sábado, 28 de fevereiro de 2009

Chomsky X Obama: uma entrevista importante

Saiu hoje no Globo essa entrevista feita por Miguel Conde, través de e-mail, com Noam Chomsky. Transcrevo na íntegra:
'Na política externa não há sinal de mudança'
Para intelectual, governo de Barack Obama pode ser até mais agressivo do que o de Bush na arena internacional
ENTREVISTA Noam Chomsky
Mais conhecido intelectual americano, nome destacado da esquerda nos EUA desde os protestos contra a Guerra do Vietnã, o linguista Noam Chomsky critica o próprio país em seu novo livro, o recém-lançado “Estados fracassados” (Bertrand Brasil). Fazendo uma análise detalhada das premissas que orientam as intervenções militares americanas no exterior, o livro argumenta com ironia que, pelos critérios usados pelos EUA, os próprios EUA seriam um alvo legítimo para uma invasão. Por e-mail, Chomsky falou ao GLOBO sobre a obra e sobre o atual quadro político do país, prevendo que Obama deve acabar com o extremismo de Bush na política interna, mas não no conturbado front externo.
GLOBO: O senhor poderia explicar por que o conceito de “Estado fracassado”, criado pelo governo dos Estados Unidos, em sua opinião se aplica aos EUA?
NOAM CHOMSKY: Os especialistas concordam que esse conceito é vago, mas envolve três características principais: a incapacidade ou desinteresse em proteger a população; o desrespeito a leis e normas internacionais; e a existência de instituições democráticas formais, mas que funcionam apenas de forma limitada. É fácil mostrar que os EUA preenchem em boa medida os três requisitos.
GLOBO: O senhor enfatiza a responsabilidade dos EUA no crescimento do terrorismo islâmico, mas há quem observe que um movimento como a al-Qaeda, por exemplo, não se opõe a políticas específicas dos EUA, mas à democracia secular como um todo. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
CHOMSKY: Há duas perguntas separadas aqui: quais são as causas do crescimento do terrorismo islâmico? E quais são os objetivos dos terroristas islâmicos? A resposta à primeira é indiscutível. O governo de Ronald Reagan, em particular, teve um papel decisivo e muito consciente na criação do terrorismo islâmico. Sua meta declarada era “matar russos”. Para atingir essa meta, o governo Reagan reuniu os maiores extremistas islâmicos que conseguiu encontrar ao redor do mundo, enviou-os para o Afeganistão, e forneceu a eles uma crucial ajuda militar. Os objetivos da al-Qaeda e de outros movimentos são uma questão separada, que não tem relação com a maneira como eles cresceram.
GLOBO: O senhor acredita que sob a presidência de Barack Obama os EUA continuarão a ser, em sua política externa, um Estado fora-da-lei, como o senhor diz?
CHOMSKY: Haverá mudanças de política interna, em direção a uma posição mais de centro. O extremo radicalismo do governo Bush sem dúvida será cancelado; McCain faria mais ou menos a mesma coisa. Mas na arena internacional, não há indicação de ne nhuma mudança significativa em relação ao segundo mandato de Bush, a não ser na retórica. As políticas são mais ou menos as mes mas, em alguns casos mais violentas e agressivas, como no Paquistão e no Afeganistão. Comentando o fervor despertado pela campanha de Obama, a escritora Joan Didion observou que de repente a ironia saiu de moda nos EUA. O cinismo deu lugar à credulidade.
GLOBO: Qual sua opinião sobre esse entusiasmo?
CHOMSKY: A resposta mais definitiva a respeito da campanha foi dada pela indústria de relações públicas, que comanda as eleições. O principal órgão deles, “Advertising Age” (“Era da propaganda”), deu a Obama o prêmio de melhor campanha de marketing do ano, derrotando os computadores da Apple. Desde Reagan os candidatos são vendidos como bens de consumo, e este é o maior caso de sucesso que os publicitários já tiveram. Quanto ao entusiasmo, Bush era tão impopular que até seu partido se lançou contra ele, um fenômeno sem precedentes; 80% do país pensam estar indo na direção errada e querem mudança desesperadamente. Por isso Obama usou os slogans “mudança” e “esperança”. O surpreendente é o quanto a margem da vitória foi pequena. Sob as circunstâncias, era de se esperar uma vitória de lavada do partido de oposição. Mas Obama ganhou por pouco — e entre eleitores brancos, McCain ganhou. Se o colapso financeiro tivesse demorado um pouco mais, McCain talvez ganhasse, apesar da performance desastrosa dos republicanos nos últimos oito anos em praticamente todos os setores.
GLOBO: O procurador-geral dos EUA, Eric Holder, disse recentemente que os Estados Unidos são uma nação de covardes no que diz respeito ao debate sobre racismo. A eleição de Obama não prova o contrário?
CHOMSKY: A eleição de Obama foi, sem dúvida, um evento histórico, e é muito importante ter uma família negra na Casa Branca — embora haja um tanto de racismo na ideia que esse é um momento mágico que só poderia acontecer nos EUA. As eleições na Bolívia e no Brasil foram muito mais “mágicas” em termos de mostrar como uma dura opressão pode ser vencida dentro do sistema eleitoral. O fato de os dois principais candidatos democratas à presidência serem um negro e uma mulher mostra que os EUA se tornaram um país muito mais civilizado nas últimas décadas. É um tributo ao ativismo dos 1960, mas ainda há um longo caminho pela frente, como Holder presumivelmente quis enfatizar.
GLOBO: Como o senhor, crítico feroz dos EUA, compararia os históricos de política externa e de direitos humanos do seu país com os da China, que para alguns está a caminho de se tornar a próxima potência global?
CHOMSKY: É muito improvável que a China substitua os EUA como principal potência global. Ela tem enormes problemas internos, desconhecidos no ocidente. Uma indicação disso é seu ranking na lista de Desenvolvimento Humano da ONU: em torno de 80º A China também enfrenta crises ecológicas severas, e embora seu crescimento industrial seja impressionante, muito dele é de capital estrangeiro, em particular nos setores mais avançados. Quanto à política externa, a China hoje é o mais pacifista dos grandes poderes. É por isso que importantes analistas americanos como John Steinbrunner têm defendido que a China lidere uma coalizão de Estados pacifistas para conter o militarismo agressivo dos EUA. Já o histórico chinês de direitos humanos é claramente horrível, muito pior do que o dos EUA.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Euclides X Dilermando: Ancelmo errou

A avó (Dirce) de um dos meus filhos é filha de Dilermando de Assis, militar campeão de tiro que ganhou fama maior por ter matado Euclides da Cunha. Ela sofreu muito na adolescência por ser tratada, erradamente, como "filha de assassino". Mobilizou-se na investigação do caso, chegou a escrever um livro, "Pai", e demonstrou - como aliás a justiça também fez - que Dilermando não foi assassino. Matou em legítima defesa. Na sua coluna de ontem no Globo, Ancelmo escreveu:
Tragédia da Piedade
Dia 15 de agosto, faz 100 anos que Euclides da Cunha foi assassinado, aos 43 anos de idade, pelo militar Dilermando de Assis, amante de sua mulher, Ana. (...) O júri da época aceitou a tese de Dilermando, de legítima defesa.
Na verdade...
Euclides foi à casa de Dilermando, no bairro da Piedade, e deu três tiros no amante de sua esposa. Mas o militar, campeão de tiro, conseguiu revidar e matou o escritor.
Ancelmo errou quando abriu sua coluna dizendo que "Euclides da Cunha foi assassinado". Ele mesmo reconhece em seguida que "
O júri da época aceitou a tese de Dilermando, de legítima defesa" e que "o militar, campeão de tiro, conseguiu revidar e matou o escritor". Há mais detalhes. Euclides chegou à casa onde estava Dilermando e a porta foi aberta por seu irmão, Dinorah, que tentou evitar o conflito. Euclides deu dois tiros em Dilermando (um na virilha e outro no peito); Dinorah correu para o quarto (possivelmente para pegar uma arma) e também foi atingido pelas costas (uma das balas não pôde ser extraída e acabou se alojando na coluna, tornando-o hemiplégico); Dilermando recebeu um terceiro tiro e só então revidou, matando Euclides da Cunha. 16 anos depois, vendo-se com a vida e a carreira perdidas, Dinorah suicidou-se. Se não me engano, o filho mais velho de Euclides também tentou matar Dilermando e acabou morrendo. Quando soube que outro filho também tentava matá-lo, Dilermando escreveu para Ana pedindo que ela procurasse evitar a loucura, porque o jovem poderia ser mais um a morrer. Diante desse quadro, certamente não é apropriado dizer que "Euclides da Cunha foi assassinado", já que não houve premeditação.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Carnaval da desglobalização

