não esqueça que a popularidade de Obama caiu...
Dave Axelrod: Sem dúvida. Já contávamos com isso. Mas por incrível que pareça, o Presidente Obama agora tem mais condições de agir.
Blog do Gadelha: Será? Não é o que pensa Krugman, que diz que os republicanos agora poderão impor novas crises, com a certeza de que Obama voltará a entregar os pontos.
Dave Axelrod: Essa foi uma análise precipitada. Mais do que criticar o Presidente, a opinião pública condena a classe política – particularmente os políticos da oposição – por sua irresponsabilidade persistente. O Presidente Obama terá mais desenvoltura para tomar as medidas necessárias para recuperar a economia, iniciar a retomada do desenvolvimento e trazer de volta os empregos perdidos. Nossos maiores adversários em 2012 não serão os republicanos. Teremos que voltar a conquistar os votos dos desiludidos com a política. Só venceremos – como em 2008 – com a redução da abstenção. E é isso que vai acontecer, porque o eleitor tomará consciência de que Obama é a única esperança. Essa vitória está nas mãos de cada um de nós, no sonho de todo o povo – e o nosso povo sabe concretizar os seus sonhos.
Nota. É evidente que se trata de uma entrevista fictícia. Foi a forma que encontrei para dizer o que penso do imbroglio americano na questão do “acordo” sobre o teto do endividamento. Mas o pensamento de Paul Krugman foi pinçado de seu artigo publicado dia 31 de julho, no NYT, e traduzido pelo Globo de 2 de agosto.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Stand-up em voo da WebJet


Ontem estive em Brasília para me despedir de meu filho que partiu para morar na China, por dois a três anos. Dirigi-me bem triste, claro, para o avião de volta. Mas a tristeza foi logo atenuada. O comissário da WebJet fez um verdadeiro stand-up desde a entrada no avião. “Vamos partir para o RRRiiiooo de Jannneeeeiiro! Vamos que vamos!”, ele gritava de forma engraçadíssima. “Agora é pra valer, vamos lá!”, continuou , dizendo em seguida dezenas de gracinhas entremeadas pelas informações sérias. Antes de iniciar o voo, para delírio da plateia, ainda disse: “Podem ficar tranquilos – eu não sou o piloto”! Na chegada não foi diferente. E mais divertidas ainda eram suas versões para o inglês, com duas ou três palavras corretas acompanhadas de grunhidos delirantes. “Welcome to Rio de Janeiro, the Vasco da Gama city!” E para concluir saudou vários bombeiros que provavelmente tinham ido a Brasília pressionar o Congresso pela PEC 300. “Uma saudação aos bombeiros aqui presentes. Estamos de olho em vocês e torcendo por seu sucesso”, concluiu. Se a moda pega, os voos vão bombar ainda mais. Foi um verdadeiro stand up, up, and away, my beautiful baloon...

