domingo, 27 de fevereiro de 2011

Samba da Cirrose


Comprei um mini digitalizador de fitas K-7 e fiz a festa aqui em casa. Jingles antigos, entrevistas, pesquisas, músicas – sempre que posso, estou no clima de digitalização de K-7.
Descobri uma música que o Cláudio Baltar me enviou, há mais de 20 anos. Na época, ele era meu concunhado e morava em Paris. Ele e uns amigos pegaram um de meus poemas, “Cirrose”, e musicaram. Chegaram a apresentar em emissoras de rádio da Europa (França? Holanda?). Achei que eles foram ousados em pôr música (usaram uma das etapas do poema como letra) nesse poema nada palatável. Mas adorei ouvir de novo. De ontem pra hoje, mostrei a várias pessoas.
O poema eu levei um ano e meio para concluir (comecei no Rio, continuei em Nova York e Colchester e terminei no Rio), apresenta a cirrose a partir de imagem, cor, som e texto, incluindo aí uma evolução de consoantes oclusivas surdas até vibrantes. Teve uma apresentação única com projeção de slides, efeitos sonoros e com declamação (?) de um grupo de estudantes de teatro do Rio (inclusive minha irmã, Carmem Gadelha). Lembro também que certa vez em “excursão poética” a Campos, em companhia do Affonso Romano de Sant'Anna, da Marina Colasanti e de Angela Melim, apresentei em uma faculdade e um professor pediu cópia para mostrar em suas aulas de microbiologia. Foi iniciado a partir da frase “a rosa com cirrose”, da música de Vinícius de Moraes. Faz parte do meu livro Onomatopoemas. Tentei pôr um visual na música que o Cláudio enviou, para o nosso domingo.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Stefan Meining: o mundo ocidental financiou ditaduras do Oriente Médio


Em entrevista publicada hoje no Globo, Stefan Meining, historiador que descobriu ligação entre grupos radicais islâmicos e o regime de Adolf Hitler, afirma que foi desatado um nó no mundo árabe-muçulmano, desencadeando uma onda de movimentos libertadores. Para o historiador, uma das principais causas do atraso da chegada da democracia ao mundo árabe foi o apoio que os regimes locais tiveram por décadas dos EUA e da Europa.

O GLOBO: As organizações muçulmanas na Europa influenciaram de alguma forma a onda libertadora do mundo árabe?
STEFAN MEINING: Não diretamente. Certamente o contato intenso com elas influenciou para que o povo passasse a exigir mais. A onda de protestos começou como um nó que foi desatado. Por trás disso, está também a explosão demográfica, o aumento da população jovem, conectada com o resto do mundo mas sem perspectiva de progresso material.
O GLOBO: Até que ponto o Ocidente foi responsável pela falta de democracia na região?
MEINING: Os EUA e a Europa financiaram as ditaduras para que fossem suas aliadas contra a União Soviética na Guerra Fria. Elas contaram com o fornecimento de armas e a importação de produtos como o petróleo. Esses regimes eram garantidos pelos militares, o que, para o Ocidente, seria garantia de estabilidade.
O GLOBO: Os grupos de oposição estão preparados para assumir o poder nos países onde o regime caiu?
MEINING: Não. À exceção da Irmandade Muçulmana, a oposição está muito desorganizada. Mas não vejo um grande perigo de surgimento de um regime religioso. Os jovens da classe média, de nível educacional mais alto, não aceitarão ir de uma ditadura para outra.
O GLOBO: Haverá mesmo democracia?
MEINING: O movimento de libertação é fascinante e tem força. Mas cada país tem forças e grupos diferentes. Em alguns, como a Líbia, não existe oposição organizada. A democracia virá gradualmente.
Leia também postagem abaixo.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Obama e a crise árabe: perdendo-se em miragens