Separei para esses dias carnavalescos postagem sobre o texto publicado ontem na The Economist, “Globalisation - Turning their backs on the world”, uma peça rara de alegoria e prestidigitação. Todo o artigo é fundamentado com um único objetivo: provar que a globalização fez bem ao mundo e que, apesar da trapalhada em que mergulhamos, ela continua apontando o melhor caminho. O seu ponto de partido tem mérito altamente discutível (para dizer o mínimo...): “ajudar os países mais pobres a desenvolver-se tem sido um benefício-meta da globalização”. Isso é dito com base nos dados que mostram os países mais pobres, nos últimos anos, crescendo mais rápido do que os mais ricos. “A diferença entre o crescimento real nos mercados emergentes e nos países ricos foi ampliado de zero, em 1991, para cerca de 5 pontos, em 2007 – e, segundo o FMI, deve manter-se em 5,3 pontos em 2008 e 2009”, diz a revista. Ora, para começar, não existe isso de “ajudar” os países mais pobres. Os mais ricos precisavam de novos e melhores mercados, novas fontes de lucros, e a globalização foi a solução. Depois é ridículo apresentar esse recente crescimento maior entre os países mais pobres como um “benefício”. Qualquer crescimento para quem vive abaixo da linha de pobreza torna-se um acontecimento fabuloso, quase miraculoso. A revista conceitua globalização como “a integração global dos movimentos de bens, capital e empregos”. Mostra como cada um desses alicerces foi abalado pela crise atual, mas faz questão de sublinhar que a culpa de tudo está na recessão, não na globalização. Engraçado? Muitíssimo, mas tem sentido. O que se busca com isso é provar que o problema está no neoliberalismo, não na globalização. O que se pretende agora é uma globalização de novo tipo para reoxigenar o capitalismo, ou seja, a Social-Democracia Global (SDG) de que fala Walden Bello, economista filipino, autor de Deglobalisation, Ideas for a New World Economy. “Dada a necessidade de legitimação global para promover seus interesses em um mundo cujo equilíbrio de poder está se deslocando para o Sul, pode ser mais atrativo para as elites ocidentais optar por uma mistura da social-democracia europeia e do liberalismo New Deal que poderíamos chamar de Social-Democracia Global (SDG)”, escreve Walden Bello. Para ele, um dos principais nomes da SDG é o atual primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, que propôs o que chamou de “capitalismo fundado na aliança entre o mercado e as instituições estatais, capaz de reproduzir em escala global o que (para Gordon Brown) teria feito Franklin Delano Roosevelt em escala econômica nacional, a saber: garantir os lucros gerados pelo mercado e, ao mesmo tempo, domar seus excessos”. Walden Bello apresenta alguns destaques das posições defendidas pelos partidários da SDG, entre eles: “a globalização é essencialmente benéfica para o mundo; os neoliberais é que arruinaram a sua gestão, por isso é urgente salvar e resgatar a globalização, arrancando-a das mãos neoliberais” (algo assim). O que podemos concluir desse artigo da revista The Economist (e de outros textos e propostas pululando por aí) é que as chamadas forças progressistas ou de esquerda devem se preparar muito bem para o novo embate pós-crise que começa a desfilar. São as próximas décads que estão em jogo. E não podemos permitir que tudo acabe outra vez em quarta-feira de cinzas... (A imagem acima é uma carnavalização que fiz sobre a excelente ilustração de Claudio Munoz para The Economist)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

1 milhão de casas: a oposição vai ter que andar muito mais do que até o TSE...

Lula confirmou hoje, em telefonema ao Governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, que vai mesmo construir 1 milhão de unidades habitacionais nos próximos 2 anos. Se a oposição já andava preocupada com os votos que Dilma está ganhando com suas viagens de fiscalização de obras, vai ter que ficar mais preocupada ainda. Esse investimento no setor de habitação e na indústria da construção significa, em primeiro lugar, uma grande força anticrise. E em segundo lugar mais e mais votos para quem quer que seja apoiado por Lula. Ir até o TSE protestar é fácil. Quero ver a oposição ir protestar na porta de 1 milhão de novas famílias com teto para morar...

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Como Berlusconi lida com a justiça

Nesse momento em que Berlusconi tenta se imiscuir na justiça brasileira, é bom ler essa notícia que deu na BBC:
Advogado é condenado por aceitar propina de Berlusconi
Um tribunal de Milão condenou nesta terça-feira a quatro anos e meio de prisão um advogado britânico considerado culpado de receber uma propina de US$ 600 mil (cerca de R$ 1,2 milhão) do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi.
O caso do advogado David Mills ganhou grande destaque na imprensa britânica. Ele foi casado com a ex-ministra da Cultura britânica Tessa Jowell - atualmente a principal autoridade britânica encarregada da organização da Olimpíada de 2012 em Londres.
Mills, que promete recorrer da sentença, teria aceitado o suborno como pagamento por ter dado falso testemunho em dois julgamentos de corrupção que envolviam o primeiro-ministro italiano.
Os promotores alegaram que Mills usou o dinheiro para pagar uma hipoteca que tinha em conjunto com Tessa Jowell. Ela foi inocentada depois de uma investigação realizada por autoridades do Parlamento britânico.
Berlusconi nega que tenha pago suborno ao advogado, que não estava no tribunal para receber a sentença.
''Reconhecimento''
Mills era um dos consultores de Berlusconi a respeito de paraísos fiscais em outros países.
A promotoria alegou que o premiê pagou a Mills para que ele não revelasse detalhes de companhias estrangeiras durante dois julgamentos anteriores em 1997 e 1998. Nestes julgamentos, Mills deu seu testemunho como perito judicial.
O advogado inicialmente reconheceu ter recebido dinheiro de Berlusconi "como reconhecimento" pelo depoimento prestado, mas depois afirmou que o dinheiro tinha sido dado por outra pessoa.
Depois de chegar ao poder pela terceira vez em 2008, Berlusconi propôs uma polêmica lei que garante imunidade legal às quatro autoridades máximas da Itália, o que inclui o posto de primeiro-ministro.
A lei foi aprovada nas duas câmaras do Parlamento italiano. Os partidários de Berlusconi alegaram que a emenda era necessária para permitir que as autoridades de Estado se concentrassem em seus trabalhos sem nenhuma distração jurídica.
Quando deixar o cargo de primeiro-ministro, Berlusconi ainda poderá ser julgado, a menos que os crimes de que é acusado tenham expirado segundo as leis italianas.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

PMDB decide não facilitar a vida de Jarbas Vasconcelos

Claro que a entrevista em que Jarbas Vasconcelos declara que “parte do PMDB quer mesmo é corrupção” não foi gratuita, nem foi apenas “um desabafo”, como diz a nota que a direção peemedebista distribuiu hoje. Aliás, essa nota foi um balde de água fria nas pretensões de Jarbas Vasconcelos. Como pré-candidato a Vice na chapa de Serra, ele sentiu suas chances irem por água abaixo com essas eleições do Senado e da Câmara. A sua candidatura foi colocada em xeque (epa!) e o ideal para ele agora seria sofrer perseguição da direção do partido, conseguir com isso mudar de sigla e transformar-se na vítima-herói ideal para a chapa tucana. Os caciques peemedebistas perceberam a manobra e preferiram fazer de conta que nada tinha acontecido. A eles também não interessa vestir a carapuça de adesão total a Lula porque perderiam valor político. Jarbas Vasconcelos vai ter que dar um jeito de conviver em paz com aqueles que chama de corruptos. O que não deverá ser tão difícil, porque afinal eles todos vivem felizes há muitos anos.

Brasil no mundo: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come...

Li hoje no “Toda Mídia”, de Nelson de Sá, na Folha, mas refere-se a uma notícia postada pela BBC no dia 6: “Visão negativa do Brasil cresce em países ricos, diz pesquisa Globo terrestre”. De acordo com a pesquisa encomendada pela BBC, o Brasil continua com a imagem positiva em alta. A queda da visão positiva sobre o Brasil nos países ricos (Estados Unidos, França, Alemanha e Grã-Bretanha) deve-se, segundo Sam Mountford, diretor da empresa de pesquisas GlobeScan, em parte ao fato de o país estar mais em evidência no cenário internacional, graças ao crescimento de sua importância econômica global. "As pessoas ficam mais atentas a economias que têm impacto sobre elas”, diz ele. Quer dizer, se você é um país subdesenvolvido, explorado por tudo quanto é país rico, você é tratado pejorativamente de “república de bananas”; se você reage, cresce e aparece, você passa a ser visto com maus olhos, porque vira concorrente, passa a ser ameaça. Em outras palavras: se o Brasil continuar no ritmo Lula de crescimento, vai acabar enquadrado no “eixo do mal”...