domingo, 7 de agosto de 2011

Fernando Henrique quer matar Lula


Fernando publicou hoje no Globo um artigo, “David e Golias”, onde faz uma boa análise do momento político e econômico do mundo. Diz ele, comentando a crise americana: “parece que as classes médias e os mais pobres querem gasto público maior e emprego mais abundante, os conservadores querem ortodoxia fiscal sem aumento de impostos, os muito ricos pouco se incomodam com o gasto social reduzido, desde que a propriedade de cada um continue intocável”. E acrescenta sobre a crise europeia: “Na Europa, as coisas não andam melhores. Cada solavanco da economia americana aumenta o contágio, esta doença internética: as taxas de juros cobrados dos países ultra-endividados vão para as nuvens. A rua se agita, não faltam movimentos dos ‘indignados’ que veem o povo sofrer as agruras do desemprego e da desesperança e ainda ser cobrado para que as contas se ajustem. E, naturalmente, como nos Estados Unidos, os que mais têm e os que mais especularam ou esbanjaram (inclusive governantes imprevidentes) balançam a poeira e querem dar a volta por cima. Esperam que mais aperto, mais rigidez no gasto público e menos salários resolvam o impasse. Não se estão dando conta de que a cada xis meses uma nova tormenta balança os equilíbrios instáveis alcançados”.
Até aí, tudo bem. FHC começa então a falar do nosso momento: “E nós aqui, nesta periferia gloriosa, a quantas andamos? Longe do olho do furacão, cantamos glória pelo que fizemos, pelo que de errado os outros fizeram e pelo que não fizemos, mas, pensamos, pouco importa, o vendaval do mundo varreu a riqueza de uma parte do globo para outra e nos beneficiou”. FHC lembra a necessidade de uma nova agenda – que já existiria, e “está exposta cotidianamente pela mídia”, mas que seria difícil de levar avante porque faltaria algo como “o antigo ideal americano, para conter as divergências, o choque de interesses, e guiar-nos para um patamar mais seguro, mais próspero e mais coeso como nação”. A partir daí FHC escorrega feio. O que poderia significar uma contribuição para compreensão e superação das dificuldades no jogo de poder inerente ao relacionamento executivo-legislativo esbarra no ego estilo Nelson Jobim que Fernando Henrique sempre leva a tiracolo. Angustiadíssimo por não ter sido o autor da frase “nunca antes na história deste país”, acaba lançando a culpa de tudo em Lula – o “predestinado”, como ele alfineta. Acusa: “o lulismo anestesiou qualquer crítica não só ao sistema mas a suas partes constitutivas”. Conclui que Dilma “é menos leniente com certas práticas condenáveis do sistema”. Mas “sem leniências e cumplicidades entre as várias partes, como obter apoios para a agenda necessária à modernização do país?” E em uma associação nem tão sutil de Dilma com David e de Lula com Golias justifica o título do seu artigo finalizando com: “não há dúvidas de que, para se desfazer da herança recebida, será preciso (...) refazer os sistemas de alianças. É luta para Davis e, no caso, Golias é pai de Davi”.
Fernando Henrique tira toda a significância do seu artigo unicamente movido pela inveja. E ele não pode esquecer que a inveja é mortal. Saul (verdadeiro “pai político” de David) por inveja bem que tentou matá-lo após a queda de Golias. Ao contrário do que acontece com Fernando Henrique, felizmente a inveja não faz parte do universo de Lula e Dilma.
Artigo completo:
DAVI E GOLIAS
Fernando Henrique Cardoso
Sem leniências, como obter apoio para a agenda necessária ao país?