Não tem herança maldita pior do que essa política para o Oriente Médio que Obama herdou de Bush. Desde a invasão do Iraque, a presença americana na região torna-se cada vez mais mal vista e tudo aponta para um terreno extremamente árido. Os Estados Unidos tentavam manter posição estreitando as relações com tradicionais aliados, como Egito, Arábia Saudita, Jordânia e outros – países dispostos a dialogar com Israel e que poderiam ajudar a isolar o “demoníaco” Irã. Obama ainda tentou acariciar o povo palestino na sua luta contra Israel. Chegou a apertar a mão do “monstruoso” Kadafi. E talvez tenha sonhado com o distanciamento entre Síria e Irã. Nada deu certo. O Oriente Médio, apesar de todos seus conflitos internos, inclusive religiosos, parece ter mais afinidade (e interesses) com Ahmadinejad do que com qualquer presidente americano. E as ações radicais (como a rejeição do acordo nuclear patrocinado por Brasil e Turquia) de Obama, pressionado pelo seu eleitorado judeu, só fizeram piorar a situação. Quando ele vivia a situação de que pior não poderia ficar, veio o pior, vieram os ventos “democratizantes” levando para mais distante a influência americana.
Os Estados Unidos passaram a percorrer um deserto sem camelo. Não poderiam ir contra os revoltosos, sob risco de perderem os votos progressistas internos e o papel de paladino do “mundo livre”. Mas não poderiam se esforçar pela queda de dirigentes palatáveis no Egito, Bahrein, Iêmen, etc. A mídia e a Administração Obama, como analisa o Foreign Policy (Obama Is Helping Iran), chegaram a pensar que “a onda de revolta popular que derruba um após o outro os aliados dos Estados Unidos acabaria por derrubar a República Islâmica do Irã e talvez o governo sírio de Assad – mas isso foi apenas o triunfo do pensamento sonhador (wishful thinking) sobre o pensamento analítico (thoughtful analysis)”. O bilionário George Soros arriscou calcular que o regime iraniano não duraria nem mesmo um ano. Apenas miragem. As pesquisas de opinião mostram que os principais líderes na resistência aos Estados Unidos (Mahmoud Ahmadinejad, do Irã, Bashar Assad, da Síria, Hassan Nasrallah, do Hesbolá libanês, Khaled Mishaal, do Hamas palestino e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia) são imensamente mais populares do que os aliados americanos. Contra todas as preces de Obama, o Irã de Ahmadinejad está cada vez mais forte e ganhando trânsito mais livre com as “revoltas democráticas” – a travessia de seus navios de guerra pelo Canal de Suez é um bom exemplo disso. Mesmo a queda de Kadafi, o “mal absoluto” nos olhos do mundo ocidental, pode ser prejudicial aos propósitos americanos. Apesar dos pesares, ele sempre manteve elos com a Europa e bastante autonomia com relação aos outros países da região, chega a ser inimigo declarado da Al-Qaeda de Osama Bin Laden. Com a possível vitória dos revoltosos da Líbia, os Estados Unidos podem ficar a pão e água (ou nem isso...). Estão perdidos nesse deserto, vivendo o drama de “se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come” - e esse bicho se chama Ahmadinejad. Todos nós, de todos os mundos, esperamos que logo, logo, surja um oásis de verdade.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crise árabe: um deserto de ideias