Carnaval obriga César Maia a um pré-retorno

César Maia tinha prometido voltar a tocar o bumbo só em março. Mas a última semana de fevereiro é do Carnaval, o que atrapalha ecoar a notícia do seu retorno. Por isso o seu Ex-Blog pré-retornou hoje "em edição extraordinária" (no último sábado ele já tinha iniciado suas colunas semanais na Folha). Como sempre, trata de assuntos importantes do mundo político nacional e internacional. Como sempre, procura pinçar o que mais lhe favorece. Nos resultados eleitorais da Venezuela, por exemplo, César Maia faz questão de ressaltar que os 54,36% da vitória de Chávez correspondem a apenas 35,5% do total do eleitorado, já que a abstenção foi de 32,9% e os nulos foram 1,3%. Estaria tudo certo, se ele esclarecesse que nesses 34% de abstenção e nulos (um dos índices mais altos dos últimos tempos) a maioria é de eleitores de Chávez. O seu eleitorado, de baixa renda, é mais displicente e exige um esforço de mobilização monumental. Muito provavelmente, se todos os eleitores votassem, o “Sim” ultrapassaria os 60%. Gostaria de aproveitar essa postagem para sugerir a César Maia que no seu retorno conseguisse mais tempo para revisão do Ex-Blog.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Miep Gies faz 100 anos

Haaretz Acreditem, Amsterdam tem bem mais do que visitas aos bares tipo Red Bull ou ao “bairro das luzes vermelhas” ou à fábrica da excelente Heineken. É uma cidade belíssima, onde você também pode visitar o Museu Van Gogh, o Museu Nacional ou a impressionante “casa de Anne Frank” e conhecer aquele pequeno sótão onde a menina de 13 anos pôde se esconder com a família, durante 25 meses, dos nazistas que ocuparam a Holanda. Foi Miep Gies (austríaca de nascimento) que ajudou a manter o esconderijo, garantindo fluxo de alimento para o grupo. E ela fez mais: salvou os originais do Diário de Anne Frank, livro que se tornou sucesso em todo o mundo, um libelo antinazista. Leia mais clicando aqui.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Serra faz a manchete mais hilária da semana

Sempre existiu campanha política antecipada. E vai continuar existindo. Há quem diga que o candidato vitorioso é definido bem antes de se iniciar a campanha oficial (às vezes tem exagero nisso, mas tem muito de verdade). Todo político sabe que é assim que a banda toca, e aqueles que se sentem prejudicados por “pré-campanhas” tentam apenas combater os excessos dos adversários enquanto recuperam o fôlego. É o que está acontecendo agora com a oposição, atônita, sem saber o que fazer para combater a popularidade de Lula que não pára de crescer. Sem ter definido o nome para a eleição 2010, a oposição começou a se preocupar (com toda razão) com a estratégia bem montada para dar visibilidade a Dilma Roussef como candidata de Lula. Ao mesmo em que tenta evitar no Supremo as viagens de Dilma, a oposição fez o quê? Fez o mesmo que a pré-candidata petista. Serra e Aécio começaram a circular fora de seus estados e tanta contradição provocou essa manchete acima (clique na imagem para ampliar), de hoje, no jornal O Globo. Flagrado em uma feira agropecuária do Paraná, fazendo sabe-se lá o que, Serra disse que “ao contrário da ministra Dilma Rousseff, que tem acompanhado o presidente Lula nas viagens pelo país, ele tem se dedicado apenas a governar São Paulo”. O festival da comédia eleitoral está apenas pré-começando...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Eleição israelense: Estados Unidos e Europa perto de escolherem o novo Gabinete

Os governos americanos e europeus já mandaram o recado: não querem ver um governo de direita assumindo em Israel. O direitista Benjamin Netanyahu (que pretende ser o Primeiro Ministro, apesar do seu partido, o Likud ter ficado em segundo lugar) seria um desastre para as negociações de paz com os palestinos. Pior ainda para a pretensão da formação de dois estados e para a melhoria nas relações com o Hesbolá e com o Irã. Estados Unidos e União Europeia trabalham para que Kadima e Likud se aliem, de preferência sob o comando de Tzipi Livni. Ou pelo menos que o Kadima ocupe postos chaves como Relações Exteriores, Defesa e Fazenda. Seja como for, nada avançará sem o voto de Obama, Sarkozy, Gordon e Merkel. Leia mais nas reportagens U.S., EU say prefer Kadima-Likud unity gov't e King of comeback do jornal Haaretz.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Eleições em Israel: quem será o infiel da balança?

A rigor, em política não existe o fiel da balança. O equilíbrio político é na verdade conquistado com o recurso de pequenas “infidelidades” (raramente são grandes “infidelidades”). Essa eleição de Israel – sempre cenário de grande confusões – dá exemplo do que é isso. O partido centrista Kadima, do atual Primeiro-Ministro Ehud Olmert e da vitoriosa Tzipi Livni, venceu (para surpresa geral) porque conquistou o maior número de cadeiras no Parlamento (28 cadeiras, do total de 120). Mas podemos dizer que há um empate técnico. Logo atrás veio o direitista Likud, de Benjamin Netanyahu, com 27 cadeiras. Em seguida vêm o Yisrael Beitenu, Avigdor Lieberman, de extrema direita, com 15 cadeiras, o tradicional Avoda (Partido Trabalhista), de Shimon Peres e Ehud Barak, com 13 cadeiras, e o Shas, de direita (embora faça parte do atual governo), com 11. Por último, vêm 7 partidos menores que, juntos, conquistaram as 26 cadeiras restantes (outros 22 partidos – ou coligações –, entre eles o "Partido do Poder do Dinheiro", o "Partido dos Direitos dos Homens" e o "Partido dos Sobreviventes do Holocausto", não tiveram votos suficientes para conquistar lugar no Parlamento). Agora começa a parte mais “xadrez” da eleição: as negociações para determinação do Primeiro-Ministro e seu Gabinete. A disputa está entre Tzipi Livni e Benjamin Netanyahu, e a questão estritamente ideológica passa distante. O Kadima de Tzipi Livni (que venceu detonando o campo da esquerda, como disse Yossi Verter, do Haaretz) acena para a direita e não me espantaria ver o Yisrael Beitenu participando do governo, substituindo o Partido Trabalhista (que conta com a liderança de Ehud Barak, atual Ministro da Defesa, que comandou os ataques a Gaza!), que poderá ir para a Oposição. Fidelidades ideológicas, para quê? A verdadeira união é feita em torno da guerra à Palestina. Veja a relação dos partidos e suas cadeiras:
  • Kadima ("Avante", centrista) 28 cadeiras
  • Likud ("União", de direita) 27 cadeiras
  • Yisrael Beitenu (de extrema direita, com base entre imigrantes vindos da antiga União Soviética) 15 cadeiras
  • Avoda (Partido Trabalhista, centroesquerda, de Shimon Peres, David Ben-Gurion, Yitzhak Rabin, Golda Meir e Ezer Weizman) 13 cadeiras
  • Shas (partido de direita) 11 cadeiras
  • Judaísmo Torah Unido (ultra ortodoxo) 5 cadeiras
  • União Nacional (direita) 4 cadeiras
  • Hadash (árabe-judeu, de esquerda) 4 cadeiras
  • Lista Árabe Unida -Ta’al (nacionalismo árabe-israelense, com influência muçulmana) 4 cadeiras
  • Lar Judeu (religioso, de direita) 3 cadeiras
  • Meretz (Vitalidade, de esquerda) 3 cadeiras
  • Balad (auto definido como partido nacional progressista para os cidadãos palestinos de Israel) 3 cadeiras

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Brasil 3 x 0 Itália

O Brasil venceu a Itália no campo esportivo (2 x 0) e no campo jurídico (1 x 0).

Israel: o eleitor do Partido Trabalhista sacrificou o partido, mas tentou impedir a vitória da direita

Até o momento, só temos 43% dos votos computados, mas tudo leva a crer que o Kadima ficou em primeiro lugar, em uma virada sensacional, tirando a liderança do direitista Likud. Não está certo ainda que a representante do Kadima, Tzipi Livni, consiga assumir o cargo de Primeira-Ministra. Vai depender dos resultados finais e dos acordos com os partidos. O Partido Trabalhista, preocupadíssimo com a sua queda de popularidade, ameaça ir para a oposição. Mas não é isso que os setores progressistas querem. O importante agora é uma forte aliança contra a preocupante direita israelense. Vamos aguardar os resultados. NOTA: com 52% dos votos apurados, a possível aliança de centroesquerda tem 65 cadeiras contra 55 da direita. Com 86%, a possível aliança de centroesquerda tem 67 cadeiras contra 53 da direita.

A guerra contra a Itália

Na década de 70, fiz reportagem sobre motoristas de táxi brasileiros em Nova York (sugestão do Paulo Francis). Um deles me falou: “Vivia nas noites cariocas e resolvi dar a volta ao mundo em 10 anos, mas parei em Nova York”. Sem dinheiro, pensou em trabalhar na construção civil, mas foi logo alertado: “Latinoamericano não tem a menor chance, porque o sindicato é dominado pela máfia italiana”. Mesmo assim ele foi tentar e falou diretamente com o presidente, que lhe disse: “Você tá maluco? Não vai conseguir emprego aqui nunca! Você é brasileiro e o Brasil acabou de derrotar a Itália!” (tratava-se provavelmente do 4x1 da Copa de 70...) Quer dizer, a disputa Brasil x Itália é antiga e acirrada. Quase tão forte quanto Brasil x Argentina. E a partida de hoje tem o tempero adicional da disputa em torno da não-extradição de Cesare Battisti. Vai ser uma guerra. A título de curiosidade, continuo o relato do taxista brasileiro: “Percebi que ele (o italiano presidente do sindicato da área de construção civil) gostava de futebol e comecei a falar sobre os grandes craques europeus. Ele se entusiasmou e me tornei o primeiro sulamericano a trabalhar em construção. Fui trabalhar na construção do World Trade Center e logo nos primeiros meses um tijolo caiu de raspão no meu ombro. Todo mundo gritou para eu me jogar no chão e fiz isso. Fiquei um ano parado recebendo seguro. Aí fecharam acordo comigo e me pagaram uma bela indenização. Foi com ela que comprei o meu táxi. E posso dizer que já dei a volta ao mundo...”