A propósito do atual dilema americano, a secretária de Estado, Hillary Clinton, disse que pela primeira vez em muito tempo não havia um abismo tão grande entre poder, economia e sociedade. Pode parecer banal, mas não é: nos Estados Unidos, o “ideal americano” dava solidez para um caminho em comum para o país. Havia tensões, tendências mais progressistas chocavam-se com outras mais conservadoras, o grande business sempre quis controlar mais de perto o governo, os governos ora se inclinavam para atender aos reclamos das maiorias, ora assumiam a cara mais circunspecta de quem ouve as ponderações da ordem, da econômica em primeiro lugar. Mas, bem ou mal, liberdade, democracia, prosperidade e ação pública caminhavam mais ou menos em conjunto.
E agora, poderia perguntar perplexa a secretária de Estado? Agora, digo eu, parece que as classes médias e os mais pobres querem gasto público maior e emprego mais abundante, os conservadores querem ortodoxia fiscal sem aumento de impostos, os muito ricos pouco se incomodam com o gasto social reduzido, desde que a propriedade de cada um continue intocável. No meio de tudo isso, a crise provocada pelo cassino financeiro surgiu como um terremoto. Logo depois, veio o marasmo da semi-estagnação e, pior ainda, desenha-se o que há pouco era impensável, a moratória do país mais rico do mundo! Por trás da peleja econômica corre a outra, mais profunda, a do poder: o Tea Party — os ultrarreacionários do Partido Republicano — levou o governo Obama às cordas. A agenda política, mesmo depois de “resolvida” a questão do endividamento, passou a ser ditada por eles: onde e quanto cortar mais no orçamento de um país que clama por muletas para reavivar a economia.
Na Europa, as coisas não andam melhores. Cada solavanco da economia americana aumenta o contágio, esta doença internética: as taxas de juros cobrados dos países ultra-endividados vão para as nuvens. A rua se agita, não faltam movimentos dos “indignados” que veem o povo sofrer as agruras do desemprego e da desesperança e ainda ser cobrado para que as contas se ajustem. E, naturalmente, como nos Estados Unidos, os que mais têm e os que mais especularam ou esbanjaram (inclusive governantes imprevidentes) balançam a poeira e querem dar a volta por cima. Esperam que mais aperto, mais rigidez no gasto público e menos salários resolvam o impasse. Não se estão dando conta de que a cada xis meses uma nova tormenta balança os equilíbrios instáveis alcançados. É como se daqui a 30 anos os historiadores olhassem para trás e dissessem: “ah, bom, a Grande Crise dos Derivativos começou em 2007/2008, foi mudando de cara, mas prosseguiu até que novas formas de produzir e de distribuir o poder começaram a dar sinais de vida lá por 2015/2020...”.
E nós aqui, nesta periferia gloriosa, a quantas andamos? Longe do olho do furacão, cantamos glória pelo que fizemos, pelo que de errado os outros fizeram e pelo que não fizemos, mas, pensamos, pouco importa, o vendaval do mundo varreu a riqueza de uma parte do globo para outra e nos beneficiou. Será que é assim mesmo? Será que a proeza de evitar as ondas da tsunami impede que a malignidade do resto do mundo nos alcance? Tenho minhas dúvidas. Falta-nos, como impuseram os reacionários americanos a Obama, uma agenda, mas que seja nova e não a desgastada do “clube do chá” americano. A nova agenda existe, está exposta cotidianamente pela mídia e não é propriedade de um partido ou de um governo. Mas onde está a argamassa, como o antigo ideal americano, para conter as divergências, o choque de interesses, e guiar-nos para um patamar mais seguro, mais próspero e mais coeso como nação?
Mal comparando, a presidenta Dilma está aprisionada em um dilema do gênero daquele que agarrou Obama. Só que, se no caso americano a crise apareceu como econômica para depois se tornar política, em nosso caso ela surgiu como política, mas poderá se tornar econômica. Explico-me: a presidenta é herdeira de um sistema, como dizíamos no período do autoritarismo militar. Este funciona solidificando interesses do grande capital, das estatais, dos fundos de pensão, dos sindicatos e de um conjunto desordenado de atores políticos, que passaram a se legitimar como se expressassem um presidencialismo de coalizão no qual troca-se governabilidade por favores, cargos e tudo mais que se junta a isso.
Essa tendência não é nova. Ela foi se constituindo à medida que o capitalismo burocrático (ou de Estado, ou como se o queira qualificar) amealhou apoios amplos entre sindicalistas, funcionários e empresários sedentos por contratos, e passou a conviver com o capitalismo de mercado, mais competitivo. Na onda do crescimento econômico, as acomodações foram se tornando mais fáceis, tanto entre interesses econômicos quanto políticos (incluindo-se neles os “fisiológicos” e a corrupção). No início, parecia fenômeno normal das épocas de prosperidade capitalista que seria passageiro. Pouco a pouco se foi vendo que era mais do que isso: cada parte do sistema precisa da outra para funcionar, e o próprio sistema necessita da anuência dos cooptáveis pelas bolsas e empregos de baixo salário, e precisa de símbolos e de voz. Esta veio com o “predestinado”: o lulismo anestesiou qualquer crítica não só ao sistema mas a suas partes constitutivas.
É nesse ponto que o bicho pega. A presidenta é menos leniente com certas práticas condenáveis do sistema. Entretanto, quando começa a fazer uma faxina, quebram-se as peças da engrenagem toda. Sem leniências e cumplicidades entre as várias partes, como obter apoios para a agenda necessária à modernização do país? E, sem ela, como fazer frente à concorrência da China, à relativa desindustrialização, ou melhor, “desprodutividade” da economia, e como arbitrar entre interesses legítimos ou não dos que precisam de mais apoio do governo, advenham eles de setores populares ou empresariais? É cedo para prever o curso dessa história, que apenas começa. Mas não há dúvidas de que, para se desfazer da herança recebida, será preciso não só “vontade política” como, o que é tão difícil quanto, refazer os sistemas de alianças. É luta para Davis e, no caso, Golias é pai de Davi.