O que me parecia quase impossível tornou-se possível rapidamente. Mubarak saiu – o que fez reduzir a pressão na Praça Tahrir. Ainda não dá para prever exatamente o que vai acontecer no Egito, muito menos no resto do mundo árabe revolto. Estão todos sem saber o que dizer ou fazer e eu diria que o pessoal da Hillary consegue estar mais perdido do que o Blog do Gadelha. Isso vale também para a Europa, China, Israel, Irã e até para a Liga Árabe. Certo faz o Itamaraty que mal abre a boca, prefere olhar pro outro lado. Talvez o único que aparentemente não tem dúvidas sobre o que falar é Kadafi, que resolveu responder com chumbo. “Vocês querem briga? Então toma!”
Mas a Líbia é outra história. Formou-se através dos séculos a partir de ocupações estrangeiras. O nome é de origem grega, e também foi assentamento de fenícios, romanos e turcos. Foi povoada por tribos de nômades berberes e fez parte do Império Otomano. Em 1911, virou conquista da Itália, que usou e abusou do seu território durante a Segunda Guerra. Com a paz, o território foi colocado sob administração franco-britânica. Em 1951, tornou-se a segunda colônia africana, depois da África do Sul, a obter a “independência”, com a monarquia constitucional do Rei Idris I, líder do grupo religioso Senousi. O novo país, então entre os mais pobres do mundo, passou a depender da ajuda financeira dos EUA e da Inglaterra, que instalaram bases militares em  seu território. A descoberta do petróleo ocorreu no final dos anos 50 e, já em 1959, todas as principais empresas petrolíferas atuavam no país. Em 1968, a Líbia era o segundo maior produtor de petróleo no mundo árabe, atrás apenas da Arábia Saudita. Quando Kadafi tomou o poder em 1969, a Líbia tinha algo como 98% de analfabetos e uns 90% da população vivendo em tendas. O dinheiro do petróleo foi amplamente usado para conquistas sociais. Hoje (ano 2000), o analfabetismo está em 20,2%. Seu Índice de Desenvolvimento Humano-IDH (índice de 2010: 0,755) é considerado alto, ocupa o 53º lugar, à frente de países como Arábia Saudita (55%), Rússia (65%), Brasil (73%), Egito (101%), África do Sul (110%) ou Índia (119%). O povo é fundamentalmente muçulmano (sunitas, 97%) e o controle político de Kadafi é quase absoluto. Os Estados Unidos em outras épocas certamente estariam jogando tudo para derrubar Kadafi, mas hoje não devem estar tão certos de que isso seria bom para seus interesses. Se a guerra civil se ampliar e Kadafi cair, provavelmente nada mais terá controle. O deserto não vai virar mar, mas o mar pode virar deserto.

Serra reage a Aécio

Serra andava mal na mídia, desde sua derrota para Dilma. Só aparecia em notícia negativa - entrando em choque com a bancada tucana... batendo de frente com Sérgio Guerra na disputa pela presidência do PSDB... desentendendo-se em São Paulo... Enquanto as penas tucanas de Serra voavam, o tucano Aécio voava em céu de brigadeiro. Aproveitava o poleiro no Senado para dar suas bicadas anti-Dilma e posicionar-se como candidato natural oposicionista na próxima disputa presidencial. Serra, que já aprendeu que no perigoso espaço aéreo tucano urubu voa de costas, tratou de reagir e publicou uma reportagem-entrevista hoje no Globo. Ataca os governos de Lula e Dilma (como sempre fez), nega disputa interna no PSDB, nega que seja candidato a Prefeito ou Governador de São Paulo, desconversa sobre 2014, autoelogia-se e busca, com tudo isso, garantir-se como principal líder da Oposição e candidato natural à sucessão de Dilma. Claro que ele nega tudo, como sempre fez, mas essa é a única verdade de sua entrevista. Aguardamos o voo-resposta de Aécio.
Parte da entrevista no Globo Online.
Entrevista na íntegra para assinantes.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Faça a Coisa Certa: Fight the Power

Aproveitando esse clima quente, bem brasileiro, e o clima mais quente ainda que toma conta do mundo árabe, domingo (de muito trabalho, acreditem!) com a abertura do excelente "Faça a coisa certa", de Spike Lee, com Rosie Perez dançando "Fight the Power" do Public Enemy.
 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Mubarak sem Mubarak: isso que Obama quer para o Egito é praticamente impossível


