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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
O pisca-pisca da diplomacia
Linha dura não combina com diplomacia. Ou melhor, parecer inflexível faz parte do jogo – mas o nome do jogo será sempre flexibilidade. Estamos vendo isso agora, na questão da superdesvalorizada moeda chinesa. O país dos olhinhos fechados durante meses e meses fez vista grossa para os apelos mundiais pela valorização do yuan. Os Estados Unidos espernearam, a Europa idem, todo mundo protestava, mas a China insistia em fazer ouvidos de mercador. Estava certa. Precisava conquistar mercados e fortalecer o mercado interno. Mas é claro que isso teria um fim. Em primeiro lugar, a mobilização americana passou a ser mais eficiente, conquistando (ou reconquistando) aliados na empreitada contra o yuan fraco. Depois vieram aliados de peso (como o Brasil, dialogando no momento com o Secretário de Tesouro americano) que começaram a dar o troco. E por último – mas obviamente não menos importante – a esperada alta da inflação chinesa – 5,1% em novembro e 4,6 % em dezembro, bem acima dos índices esperados e exigindo maior controle. Resultado foi que ontem, pela terceira vez desde outubro, a China aumentou a taxa de juros.
É importante notar que a China não quer fechar os olhos para suas relações políticas e comerciais com o Brasil, aliado e uma de suas principais fontes de commodities. Ontem mesmo a imprensa chinesa falava sobre o crescimento a olhos vistos das importações de produtos brasileiros na poderosa província de Guangdong, que em 2010 chegou a 11,8%. O crescimento das importações de produtos agrícolas brasileiros foi de 20,2%; do minério de ferro, 21,1%; do gado, 17,8%; do algodão, 880%; do açúcar, 79.484%. O Brasil, naturalmente, precisa desse importante comprador, mas precisa também ganhar mais pelo que vende e proteger sua própria indústria contra a invasão de produtos chineses a preços de banana (Falei “banana”? Esquece, o exemplo não é bom). Daí a movimentação brasileira no cenário mundial, denunciando a guerra cambial (incluindo aí os Estados Unidos) e aumentando as taxas sobre a importação de alguns produtos nocivos à nossa produção. O encontro com o Secretário Timothy Geithner e a próxima visita de Obama fazem parte desse jogo de pressão (que pode incluir também no seu menu o ingresso no Conselho de Segurança e a compra dos caças).
Quem vê longe sabe piscar. Sabe piscar na hora de ceder (como começam a fazer os chineses), sabe piscar na hora de flertar. Os próximos a piscar podem ser os franceses.
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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
Reaproximação Brasil-Estados Unidos: mais uma aula de pragmatismo
Pragmatismo, como já falei aqui, é inerente à política. Muitas vezes as pessoas estranham e chegam a “acusar” um político de pragmatismo – na verdade, seria um elogio. Deixar de ser pragmático é que seria absurdo, acabaria com a política, acabaríamos no puro dogmatismo. Pragmatismo é a troca entre políticos, visando avançar na política que cada um defende. É aquele passo atrás (ou ao lado) que se dá para poder dar dois passos à frente. O que não podemos é confundir “pragmatismo” com “metamorfismo”, quando se deixa de ser uma coisa para transformar-se em outra inteiramente diferente. Na política externa é mais fácil compreender – e até apoiar – o pragmatismo, porque (quase) todos entendemos que, desde que seja para defender os interesses do Brasil, podemos ceder aqui ou acolá para ganharmos mais adiante. E o nosso Itamaraty tem dado um show de competência nesse item. Agora mesmo estamos assistindo a mais uma demonstração disso.