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Um guia para o esquerdista israelense perplexo

A esquerda israelense não vive apenas o drama humanitário causado pelos bombardeios de Gaza. Vive o drama da sua própria identidade. E esse drama torna-se maior diante da decisão que tem que ser tomada nas eleições desta terça-feira. É mais importante votar em um partido que melhor representa a esquerda ou votar naquele que, taticamente, melhor serve para derrotar a direita representada pelo Likud ("União", em hebraico, de Benjamin Netanyahu)? A indecisão permanece até os últimos instantes. Para tentar ajudar, Akiva Eldar, do jornal Israelense Haaretz ("Terra", de tendência de esquerda), publicou A guide for the perplexed leftist, onde apresenta testes comparativos entre os partidos Kadima ("Avante", centrista, fundado por Ariel Sharon, partido de Ehud Olmert e da candidata Tzipi Livni), o tradicional Avoda ("Partido Trabalhista", centroesquerda, de Shimon Peres, David Ben-Gurion, Yitzhak Rabin, Golda Meir e Ezer Weizman) e o Meretz ("Vitalidade", de esquerda, socialdemocrata). Uma decisão difícil de tomar para quem é de esquerda em um país como Israel. Vale a pena ler o artigo. E tomara que o resultado da eleição contribua com mais paz para a região.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Eleições israelenses: as bombas contra palestinos servem de cortina de fumaça para a crise econômica e social em Israel

Nas eleições da próxima terça-feira, dia 10, não importa quem vença, Israel vai obedecer ao comando de “direita, volver!”. Sem ter como viabilizar propostas capazes de solucionar os graves problemas econômicos e sociais que afligem o país, os partidos de esquerda e de centro buscaram um discurso mais próximo da direita, fundamentado na questão da segurança. O bombardeio de Gaza foi conseqüência natural. Conseguiram embaralhar a cabeça do eleitor e passaram a ter chances em uma eleição que já estava praticamente perdida. Enquanto isso, um quarto das famílias vive abaixo da linha de pobreza, 1/3 da população não tem meios para comprar remédio e a metade não dispõe de plano de aposentadoria. Curiosamente, a parcela da população em estado mais crítico é a que apóia os candidatos da direita, com sua proposta neoliberal e de radicalismo antipalestino. Que os deuses de todas as religiões ajudem a região! Leia mais no Le Monde: Législatives en Israël: l'économie une nouvelle fois éclipsée par les questions de sécurité, do correspondente em Israel Benjamin Barthe.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Aécio em festa

Ontem, Aécio Neves, Governador de Minas e pré-candidato à presidência pelo PSDB, aproveitou sua estada em Brasília e deu uma esticada com sua namorada na festa que rolava no Brasília Palace - para total surpresa dos três aniversariantes que promoviam a festa! Provavelmente estava tentando iniciar as prévias tucanas...

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O ciao de Mino

Na postagem anterior, reproduzi um texto que, a propósito de Cesare Battisti, bate fortemente em Mino Carta. Agora, reproduzo a despedida jornalística que Mino colocou em seu Blog na quarta-feira. Nesse mesmo dia, o Mello me perguntou o que eu achava do Mino, já que tinha trabalhado com ele na Veja. Devo confessar que é difícil analisar agora, tantos anos depois. Eu estava apenas começando na vida adulta, profissional e paulista. Posso dizer que o Mino inegavelmente tem um lugar de grande destaque no jornalismo brasileiro. Quatro Rodas, Jornal da Tarde, Veja, Revista Senhor (segunda fase), jornal República, IstoÉ, Carta Capital, etc. que não me deixem mentir. Na minha época de Veja, lembro do Léo Gilson Ribeiro, crítico, editor de literatura da revista e eterno gozador, referindo-se a Mino Carta como Napoleão - provavelmente parte pela semelhança na altura, parte pelas semelhanças regionais (a Córsega onde nasceu Napoleão está mais ligada à Gênova de Mino do que à própria França) e parte pelas semelhanças como chefes. Não consigo ir muito além disso. Eis o texto-despedida:
quarta, 04 de fevereiro de 2009 às 12:59
A despedida
Quando escolhi o Brasil como lugar definitivo da minha vida, optei também pelo jornalismo. Existe uma indissolúvel conexão entre as duas atitudes. E explico. Até o golpe de 1964, fui jornalista com séria dedicação profissional. De alguma forma mercenário, no entanto.
Diga-se que, depois da renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, quando a pressão militar só permitiu a posse de João Goulart, sucessor constitucional, ao forçar a adoção do parlamentarismo, eu ficara de sobreaviso. Mas o golpe se deu também sobre a minha alma e motivou minhas escolhas definitivas.
Entendi que fosse meu dever praticar o jornalismo em um país submetido à ditadura imposta pela classe dominante com a inestimável ajuda dos seus gendarmes, e que se uma única, escassa linha da minha escrita sobrasse para o futuro, teria conseguido conferir um mínimo de importância à minha profissão. Faço questão de sublinhar que não agia desta maneira pelo Brasil, e sim por mim mesmo.
Quarenta e cinco anos depois, vivo uma quadra de extremo desalento, em contraposição às grandes esperanças alimentadas durante a ditadura.
Logo frustradas pela rejeição da emenda das eleições diretas após uma campanha a favor que honra o povo brasileiro. Fez-se, pelo contrário, a conciliação das elites, nos exatos moldes previamente desenhados pelo general Golbery do Couto e Silva. A aposta do Merlin do Planalto estava certa e vale até hoje.
Fez-se a conciliação para eleger Fernando Collor e para derrubá-lo. E novamente para eleger Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998. A Carta aos Brasileiros assinada por Lula foi uma tentativa de aparar arestas antes do pleito de 2002, aparentemente mal-sucedida, por ter convencido um número bastante diminuto de privilegiados. A conciliação veio depois da posse, a despeito do ódio de classe que até o momento cega a mídia.
A mim, que estou de olhos escancarados, a Carta convenceu por considerá-la sincera. Naquela época, não cansei de definir Lula como um conciliador desde os tempos da liderança sindical. No governo, contudo, ele foi muito além das minhas expectativas. Ou, por outra: deu para me decepcionar progressivamente.
O balanço de seis anos de Lula no poder não é animador, no meu entendimento. A política econômica privilegiou os mais ricos e deu aos mais pobres uma esmola. Há quem diga: já é alguma coisa. Respondo: é pouco, é uma migalha a cair da mesa de um banquete farto além da conta. O desequilíbrio é monstruoso. Na política ambiental abriu a porta aos transgênicos, cuidou mal da Amazônia, dispensou Marina Silva, admirável figura, para entregar o posto a um senhorzinho tão esvoaçante quanto seus coletes.
A política social pela enésima vez sequer esboçou um plano de reforma agrária e enfraqueceu os sindicatos. E quanto ao poder político? O Congresso acaba de eleger para a presidência do Senado José Sarney, senhor feudal do estado mais atrasado da Federação, estrategista da derrubada da emenda das diretas-já e mesmo assim, graças ao humor negro dos fados, presidente da República por cinco anos. Outro que foi para o trono, no caso da Câmara, é Michel Temer, um ex-progressista capaz de optar vigorosamente pelo fisiologismo. Reconstitui-se o “centrão” velho de guerra, uma das obras-primas da conciliação tradicional. Enquanto isso, o Brasil ainda divide com Serra Leoa e Nigéria a primazia mundial da má distribuição de renda, exporta commodities, 55 mil brasileiros morrem assassinados todo ano, 5% ganham de 800 reais pra cima. E 2009 promete ser bem pior que pretendiam os economistas do governo.
Houve, e há, justificadíssima grita quanto às privatizações processadas no governo FHC. E que dizer do BNDES que empresta aos bilionários para armar a BrOi, a qual (é uma modesta previsão) acabará nas mãos de ouro de Carlos Slim? E que dizer da compra pelo governo de 49% das ações do Banco Votorantim à beira da falência?
Em um ponto houve melhoras sensíveis, na política exterior. E aí vem o caso Battisti. Até este serve ao propósito da conciliação, a despeito das críticas bem fundamentadas da mídia. O ministro Tarso Genro disse em Belém que a favor da extradição de Battisti se alinham os defensores da anistia aos torturadores da ditadura, “com exceção de Mino Carta”. Agradeço a referência, observo, porém, que o ministro cai em clamorosa contradição. Não foi ele quem, em rompante que beira a sátira volteriana, sugeriu à Itália baixar uma lei da anistia igual àquela assinada no Brasil pelo ditador de plantão?
Talvez o ministro não saiba que enquanto no Brasil vigorou o Terror de Estado, na Itália houve uma gravíssima e fracassada tentativa terrorista de desestabilizar um Estado democrático de Direito estabelecido desde o fim do fascismo.
Se eu digo que o Festival de Besteira assola o País desde a época de Stanislaw Ponte Preta, e que se o ministro merece o Oscar do Febeapá, ao menos o professor Dalmo Dallari faz jus a uma citação, recebo as mensagens ferozes e as agressivas admoestações de centenas de patriotas. Pois não é bobagem (sou condescendente) dizer que na Itália dos anos 70 estava no poder um governo de extrema-direita, ou que se Battisti for extraditado, de volta ao seu país corre até risco de vida? Ou afirmar que Mestre e Milão, norte da península, são muito distantes, quando entre as duas cidades há menos de 200 quilômetros? Sem contar que, como me levam a observar vários frequentadores do meu blog, Battisti foi o autor do homicídio de Mestre e apenas o idealizador daquele de Milão. Está claro que o ministro Tarso não erra ao dizer que a mídia nativa está sempre a agredir o governo de Lula, e contra esta forma desvairada de preconceito CartaCapital tem se manifestado com frequência. Ocorre que, ao referir-se à extradição negada a mídia está certa, antes de mais nada em função dos motivos alegados, a exibir ao mundo ignorância, falta de sensibilidade diplomática e irresponsabilidade política, ao afrontar um estado democrático amigo.
De todo modo, Battisti transcende sua personalidade de “assassino em estado puro”, segundo um grande magistrado como o italiano Armando Spataro, para se prestar a uma operação que visa compactar o PT e empolgar um certo gênero de patriotas canarinhos.
Isto tudo me leva a uma conclusão desoladora, embora saiba de muitíssimos leitores generosos e fiéis: minha crença no jornalismo faliu. Em matéria de furo n’água, produzi a Fossa de Mindanao, iludi-me demais, mea culpa.
Donde tomo as seguintes decisões: despeço-me deste blog e, por ora, calo-me em CartaCapital.
Creio que a revista ainda precise de minha longa experiência profissional, completa 60 anos no fim de 2009. Eu confiei muito em Lula, por quem alimento amizade e afeto. Entendo que o Brasil perde com ele uma oportunidade única e insisto em um ponto já levantado neste espaço: o próximo presidente da República não será um ex-metalúrgico com quem o povo identifica-se automaticamente. Conforme demonstra aliás o índice de aprovação do presidente, cada vez mais dilatado.
Vai sobrar-me tempo para escrever um livro sobre o Brasil. Talvez não ache editor, pouco importa, vou escrevê-lo de qualquer forma, quem sabe venha a ser premiado pela publicação póstuma.