Mubarak deu uma chance única a Obama de ajudar na crise egípcia. Bastava convencer a multidão enfurecida de que a chamada “transição ordeira para a democracia”, mesmo com Mubarak no poder, seria viável. O povo disse não. Aí, a equipe Clinton tentou uma jogada de última hora: deixar tudo como está, sem que Mubarak marcasse presença no governo – ou seja, renunciasse. Dessa vez quem disse não foi Mubarak. Ele percebeu que essa fórmula teria efeito dominó: todos que estão no poder perderiam o poder, o caos absoluto se instalaria e só Deus (ou Alá) sabe o que aconteceria – principalmente na relação com Israel.
A equipe Clinton tem que entender que Mubarak detém o poder absoluto, inclusive sobre as forças armadas. O “bom-mocismo” americano é necessário para todos os públicos, mas não vai funcionar para os moços da Praça Tahrir. O New York Times de hoje reconhece que ou Obama rompe pra valer com Mubarak ou mantém-se firme na tese da “transição ordeira” que, aparentemente, não é mais viável. O NYT também diz uma coisa engraçada, que alguns revoltosos estão se sentindo traídos por Obama, que estaria colocando os interesses estratégicos à frente dos valores democráticos!!! Alguma vez isso foi diferente? Em que país? Em que época? Em que planeta? Os Estados Unidos estão num deserto sem camelo e foram eles os únicos culpados. Paparicaram a ditadura Mubarak durante décadas e agora não podem ficar sem ela. Se Mubarak sai, os Estados Unidos possivelmente também terão que sair. Mubarak sem Mubarak, pelo jeito, não existe.

Logomarca Dilma: o mesmo conceito, sem o colorido de Lula



Lula: “Brasil, um país de todos”. Dilma: “Brasil, país rico é país sem pobreza”. Fundamentalmente, querem dizer a mesma coisa, que a luta principal é combater a desigualdade, que a justiça social vem em primeiro lugar. O slogan de Dilma vai direto ao assunto, enquanto o de Lula é mais genérico – e não poderia ser de outra forma. Se Lula fosse explícito assim, a mídia ia cair de pau, a classe média conservadora ia entrar em polvorosa, a Bolsa ia cair, o dólar ia explodir, o risco-Brasil chegaria ao ponto de “não arrisco um centavo”. Lula precisava acalmar os ânimos, passar a mão na cabeça e deixar claro que tirar o povo da miséria não significava ser contra a classe média (muito ao contrário) ou extinguir o mercado financeiro. Deu certo. Por mais que a mídia tenha tentado o contrário, Lula demonstrou que não era o bicho-papão que estavam apregoando.
Dilma, apesar das escaramuças da campanha eleitoral, pôde assumir sem medo de ser feliz. É de classe média, demonstrou que sabe administrar e Lula não é mais bicho-papão. O seu slogan, que deve ser a síntese do seu governo, pode deixar bem claro a que veio: lutar contra a erradicação da miséria, representar justiça social. Graças ao desempenho de Lula, isso já pode ser dito com todas as letras, sem assustar ninguém. Infelizmente, sua logomarca não tem o mesmo colorido da logomarca de Lula, ficou mais pobre. Mas a bandeira nacional no centro do “A” da palavra “Brasil” é a marca da continuidade.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Um camelo pelas ruas egípcias: poema

Minha indignação também percorreu as imagens que vêm do Egito e fiz esse poema.


Carnaval brasileiro e desemprego americano, 50 anos atrás: quem te viu, quem te revê

A coluna “Há 50 anos” do Globo de hoje reproduz duas notícias absolutamente surpreendentes para nossos dias. Uma é sobre o nosso Carnaval, com proibições e permissões divertidíssimas. Texto original:
O Delegado Lafaiete Stockler, da Delegacia de Costumes e Diversões, disse a O GLOBO que o policiamento durante o carnaval será intensificado e que não será permitido, de forma alguma, o uso de fantasias consideradas amorais, indecorosas, tais como biquínis e estilizações deturpadoras. O uso de lança-perfume e bebidas alcoólicas não será permitido em bailes infantis. “Nos bailes para adultos, o lança-perfume foi permitido. No entanto, aquêles que o utilizarem para fins indevidos serão rigorosamente punidos”, esclareceu.
A outra notícia é sobre o desemprego nos Estados Unidos. O surpreendente aqui é que o texto poderia ser escrito hoje quase na íntegra:
Ante a notícia sôbre o incessante aumento do número de desempregados nos Estados Unidos, o presidente Kennedy determinou uma série de inspeções urgentes. Fontes bem informadas afirmam que a crise de desemprego atual é a mais violenta dos últimos vinte anos. O Departamento do Trabalho adicionou mais 48 zonas à sua lista de 76 comunidades industriais importantes, em que o desemprêgo atingiu 6% de tôda a mão-de-obra disponível.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O pisca-pisca da diplomacia