O que mais se diz por aí é que há um choque entre a política externa de Dilma e a de Lula – o que me parece uma grande bobagem. Entre os vários argumentos estaria uma reaproximação Brasil-Estados Unidos, que seria impossível no Governo Lula. Quero lembrar que no dia 4 de janeiro postei aqui (“En garde: o Governo Dilma entra em campo para vencer”) que “Estados Unidos e Europa, envolvidos até a alma com a crise iniciada em 2008, tendem a se tornar cada vez mais agressivos internacionalmente, em busca de saídas para a estagnação e o desemprego. É necessário que o Itamaraty saiba neutralizar a fúria dos desenvolvidos. Deve buscar entre eles aliados e parcerias, sem que isso signifique conter os avanços e a opção preferencial que fizemos junto à América Latina, África, Oriente Médio e a outros países emergentes”. Certamente essa reaproximação teve início ainda no Governo Lula, sem que isso pudesse ser revelado (nem mesmo pelo Wikileaks...). Não podemos sobreviver à guerra cambial que está em curso enfrentando simultaneamente os maiores interessados nela, Estados Unidos/Europa e China. Não podemos manter uma política externa independente, se ampliarmos a dependência de commodities para a China e ainda termos de suportar a enxurrada de seus produtos prejudicando nossa indústria (não tem por que sairmos dos braços de um para simplesmente cairmos nos braços de outro...). Até agora estamos nos saindo bem, mas temos que pensar no futuro. Por tudo isso, é muito bom ver a notícia que saiu no Bloomberg ontem revelando que Brasil e Estados Unidos pretendem se aliar no combate à desvalorização artificial da moeda chinesa (“Brazil Will Work With Obama to Counter Rising China Imports, Official Says”). Da mesma forma, foi bom o adiamento da compra dos caças (como fez Lula), porque os franceses estavam agindo como “taken for granted” (ou “pris pour acquis”...). Não custa nada uma boa rediscussão, deixarmos evidente que nossa soberania é inegociável. A política externa estabelecida no Governo Lula permite, hoje, nos reaproximarmos dos Estados Unidos sem que isso signifique baixar a cabeça e tirar o sapato, como se fazia antes, nem signifique animosidade com China e outros parceiros novos. O importante é deixar claro que esse tom de voz afinado com os Estados Unidos não vai desafinar em defesa de nossos interesses geopolíticos. Nossas riquezas amazônicas e o pré-sal são intocáveis. Nossa política de apoio à América Latina e à África, a todos os povos em desenvolvimento, não vai esmorecer. Nossa altivez não está em jogo. Continuaremos altivo e ativos, como disse Celso Amorim. Sem que isso signifique deixar de lado o pragmatismo.
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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Wikileaks revela que nossos políticos e jornalistas de oposição fizeram papel de bobo na questão de Honduras
O governo brasileiro opôs-se ao golpe militar realizado em Honduras em 2009, e chegou a asilar na Embaixada em Tegucigalpa o presidente deposto, Manuel Zelaya. A oposição a Lula, conservadora e subserviente aos Estados Unidos, apoiada pela mídia-idem, subiu nas tamancas e tomou o partido dos golpistas, tratando nossos diplomatas como inimigos. Wikileaks revela que a oposição brasileira, ingênua (ou não?), na verdade fez um papelão. Os documentos secretos divulgados mostram, em primeiro lugar, que Zelaya chegou a enganar Chávez, Fidel e Ortega para atender os planos americanos, durante a Assembleia Geral da OEA – realizada no mesmo mês (junho) do golpe! Fez com que concordassem com um texto americano sem que eles soubessem quem era o verdadeiro autor, agiu como autêntico agente duplo. Além disso, os documentos secretos deixam claro que há muito tempo os Estados Unidos acompanhavam de perto os movimentos golpistas hondurenhos.
Quer saber mais sobre o ridículo oposicionista na questão de Honduras? Clique aqui.
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terça-feira, 4 de janeiro de 2011
En garde: o Governo Dilma entra em campo para vencer
O objetivo maior de Dilma Roussef é dar continuidade ao Novo Brasil iniciado pelo Governo Lula. Um Brasil que não se conformou com a democracia formal e abriu caminho para uma democracia social, com participação popular e com direitos econômicos e sociais para a grande maioria “esquecida” da população. Dilma Roussef com certeza estará empenhada nessa continuidade – e terá consciência de que o seu maior desafio será ter que enfrentar a oposição elitista sem ter o mesmo carisma de Lula. Entre os desafios imediatos, vejo a política de juros e a política externa como os mais complexos e que exigem movimentos feitos com muita precisão.
Não há quem discorde de que não podemos manter o real supervalorizado, sob pena de naufragarmos no mercado internacional. Com os Estados Unidos e a Europa em crise, fazendo de tudo para conquistar mercados, e com a China forçando a desvalorização do yuan, ficaremos extremamente fragilizados com essa taxa de juros alta que traz mais e mais dólares para sobrevalorizar o nosso real. Mas como fazer para baixar juros com a economia aquecida e a inflação aproximando-se ameaçadoramente? Fala-se em redução do gasto público, aplicação de tarifas e outras medidas, algumas talvez necessárias, mas nenhuma milagrosa. A necessidade de competitividade internacional e a necessidade de conter a ameaça inflacionária continuarão juntas, em oposição, pondo à prova a nova equipe econômica. Mas não se pode, de forma alguma, tirar de perspectiva desenvolvimento com investimento social.