CartaCapital e o país de Pinocchio

Recebi esse texto, que reproduzo na íntegra:
CartaCapital e o país de Pinocchio
Giuseppe Cocco, 5/2/2009
GIUSEPPE COCCO , 52, cientista político, doutor em história social pela Universidade de Paris, é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras obras, escreveu, com Antonio Negri, "Glob(AL): Biopoder e Luta em uma América Latina Globalizada".
No Brasil, as vivas polêmicas suscitadas pelo caso Battisti foram e são atravessadas por dois grandes vieses. Obviamente, um deles tem origem na Itália. O outro, só um pouco menos óbvio, é fato da conjuntura política brasileira.
A violenta reação da classe política italiana à decisão brasileira de conceder “refúgio” a Battisti tem dois determinantes.
O primeiro diz respeito à composição fortemente reacionária do atual executivo italiano presidido por Berlusconi. Se o berlusconiano ministro do exterior, Frattini, chamou de volta o embaixador, foram os pós-fascistas a ameaçar com a suspensão do “amistoso” de futebol entre Brasil e Itália; e um deputado da "Lega Nord" a declarar que o Brasil é conhecido por suas “dançarinas” e não por seus juristas.
O segundo determinante diz respeito à composição da classe política italiana considerada em conjunto. Até o Presidente italiano, apesar de seu pouco peso (o regime italiano é parlamentar, e quem 'manda' é o Primeiro Ministro), o pós-comunista Napolitano, protestou veementemente e de maneira deselegante, em carta aberta ao presidente brasileiro. A cobertura da grande mídia brasileira não traz nenhuma novidade. Quando se trata de Bolívia e Equador, ela prega firmeza e critica a postura conciliatória do governo brasileiro. Quando se trata de Itália, ela repercute (e dá legitimidade a) a pressão italiana, sem nenhuma preocupação com a firmeza “nacional” que a mesma mídia prega nos outros casos. A elite é isso mesmo: “forte com os fracos e fraca com os fortes”! Mas, há uma segunda vertente de críticas à decisão brasileira no caso Battisti: trata-se das colunas do editor-proprietário de CartaCapital e de um magistrado, ex-chefe da repressão ao narcotráfico (sob FHC) que publica colunas no mesmo semanário, no Terra. Na realidade, essa 'segunda' vertente não faz diferente do que faz a grande mídia: é mais do mesmo, mas piorado. Ao mesmo tempo, há dois traços específicos nessa 'segunda' vertente.
Em primeiro lugar, Mino Carta e Walter Maierovitch pretendem-se inseridos no cenário político brasileiro nacional, no campo progressista, até de centro-esquerda. Sobretudo em função de uma inegável independência do jornalismo da Carta Capital – os dois beneficiam-se das vantagens dessa imagem, entre o público de esquerda. Em segundo lugar, ambos apresentam-se como profundos conhecedores da realidade italiana, sabe-se se por suas origens familiares, sabe-se lá se por algum outro critério pessoal indecifrável. E é assim que se lê, na Carta do Mino (de 28 de janeiro de 2009) que “o ministro Tarso Genro expõe ignorância em relação à história recente da Itália”. As colunas desses dois autores atacam a decisão de Tarso com argumentações supostamente mais rigorosas no plano histórico, jurídico e político. Muitos, na esquerda, ficaram perplexos com o que leram essa semana. O fato é que aqui se viu uma interpretação reacionária à brasileira do balé reacionário encenado por praticamente toda a classe política italiana.
Em outro site[1], Walter chega a formulações de bem baixo nível, que deixamos que o leitor avalie: “Caso Battisti: Tarso Genro protagoniza tragicomédia e vai do masturbador a Bobbio”.
Mas em italiano existe uma frase bem adequada ao paradoxo aparente dessa situação: “non tutto il male vien per nuocere”, nem todo o mal vem (só) para o mal! A postura dos dois colunistas nesse caso é uma boa ocasião para ver, por um lado, que, nesse caso, seu jornalismo não é tão independente como eles desejariam que fosse; pelo outro, que eles são incapazes de apreender as dimensões políticas dos processos sociais e de seus conflitos.
Grosso modo, Mino mobiliza três argumentações. Uma, geral, que diz muito sobre sua visão dos problemas do Brasil: trata-se de um país que deve firmar-se em nível internacional, ou seja ser sério, nos termos dos palpiteiros que decidem sobre "níveis de risco".
Assim, para Mino, o que pensa o The Economist constituiria alguma espécie de Magna Carta... ou seja uma Carta Capital. A decisão sobre Battisti é ruim, diz ele, porque The Economist não gostou. Para Mino o Brasil ainda seria uma criança que “vive em estado de ignorância”.
A segunda argumentação mobiliza um método jornalístico estranho. Afirmando-se como especialista dos detalhes da vida política italiana e de sua história, Mino elogia a carta aberta enviada a Lula pelo presidente italiano, o “comunista”, diz ele, Giorgio Napolitano. Mas Mino não chama de comunista, de pós ou de ex-comunistas os membros do PD (para onde convergiram os ex-membros do PDS, ex-PCI e os ex-membros da Democrazia Cristiana, DC). Tudo bem, até aí, nada de grave. Mas, logo depois, Mino fala de uma outra carta, dessa vez enviada pelo presidente do Congresso italiano (Camera dei Deputati), Gianfranco Fini, a seu homólogo Arlindo Chinaglia.
Ora, no Brasil, todo o mundo sabe que Chinaglia é do PT. Mas ninguém sabe de que partido é Fini. Se usamos o mesmo critério pelo qual Mino apresentou Napolitano ("comunista"), Fini tem de ser apresentado como "fascista": é dirigente do partido (MSI) criado pelos sobreviventes do regime mussoliniano no imediato pós-guerra, partido que, recentemente, se transformou em "Alleanza Nazionale". Diante disso, o que pensar? Por que esse tratamento desigual, em artigo de jornalista tão bem informado? Será que Mino não sabia como resolver a incongruência dessa unanimidade entre “comunista” e “fascista”? O nariz de Pinocchio não cresceu. O jornalista não escreveu uma mentira. Simplesmente omitiu o fato que atrapalhava sua coreografia. E isso, depois de anunciar que, “como recomendaria Hannah Arendt, vamos à verdade factual” (sic).
Ou por ignorância da situação italiana, ou por ter-se atrapalhado com tantos malabarismos jornalísticos, Mino surrupia ao leitor um elemento importante: o drama da classe política italiana está justamente no fato de que comunistas e fascistas têm idêntica opinião sobre os anos 1970, sobre o Brasil de hoje e sobre várias outras coisas. Pobre Hannah Arendt, condenada à revelia a nos ensinar esse tipo de 'verdade'. A 'verdade' que Mino noticia nada é além da 'verdade' de todos os ex-comunistas e ex-fascistas que negam aos militantes revolucionários dos anos 1970 a possibilidade de, hoje, quase 40 anos depois, serem diferentes do que foram. Por que tantos são hoje “pós”... e os militantes revolucionários daquela época não podem ser? Pobre Oswald de Andrade, cujo Stanislaw Ponte Preta é citado à toa, para falar do Brasil desde um ponto de vista eurocêntrico que ele tanto criticou!
Por que, em outro parágrafo, falar do fato de que o advogado de Battisti defende também Dantas, e não lembrar que o mesmo advogado defendeu também o MST? MST que assinou manifesto em favor de Battisti e ocupa 8 páginas do mesmo número do semanário?
Por que, quando fala do Tortura Nunca Mais pelo avesso que haveria na Itália, não citar o detalhe de que o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro apoiou a decisão do Ministro Tarso?
No mesmo numero do semanário, Walter começa sua coluna falando de Gramsci morto na prisão, por mãos dos fascistas. Não pergunta a pergunta indispensável: o que pensaria o pobre Gramsci, se visse uma situação na qual pós-comunistas e pós-fascistas andam juntinhos?
Não, não. Ninguém aqui pretende mobilizar Gramsci em prol de Battisti. Mas, sim, haveria boa coluna a escrever, sim, sobre o que pensaria Gramsci sobre o voto dos ex-comunistas italianos a favor da guerra do Afeganistão e da guerra do Kossovo. O que pensaria Gramsci, sobre isso? E o que pensaria Gramsci sobre direita e esquerda italianas estarem hoje unidas, também, numa furiosa discriminação dos imigrantes estrangeiros? E sobre a imposição das bases militares dos EUA em Vicenza, imposição que a população daquela cidade rejeitou em plebiscito legal (e estamos falando de 2008!) e que direita e esquerda italianas aprovaram? E o que pensaria Gramsci sobre o ex-comunista Walter Veltroni e o líder dos DS, o qual – quando prefeito de Roma –, ante um fato de delinqüência sexual praticado por um grupo de imigrantes romenos, clamou por punição coletiva, étnica, para todos os “roms” (quer dizer, todos os ciganos)? Mino e Walter falam da volta do “Febeapá do Lalau” e se pretendem conhecedores finos da realidade italiana. Walter nos explica que as leis especiais de repressão da luta armada não eram “de exceção” mas de “emergência” – sutileza equivalente ao requinte busheano de chamar a tortura praticada em Guantánamo de “novos métodos de interrogatório”.