Linha dura não combina com diplomacia. Ou melhor, parecer inflexível faz parte do jogo – mas o nome do jogo será sempre flexibilidade. Estamos vendo isso agora, na questão da superdesvalorizada moeda chinesa. O país dos olhinhos fechados durante meses e meses fez vista grossa para os apelos mundiais pela valorização do yuan. Os Estados Unidos espernearam, a Europa idem, todo mundo protestava, mas a China insistia em fazer ouvidos de mercador. Estava certa. Precisava conquistar mercados e fortalecer o mercado interno. Mas é claro que isso teria um fim. Em primeiro lugar, a mobilização americana passou a ser mais eficiente, conquistando (ou reconquistando) aliados na empreitada contra o yuan fraco. Depois vieram aliados de peso (como o Brasil, dialogando no momento com o Secretário de Tesouro americano) que começaram a dar o troco. E por último – mas obviamente não menos importante – a esperada alta da inflação chinesa – 5,1% em novembro e 4,6 % em dezembro, bem acima dos índices esperados e exigindo maior controle. Resultado foi que ontem, pela terceira vez desde outubro, a China aumentou a taxa de juros.
É importante notar que a China não quer fechar os olhos para suas relações políticas e comerciais com o Brasil, aliado e uma de suas principais fontes de commodities. Ontem mesmo a imprensa chinesa falava sobre o crescimento a olhos vistos das importações de produtos brasileiros na poderosa província de Guangdong, que em 2010 chegou a 11,8%. O crescimento das importações de produtos agrícolas brasileiros foi de 20,2%; do minério de ferro, 21,1%; do gado, 17,8%; do algodão, 880%; do açúcar, 79.484%. O Brasil, naturalmente, precisa desse importante comprador, mas precisa também ganhar mais pelo que vende e proteger sua própria indústria contra a invasão de produtos chineses a preços de banana (Falei “banana”? Esquece, o exemplo não é bom). Daí a movimentação brasileira no cenário mundial, denunciando a guerra cambial (incluindo aí os Estados Unidos) e aumentando as taxas sobre a importação de alguns produtos nocivos à nossa produção. O encontro com o Secretário Timothy Geithner e a próxima visita de Obama fazem parte desse jogo de pressão (que pode incluir também no seu menu o ingresso no Conselho de Segurança e a compra dos caças).
Quem vê longe sabe piscar. Sabe piscar na hora de ceder (como começam a fazer os chineses), sabe piscar na hora de flertar. Os próximos a piscar podem ser os franceses.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Meus filhos, sob a perspectiva de Escher

Peguei a família para uma visita a "O Mundo Mágico de Escher", com dezenas de trabalhos originais daquele holandês voador e instalações bem instigantes. A garotada fica encantada. Escher é sempre uma nova perspectiva. Nas fotos, meus dois filhos mais novos. Ele tem mais ou menos 1,87m e ela mais ou menos 1,40m. Ou será que é o inverso?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que passar pela cabeça de qualquer dirigente ocidental a saída de Mubarak