E então vem Mino e nos diz que “a Itália (...) não alterou uma única, escassa vírgula da sua Constituição para combater o terrorismo”. Pois é. Difícil supor que Mino não saiba que a Constituição italiana co-habitou por muito tempo não apenas com a máfia e a corrupção, mas, sobretudo, com o "Códice Rocco" – que leva o nome do jurista fascista que o redigiu durante o período mussoliniano. Assim também as relações entre Estado e Igreja continuaram sob o marco do também mussoliniano “concordato”, sem que a Constituição representasse obstáculo a qualquer daquelas legislações fascistas. Até a discriminação atual dos imigrantes é constitucional.
Walter se afirma profundo conhecedor da vida política italiana e escreve: “[na Itália] o terror começou em dezembro de 1969 com a explosão de Piazza Fontana”. Não. A Itália inteira sabe que esse atentado, conhecido como “strage di Stato” (massacre praticado pelo Estado), está na base da chamada “strategia della tensione” – uma série de atentados (nos trens, em manifestação em Brescia, na estação de trens de Bologna) cometidos por fascistas ou agentes do Estado ligados a uma organização paralela da Otan, chamada "Gladio", dirigida por Licio Gelli entre outros.
O que fez a Itália supostamente democrática dos anos 1970, a Itália do tão elogiado presidente Pertini, para salvar as centenas de italianos e milhares de descendentes de italianos que eram torturados e exterminados na Argentina? Será que a seleção nacional italiana se recusou a jogar o mundial argentino por causa disso? Será que Walter sabe nos dar alguma resposta?
A Itália dos anos 1960 e dos anos 1970 era assim: políticos da Democrazia Cristiana misturados com mafiosos, generais golpistas, lojas maçônicas, bancos do Vaticano e bombas cegas destinadas a ameaçar o movimento operário e estudantil. Afirmação política que chegou à imortalidade na peça de teatro “Morte acidental de um anarquista” de Dario Fo, prêmio Nobel de literatura. É essa verdade política que nossos dançarinos optaram por não revelar a seus leitores.
O primeiro ato violento da esquerda foi – em 1972 – o homicídio do Delegado Calabresi, acusado de ter defenestrado o anarquista Pinelli para acusar o movimento desse horror. O intelectual Adriano Sofri, na época dirigente do grupo "Lotta Continua" (que tinha 20.000 militantes e publicou ao longo da década um jornal quotidiano do mesmo nome), está pagando com longos anos de prisão uma condenação por responsabilidade moral nesse assassinato. E isso não é político? E Feltrinelli, editor, homem de esquerda e amigo pessoal de Fidel Castro, que morreu também em 1972, tentando sabotar uma torre de energia para tentar acordar os grupos de resistência contra as ameaças fascistas? Feltrinelli foi criminoso comum?
Essa verdade política estava na rua, nas manifestações de milhões de italianos ao longo de toda a década. O Estado italiano nunca desvelou as conspirações e cumplicidades que o ligaram à estratégia da desestabilização (strategia della tensione). Aliás... por que os ministros italianos fascistas não mandam chamar de volta o embaixador italiano no Japão, para conseguir prender, afinal, um dos acusados por vários atentados? Mino e Walter não lembram do clima daqueles anos? O golpe militar contra Allende (em 1973), o esmagamento da revolta dos estudantes gregos pelos tanques não teriam tido, para eles, nenhum impacto nos movimentos de toda a Europa?
Não eram pequenos grupos. Eram manifestações oceânicas, sistemáticas e repetidas, manifestações de rua que diziam: “Grécia, Chile: mai piú senza fucile” [Grécia, Chile, nunca mais sem fuzil].
O próprio compromisso histórico não foi, pelo menos em parte, fruto do veto norte-americano à chegada ao poder do Partido Comunista Italiano? Para não falar de Ustica: será que Mino e Walter ouviram falar de Ustica? Se sim, como justificam que o Estado italiano tenha acobertado todos os elementos que indicavam que o avião foi derrubado por um míssil, em acidente que matou 81 pessoas? Por que a Itália nunca chamou o embaixador dos Estados Unidos, quando retiraram clandestinamente de território italiano os pilotos militares que derrubaram a cabine de um teleférico ('bondinho'), matando 20 italianos?
Por que não se romperam relações diplomáticas com os Estados Unidos, quando norte-americanos metralharam um carro do serviço secreto italiano cujos ocupantes participavam de uma operação de libertação de uma refém em Bagdá?
Por que as mortes ligadas a Battisti seriam mais pesadas do que todas as outras? Não é problema de justiça, ainda menos de moral. Trata-se afirmar uma razão de Estado.
A Itália quer afirmar sua razão de Estado como a única, para que ninguém ouse mais contestá-la. Mino e Walter dançam por essa música.
Chegamos assim à terceira argumentação. Mino e Walter tentam demonstrar tecnicamente que Battisti seria delinqüente comum.
Usando magistralmente os relatórios de polícia (diga-se de passagem que, na época, era "polícia política"; depois, passou a ser designada por uma sigla, DIGOS), Mino e Walter dizem que Battisti teria sido recrutado pelas organizações armadas, depois de ter sido preso por crimes comuns. Aí, Mino e Walter têm de se decidir, é uma coisa ou a outra: se na Itália daquela época não havia crimes políticos... quando ter-se-ia dado a mágica de transformar-se o crime de Battisti, de crime comum, em crime político? Por que os relatórios de polícia tanto se empenhariam para estabelecer o momento e a forma de sua “politização”?
O fato é que Mino e Walter estão constrangidos numa visão da história que, por mais simpática que tantas vezes seja à histeria anti-Lula da elite brasileira, não tem nenhuma dimensão política. Além disso, tampouco têm capacidade de apreender o papel constituinte das lutas sociais, inclusive quando são violentas.
Será preciso lembrar a Constituição dos Estados Unidos que prevê o direito à revolta contra o poder constituído? Thomas Jefferson, agora, mais um perigoso terrorista?
Bem mais recentemente, em seu discurso sobre a questão do racismo, o atual presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, não reivindicou explicitamente as lutas dos negros, inclusive das revoltas violentas? Não tentou a direita republicana usar contra ele, então, sua relação com um antigo militante dos weathermen (movimento de guerrilha contra a guerra do Vietnam)?
Battisti, e com ele centenas de milhares de jovens operários, estudantes, desempregados na Itália dos 1970, participou de um movimento revolucionário, que atacava as bases do sistema de acumulação capitalista e alimentou, até meados dos anos 1970, um processo de libertação que a normalização pós-comunista e pós-fascista ainda não zerou.
Sim, os operários italianos lutavam contra a ordem fabril e contestavam a constituição italiana “fundada sobre o trabalho”, ou seja, sobre a exploração do trabalho. Sim, os novos movimentos contestavam a sociedade disciplinar como um todo e construíram a base da abolição dos hospitais psiquiátricos, das lutas pela democratização das prisões, contra o serviço militar autoritário, pela universalização do acesso horizontal ao ensino superior, pela habitação popular e a gratuidade dos serviços. Essas lutas conquistaram o direito ao divórcio, os direitos das mulheres ao aborto e até as vitórias do Partido Comunista nas municipais de 1975.
Depois, essas lutas foram derrotadas pela espiral dos massacres perpetrados pelo Estado e das respostas armadas que militarizavam o movimento. A repressão desse movimento pela qual optou a esquerda institucional (com o “compromisso histórico”, quer dizer, com a conciliação com o histórico partido de poder, a Democrazia Cristiana) não significou apenas a derrota do movimento: significou a derrota da própria esquerda.
Um ano depois da grande operação política de repressão do dia 7 de abril de 1979, a Fiat demitiu dezenas de milhares de operários e começou a contra-revolução neoliberal que se tornaria hegemônica mundialmente até os dias de hoje. Resultado: a esquerda institucional italiana não existe mais.
Os pobres que todo o dia lutam renovando os princípios éticos, quer dizer, constituintes, dos direitos e do direito entendem muito bem que, para além dos graves erros políticos da década de 1970, na Itália, como no mundo todo, aquele ciclo revolucionário está presente, inclusive e sobretudo nos governos democráticos da América do Sul, nas dinâmicas de radicalização democrática que os atravessam. A decisão do ministro Tarso é uma dessas dinâmicas radicalmente democráticas.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Boal e o mundo

Discurso de Augusto Boal, diretor artístico do Centro de Teatro do Oprimido, para o Fórum Social Mundial 2009.
A mídia costuma publicar só o que é espetacular, sensacional, mesmo que tenha que esconder a verdade. Hoje, fala-se mais da cor da pele de Barack Obama do que do seu projeto político, como ontem falou-se mais dos seios da Carla Bruni do que das idéias direitistas do seu marido Sarkozy.
A mídia tem dono, e reflete as opiniões do seu proprietário: o Fórum Social Mundial não tem dono, e deve refletir as nossas.
Foro, Fórum, significa etimologicamente a praça pública, onde se pode discutir livremente. Este nosso Foro é mundial e deve, portanto, discutir os assuntos do mundo.
Temos que saudar o fim da era Bush e seus parceiros, mas ficar atentos à nova era que começa. Aplaudir os primeiros atos de Barack Obama, mas analisá-los com cuidado. Aplaudir sua decisão de fechar Guantânamo, mas lembrar que isso não basta: é necessário restituir Guantânamo ao seu legítimo dono, que é o povo cubano. Aplaudir a ordem de acabar com a tortura, mas lamentar que os torturadores não sejam punidos por esse crime de lesa-humanidade e continuem nos seus postos de comando. Aplaudir o desejo do novo presidente em dialogar com todos os países, mas explicar que não queremos, como ele promete ou ameaça, não queremos ver o seu país liderando o mundo - essa tarefa não compete nem aos Estados Unidos nem ao Paraguai, mas sim à Organização das Nações Unidas que para isso foi criada e tantas vezes tem sido desrespeitada pelo país de Barack Obama.
O Fórum é social, e temos que falar do genocídio dos palestinos. Temos que separar, de um lado, o cruel governo de Israel e, de outro, as centenas de milhares de judeus que com ele não concordam. Não devemos cometer a injustiça que se fez com os alemães, pensando que todos fossem nazistas, quando muitos morreram lutando contra Hitler e seus asseclas.
Milhares de judeus, dentro e fora de Israel, condenam e se envergonham do que fez e faz o seu governo, que representa tão somente aqueles que o elegeram, mas não o judaísmo. Dentro de Israel existem organizações como a dos Combatentes Pela Paz, de Chen Allon, que condenam a invasão e denunciam seus crimes. Tenho orgulho em dizer que, para isso, usam o Teatro do Oprimido entre outras formas de combate.
No Oriente Médio já se inverteu a distribuição de papéis: se, ontem, Israel foi o pequenino David, hoje é o gigante Golias, filisteu. O novo Golias, apoiado pelos Estados Unidos, em 22 dias matou mais de 300 crianças e centenas de mulheres e homens, civis ou combatentes. Eu chorei vendo a fotografia de um menino, um pequenino David palestino, jogando pedras contra um tanque de guerra. Se a lenda de David e Golias, ontem, foi apenas lenda, a história de Golias e David, hoje, é triste realidade: os 1.300 mortos ainda estão sendo retirados dos escombros, sem as solenes pompas fúnebres dos 13 soldados israelenses. O Fórum e o mundo não podem esquecer esse crime antes mesmo que sejam enterradas suas vítimas.
Nosso Fórum é pluralista, e deve se manifestar contra o colonialismo italiano que ofende a nossa soberania, que tenta interferir nas decisões da nossa Justiça, como está sendo o caso da concessão de asilo a Cesare Battisti. Existe uma lei brasileira que proíbe a extradição de pessoas condenadas em seus países à pena de morte ou à prisão perpétua. É este o caso, é esta a lei! O ministro Tarso Genro apenas cumpriu a lei – a lei brasileira. O presidente Lula foi claro explicando aos italianos as sólidas bases da nossa decisão, mas parece que eles não entenderam, nem disso são capazes. Por quê?
A Itália, que foi o berço do fascismo e deveria ser também a sua sepultura, mostra agora que a ideologia colonialista ainda está viva e pretende anular decisões soberanas do Brasil, invadindo o nosso Judiciário e querendo nos ensinar a diplomacia da obediência e da submissão. Temos que repudiar essa ofensa e libertar o prisioneiro!
Nosso Fórum é social, e a economia também. A maioria dos países que estão em crise, ou dela se aproximam, sempre disse não ter dinheiro para melhorar a Educação, a Saúde, a Previdência Social. De repente, para socorrer seguradoras, bancos e montadoras, esses governos descobriram que tinham bilhões e trilhões de dólares, euros, iens e libras. Nosso Fórum tem a obrigação moral de interrogar os senhores da Davos: de onde veio esse dinheiro? Quem os escondia? Quanto sobrou? Onde estão?
O nosso Fórum Social também é brasileiro e é camponês: devemos saudar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, que é o mais democrático e bem organizado movimento de massas que o Brasil já teve, e que completa agora 25 anos de luta pela terra, luta que continua.
O Fórum Social Mundial não é daqueles que dizem Hay Gobierno? Soy Contra, e, porque assim não é, deve se alegrar em receber tantos presidentes de tantas Repúblicas sulamericanas juntos neste evento: Evo, Correa, Kirchner, Chavez, Lugo e Lula. Nunca se viu fraternidade igual. Queremos agora ver os resultados concretos dessa irmandade.
Devemos, muito cordialmente, lembrar aos nossos presidentes que a Política não é a arte de fazer o que é possível fazer, mas sim a arte de tornar possível o que é necessário fazer!
Caminhar não é fácil! As sociedades se movem pelo confronto de forças, não pelo bom senso e justiça. Temos que avançar e, a cada avanço, avançar mais, na tentativa de humanizar a Humanidade. Não existe porto seguro neste mundo, porque todos os portos estão em alto mar e o nosso navio tem leme, não tem âncoras. Navegar é preciso, e viver ainda mais preciso é, porque navegar é viver, viver é navegar!
Eu sou homem de teatro e não posso deixar de falar de Arte e Cultura quando falo de Política, porque a Política é uma Arte que a Cultura produz.
Temo que, mesmo entre nós, muita gente ainda pense em arte como adorno, e nós dizemos: não é! A Palavra não é absoluta, Som não é ruído, e as Imagens falam. São esses os três caminhos reais da Estética para o entendimento: a palavra, o som e a imagem. São também os canais de dominação, pois estão os três nas mãos dos opressores, não dos oprimidos: a Palavra dos jornais, o Som das rádios, as Imagens da TV e do cinema estadunidense, dominam nossos meios de comunicação e invadem nossos cérebros com seu pensamente único, seus projetos imperiais e suas mercadorias.
Acabou-se o tempo da inocência... o tempo da contemplação já não é mais. Temos que agir!
Palavra, imagem e som, que hoje são canais de opressão, devem ser conquistados pelos oprimidos como formas de libertação. Não basta consumir Cultura: é necessário produzi-la. Não basta gozar arte: necessário é ser artista! Não basta produzir idéias: necessário é transformá-las em atos sociais, concretos e continuados.
A Estética é um instrumento de libertação.
Eu felicito o nosso Ministério da Cultura pela criação de mais de mil Pontos de Cultura no Brasil inteiro, onde o povo tem acesso não só à Cultura alheia, mas aos meios de produzir sua própria Cultura sem servilismos, sua Arte sem modismos, porque entendemos que Arte e Cultura são formas de combate tão importantes como a ocupação de terras improdutivas e a organização política solidária.
Sonho com o dia em que no Brasil inteiro, e no inteiro mundo, haverá em cada cidade, em cada povoado ou vilarejo, um Ponto de Cultura onde a cidadania possa criar e se expressar pela arte, a fim de compreender melhor a realidade que deve transformar. Nesse dia, finalmente, terá nascido a Democracia que, hoje, só existe em Fóruns como este!
Ser cidadão, meus companheiros, não é viver em sociedade: é transformar a sociedade em que se vive!
Com a cabeça nas alturas, os pés no chão, e mãos à obra!
Muito obrigado.