O marqueteiro Republicano Dick Morris lembrou essa semana que nas eleições de 1952 Nixon desacreditou os Democratas (Harry Truman, presidente, e Adlai Stevenson, novo candidato) com a pergunta: “Quem perdeu a China?” A partir disso, ele afirma: “Obama está perdendo o Egito”. E continua: “Se ele permitir que o Egito caia na esfera de influência iraniana, ele pagará por isso em 2012. (...) Se o Egito cair, Obama causará danos permanentes nos interesses vitais americanos”. Seu argumento principal é o de que a Irmandade Muçulmana (principal organização religiosa de oposição egípcia), “um lobo em pele de cordeiro”, é forte aliada do Hamas e que Obama está sendo ingênuo nessa parada toda. Não acho que haja ingenuidade. Mas concordo com a ideia de que o Ocidente está vivendo o drama de quase perder o Egito. E não tem outro jeito – chegou-se a uma situação de ou dá ou desce, e as potências ocidentais terão que dar os dedos para preservar os anéis.
Cesar Maia, no seu Ex-Blog do dia 3, lembra que “a interrupção do trabalho em numerosas unidades de produção, a paralisação do sistema bancário, a censura dos meios de comunicação e tantos outros óbices que tardarão algum tempo para serem normalizados, concorrerão para a quebra do desenvolvimento do país”; que “a inflação, que já chegava a 11% (20% para produtos alimentícios), tenderá a disparar. Isso afeta particularmente as classes menos favorecidas”; que “o Ministro das Finanças (desde 2004) Yussef Boutros Ghali, que havia saneado as finanças públicas, foi demitido”; que “com um crescimento de seu PIB em torno dos 5% nos últimos dois anos, o Egito resistiu bem à crise internacional e pôde empreender importantes reformas que apoiaram o desenvolvimento econômico (...) sem que esse desenvolvimento alcançasse, “senão marginalmente, as classes mais pobres, que permanecem na miséria, sem acesso pleno à educação e à saúde”. Em outras palavras, não há como manter por mais tempo a ditadura de Mubarak. Todo mundo sabe disso. Acontece que todo mundo sabe também que, se está ruim com ele, poderá ficar pior sem ele. E esse todo mundo significa todo mundo mesmo. Todo o mundo ocidental, os emergentes, Israel, os outros países árabes e até mesmo o Irã. Os países “todo-poderosos” sabem que não podem contar com nenhum nome capaz de dar segurança a seus investimentos e que garanta as mamatas de décadas. Israel tem certeza que, sem Mubarak, ganhará um forte inimigo na sua fronteira sudoeste. A China não quer perturbação para seus negócios em área estratégica. Os outros países árabes com ditaduras semelhantes à egípcia querem barrar a importação de ameaças semelhantes. E vou arriscar dizer que até mesmo para o Irã e os muçulmanos de um modo geral a situação não é muito confortável. Não há quem controle facilmente tanta insatisfação, as condições objetivas estão difíceis, a resistência ocidental e israelense seria brutal e as contradições religiosas não são pequenas: 90% dos egípcios são de sunitas, enquanto os iranianos, por exemplo, são 90% de xiitas. É por tudo isso que fica cada vez mais difícil destronar Mubarak. Como ele mesmo diz, sua saída pode representar um caos ainda maior do que esse que assistimos diariamente na TV e na web. Nem todos os camelos e todos os buracos de agulha parecem capazes de alinhavar uma saída que satisfaça a todos.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Escondidinho, na sexta-feira



Durante um tempo, na década de 80, as minhas “nights” de sexta-feira tinham “embalos” bem diferentes da maioria das pesoas. Morava em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, e mal chegava da empresa onde trabalhava (MPM Publicidade) saía de carro novamente. Pegava a Rua Alice, atravessava o túnel Rio Comprido e parava o carro na Rua Barão de Petrópolis, ali na entrada da comunidade do Morro do Escondidinho. Subia e, bem lá no alto, batia na porta de uma companheira de movimento político clandestino. Ela juntava outras pessoas e íamos para um posto de saúde, sempre fechado, onde discutíamos, entre outras coisas, “O Capital”, de Marx.
O tempo passou, durante o Governo Sarney foi consolidado o fim da ditadura, as minhas (poucas) noites de sexta-feira no Escondidinho ficaram na lembrança. Com o domínio do tráfico nas comunidades cariocas, o “capital” passou a ser de outro tipo, a violência armada ditou o ritmo local. Recentemente (no ano passado), indo para uma produtora de vídeo mais ou menos perto dali, em Santa Teresa mesmo, dei de cara com um jovem de granada na cintura e uma pistola na mão. Não aconteceu nada demais, foi um encontro casual. Comentei o fato com o Governador Sérgio Cabral que me deu uma resposta que, de alguma forma, me fez sentir certa esperança no ar. Na madrugada de sábado para domingo, saiu a resposta que estava escondidinha. O Escondidinho e mais 8 comunidades das proximidades foram ocupadas pelas forças policiais do Rio de Janeiro, com participação também da Marinha e da Polícia Rodoviária Federal. Tudo com eficiência e tranquilidade, cumprindo o cronograma de implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Daqui pra frente, os “embalos” do Escondidinho serão mais animados.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Reaproximação Brasil-Estados Unidos: mais uma aula de pragmatismo