Imagem do Dia

Essa é uma das matérias da capa do jornal O Dia de hoje. Diz o texto: "Para evitar que os 59 alunos do Jardim Escola Rosa de Sarom deixem de freqüentar as aulas, a proprietária do colégio, Terezinha Narciso de Oliveira, improvisou um meio de transporte inusitado. “Forro o fundo de um carrinho de mão e levo as crianças com segurança até as mães, na esquina”, explicou Terezinha. A escola tem alunos com idades de 3 a 6 anos, que não conseguem caminhar pelo lamaçal da Rua Aurora Monsanto."

Pesquisa CNT/Sensus: se a crise continuar, Lula chega aos 100%...

Está todo mundo impressionado com os recordes de popularidade de Lula e de seu governo apesar da crise mundial. A oposição faz tudo para transformar Lula no culpado de tudo, sem êxito. Esssa primeira página do Globo de hoje é exemplo disso. A foto do evento em que Lula anuncia a construção de 500 mil casas populares serviu apenas para tentar associá-lo à queda na indústria. Mas não tem jeito, com crise ou sem crise Lula está em alta. Há dois meses atrás, na postagem César Maia demonstrou, ontem, porque Lula bateu recorde de aprovação no Datafolha de hoje, citei uma pesquisa do Instituto GPP no Rio onde foi feita a seguinte pergunta:
Com essa crise e perspectiva de aumento da inflação e desemprego, você acha melhor – votar num candidato do Governo Federal, votar num candidato da Oposição, ou não sabe o que dizer?
O resultado foi:
* Votar num candidato do Governo Federal – 40,5%
* Votar num candidato da Oposição – 32,3%
* Não sabe – 27,2%.
E continuei:
A conclusão é óbvia. Os governos anteriores ao de Lula estão todos associados a “oposição”. E todos estão associados também a péssimas administrações, desde Sarney até Fernando Henrique. Assim, diante da necessidade de se escolher um governo com capacidade de enfrentar os problemas gerados pela crise internacional, qual a opção lógica: governos associados ao fracasso ou um governo que está fazendo tudo certo até agora? (...) Lamento informar, mas o Governo Lula é a resposta natural. E nessa pesquisa do GPP a Oposição só teve índice tão alto porque o povo sabe que Lula não é candidato – mas já deixa claro que prefere um candidato indicado por ele.
Hoje, a situação continua igual (a diferença é que Dilma subiu e Serra caiu), e Ricardo Guedes, responsável pela nova pesquisa CNT/Sensus que dá 84% de aprovação a Lula, praticamente repete isso:
— O povo acredita em Lula e nas medidas do governo contra a crise. O cidadão percebe o desemprego, mas acredita que as medidas vão funcionar.
Está difícil, Oposição, cada vez mais difícil...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Lula, Temer e Sarney: fizeram barba, cabelo e o bigode

O que aconteceu no Senado e na Câmara foi exatamente o esperado. O PMDB mostrou sua força para decidir 2010 e Lula também mostrou a sua. Ninguém em sã consciência poderia imaginar que Lula, a essa altura do campeonato, apostaria em uma candidatura petista que serviria principalmente para inviabilizar a aliança com o PMDB em 2010. A vitória de Sarney para Presidente do Senado não poderia ser melhor para o projeto Dilma 2010. Da mesma forma, Michel Temer como Presidente da Câmara ajuda a neutralizar a "tendência" oposicionista do PMDB paulista, ao mesmo tempo que agrada o peemedebista meio lá meio cá Geddel Vieira Lima. Barba, cabelo e bigode - nada mais apropriado para a vitória dos três.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Vivendo da guerra

A guerra, em primeiro lugar, traz morte, destruição, dor, trizteza, tudo isso. Mas muita gente acaba ganhando novo sentido (e dinheiro) na vida, graças à guerra (sem falar, claro, da grande indústria armamentista, dos senhores das guerras). A reportagem que a Folha trouxe nesse domingo, feita por Raphael Gomide, seu enviado especial à Faixa de Gaza, dá uma luz sobre o dia-a-dia dos túneis palestinos de ligação com o Egito. Vejam como é impressionante:
Bloqueio a Gaza faz de túneis negócio rentável e canal vital
O ar é pesado, faz calor, e a respiração, difícil, tem gosto de terra. Não é preciso ser claustrofóbico para se sentir desconfortável dez metros abaixo do solo, ainda mais sob as precárias estruturas de madeira que escoram a terra em um dos 1.800 túneis subterrâneos que ligam a faixa de Gaza ao Egito. Não é reconfortante saber que se está dentro de um alvo potencial de aviões israelenses.
Os túneis cresceram como alternativa ao rígido bloqueio econômico imposto por Israel à faixa de Gaza, após o movimento extremista islâmico Hamas, que havia vencido as eleições legislativas do ano anterior, romper com o Fatah e assumir o controle, em junho de 2007. Hoje, as importações ilegais do Egito têm papel vital na arruinada economia local.
Como as fronteiras estão totalmente fechadas, quase todos os produtos são contrabandeados pelos túneis: comida, roupas, celulares, cigarros, motos e combustível -perigosamente armazenado em casa, em tinas e galões. Até animais entram em Gaza por baixo da terra.
A Folha entrou em uma dessas passagens. Para descer os 10 metros até o túnel propriamente dito, senta-se numa cadeirinha improvisada com ripas de madeira presas a cordas, atreladas a um gancho. Um cabo de aço passa por uma roldana até o "carretel". É esse motor que solta o cabo até embaixo, trazendo para cima e para baixo pessoas e mercadorias.
Dentro, é preciso quase engatinhar, as mãos no chão de terra, ultrapassando galões e sacos de produtos, sob a luz de esparsas lâmpadas ligadas a fios presos às paredes de contenção de madeira. Três rapazes, descalços, guiam o repórter com lanternas. Escondem o rosto, mas posam para fotos, e um exibe os bíceps trabalhados na academia subterrânea, a face coberta pela camiseta, qual um Hulk sem cabeça.
O túnel foi um dos afetados pelo bombardeio israelense da última quarta. Com britadeiras manuais e pás, tentavam desbloqueá-lo. O caminho subterrâneo ficou obstruído por um deslizamento de terra após cerca de 40 metros. Não fosse isso, seria possível chegar ao Egito por baixo do posto de fronteira em 30 minutos -para entrar oficialmente, são 5h30. Trata-se de um empreendimento irregular, mas amplamente tolerado. Em Gaza, as entradas ficam às claras, formando uma extensa fila de ostensivas tendas de plástico, com intervalos de 20 ou 30 metros e buracos que parecem poços artesianos expostos.
Fica evidente que, se o Egito quisesse, fecharia as bocas do seu lado, interrompendo o fluxo -que hoje o beneficia. Israel, que acusa o Hamas de contrabandear armas pelos túneis, poderia destruir todos com poucos ataques, mas, durante a guerra, estima-se que apenas 300 ou 400 dos cerca de 1.800 buracos tenham sido atingidos por bombas.
A área onde foram construídos era residencial. Com o bloqueio e a proliferação do negócio dos túneis, quarteirões foram demolidos e deram lugar aos buracos. "As pessoas venderam as joias de suas mulheres para investir como sócios neste negócio", conta o homem que se identifica como Abu Jihad, 31, sócio de um túnel construído há seis meses. À distância, sente-se o odor da gasolina que sobe por mangueiras até caminhões-tanques ou caixas-d'água de 3.000 litros presas a caçambas.
O dono do terreno recebe participação do operador. Os funcionários -de 10 a 20 por túnel- recebem de US$ 30 a US$ 50 dólares por dia. Um quilo de carga, independentemente do conteúdo, custa US$ 1. Assim, cem quilos de banana, cigarros ou telefones custam o mesmo. Passam de duas a três toneladas de produtos diariamente por túnel. A maioria nega transportar armamentos, embora um atravessador no Egito tenha dito à Folha que leva fuzis para a faixa de Gaza.
Os contrabandistas circulam com desenvoltura, sentam para almoçar ou conversar do lado de fora, sem serem importunados por fiscalização, numa linha de "trincheiras" com terra revirada, a 100 metros do muro da fronteira com o Egito.
Guaritas de militares egípcios têm vista privilegiada dos buracos. Na guerra, antecipavam bombardeios israelenses aos donos de túneis. Segundo comerciantes, o contrabando chega a quadruplicar os preços. Os 1,5 milhão de moradores de Gaza paga a conta. O Hamas cobra uma taxa anual dos donos das bocas, de US$ 4.000. "Se Israel abre as fronteiras, acabam os túneis", diz Ibrahim Dia, dono de sapataria.