Pragmatismo, como já falei aqui, é inerente à política. Muitas vezes as pessoas estranham e chegam a “acusar” um político de pragmatismo – na verdade, seria um elogio. Deixar de ser pragmático é que seria absurdo, acabaria com a política, acabaríamos no puro dogmatismo. Pragmatismo é a troca entre políticos, visando avançar na política que cada um defende. É aquele passo atrás (ou ao lado) que se dá para poder dar dois passos à frente. O que não podemos é confundir “pragmatismo” com “metamorfismo”, quando se deixa de ser uma coisa para transformar-se em outra inteiramente diferente. Na política externa é mais fácil compreender – e até apoiar – o pragmatismo, porque (quase) todos entendemos que, desde que seja para defender os interesses do Brasil, podemos ceder aqui ou acolá para ganharmos mais adiante. E o nosso Itamaraty tem dado um show de competência nesse item. Agora mesmo estamos assistindo a mais uma demonstração disso.
O que mais se diz por aí é que há um choque entre a política externa de Dilma e a de Lula – o que me parece uma grande bobagem. Entre os vários argumentos estaria uma reaproximação Brasil-Estados Unidos, que seria impossível no Governo Lula. Quero lembrar que no dia 4 de janeiro postei aqui (“En garde: o Governo Dilma entra em campo para vencer”) que “Estados Unidos e Europa, envolvidos até a alma com a crise iniciada em 2008, tendem a se tornar cada vez mais agressivos internacionalmente, em busca de saídas para a estagnação e o desemprego. É necessário que o Itamaraty saiba neutralizar a fúria dos desenvolvidos. Deve buscar entre eles aliados e parcerias, sem que isso signifique conter os avanços e a opção preferencial que fizemos junto à América Latina, África, Oriente Médio e a outros países emergentes”. Certamente essa reaproximação teve início ainda no Governo Lula, sem que isso pudesse ser revelado (nem mesmo pelo Wikileaks...). Não podemos sobreviver à guerra cambial que está em curso enfrentando simultaneamente os maiores interessados nela, Estados Unidos/Europa e China. Não podemos manter uma política externa independente, se ampliarmos a dependência de commodities para a China e ainda termos de suportar a enxurrada de seus produtos prejudicando nossa indústria (não tem por que sairmos dos braços de um para simplesmente cairmos nos braços de outro...). Até agora estamos nos saindo bem, mas temos que pensar no futuro. Por tudo isso, é muito bom ver a notícia que saiu no Bloomberg ontem revelando que Brasil e Estados Unidos pretendem se aliar no combate à desvalorização artificial da moeda chinesa (“Brazil Will Work With Obama to Counter Rising China Imports, Official Says”). Da mesma forma, foi bom o adiamento da compra dos caças (como fez Lula), porque os franceses estavam agindo como “taken for granted” (ou “pris pour acquis”...). Não custa nada uma boa rediscussão, deixarmos evidente que nossa soberania é inegociável. A política externa estabelecida no Governo Lula permite, hoje, nos reaproximarmos dos Estados Unidos sem que isso signifique baixar a cabeça e tirar o sapato, como se fazia antes, nem signifique animosidade com China e outros parceiros novos. O importante é deixar claro que esse tom de voz afinado com os Estados Unidos não vai desafinar em defesa de nossos interesses geopolíticos. Nossas riquezas amazônicas e o pré-sal são intocáveis. Nossa política de apoio à América Latina e à África, a todos os povos em desenvolvimento, não vai esmorecer. Nossa altivez não está em jogo. Continuaremos altivo e ativos, como disse Celso Amorim. Sem que isso signifique deixar de lado o pragmatismo.