Na política externa, os desafios imediatos não são menores, exigindo mais e mais do tradicional pragmatismo do Itamaraty. Estados Unidos e Europa, envolvidos até a alma com a crise iniciada em 2008, tendem a se tornarem cada vez mais agressivos internacionalmente, em busca de saídas para a estagnação e o desemprego. É necessário que o Itamaraty saiba neutralizar a fúria dos desenvolvidos. Deve buscar entre eles aliados e parcerias, sem que isso signifique conter os avanços e a opção preferencial que fizemos junto à América Latina, África, Oriente Médio e a outros países emergentes. Além disso, esse tom de voz (necessário, e que só foi possível graças à política dos últimos 8 anos) mais afinado com os Estados Unidos não pode desafinar em defesa de nossos interesses geopolíticos. Nossas riquezas amazônicas e o pré-sal são intocáveis. Nossa política de apoio à América Latina e à África, a todos os povos em desenvolvimento, não pode esmorecer. Nossa altivez não está em jogo. Continuaremos altivo e ativos, como disse Celso Amorim. É só uma questão de saber movimentar com firmeza as peças do tabuleiro internacional, sem jamais abrir mão do que já conquistamos.
Dilma já demonstrou sua capacidade de luta e de gerenciamento e obviamente assimilou muito do jogo político de Lula. Tenho certeza que sairá vitoriosa. Touché!
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terça-feira, 9 de novembro de 2010
Obama: enfraquecido em casa, joga pesado contra o G-20
As grandes potências, principalmente os Estados Unidos, nunca viram com bons olhos esse admirável mundo novo, cada vez mais “globalizado”. G-5, tudo bem – deixa que a gente resolve entre nós... G-7, G-8, ainda aceitamos... Mas, G-20? BRIC? BASIC? Nem pensar!! Os Estados Unidos resolveram melar esse próximo G-20. Primeiro lançaram uma revoada de dólares, acirrando a guerra cambial. Prejudicados pela redução do capital especulativo na crise de 2008, resolveram dar uma forcinha para esses “investidores” espalhados pelo mundo. Ao mesmo tempo, mostraram suas garras diante dos parceiros globais, principalmente os emergentes, procurando enfraquecê-los nas próximas discussões. Não contentes com a guerra cambial, iniciaram um minucioso trabalho de cizânia, principalmente entre os BRICs. Puxaram a Rússia para um lado, a China pro outro e decidiram dar um chega pra lá no incômodo Brasil, priorizando a Índia para uma cadeira cativa no Conselho de Segurança. Os Estados Unidos dão sua demonstração de força no cenário internacional, que com certeza vai funcionar para o público interno. Mas não conseguirão impedir que novas forças emerjam defendendo interesses divergentes dos seus. Nem conseguirão que o G-20 se transforme em mero G-“10+10”...
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Rio Branco e Amorim, referências para o Brasil no mundo
Excelente texto de João Daniel (que também é do Curso Clio) para a Folha.
Barão do Rio Branco x Celso Amorim
João Daniel Lima de Almeida
Especial para a Folha
Não é trivial que, 98 anos após o falecimento do patrono da diplomacia brasileira --em pleno Carnaval, é bom lembrar-- um chanceler tenha finalmente ultrapassado-o em tempo de permanência no cargo, ainda que de modo não-contínuo.
Ousar comparar os períodos do barão do Rio Branco (1902-12) e de Celso Amorim (1993-4 e 2003-10) há de levantar criticas. Críticas metodológicas, pois os puristas recusam a possibilidade de comparar períodos tão distintos da história nacional, e críticas político-ideológicas, naturais quando se tratam de personalidades vivas e atuantes, ainda mais se ombreadas à ícones, como é o caso do Barão. Ciente dos riscos, assumo a tarefa.
Três foram os principais desafios enfrentados pelo Barão do Rio Branco no período de sua chancelaria ao longo de quatro presidentes (Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca): 1) A rivalidade com os argentinos; 2) A defesa contra o imperialismo europeu; e, 3) A resolução dos problemas de limites brasileiros.
O primeiro problema permaneceria mesmo após sua gestão, e muitas das tentativas do Barão em equalizá-lo não deram resultados de curto prazo. Com nosso principal vizinho multiplicaram-se tensões comerciais, de imigração e até militares, como se viu no episódio do reaparelhamento naval do Brasil.
O segundo problema foi significativamente equacionado ao longo de sua gestão. Não desapareceu, mas diminui dramaticamente. O Brasil passa a ser respeitado na Europa e não se repetem episódios como o da ocupação brasileira da Ilha de Trindade pelos ingleses (1895) ou intervenção naval como a que ocorreu durante a revolta da Armada (1893) ou anos depois, na Venezuela (1902). No episódio conhecido como "O Caso Panther", a maior potência militar do mundo, a Alemanha, pediu desculpas ao Brasil por ter desembarcado marinheiros em território nacional sem autorização. O Brasil de Rio Branco não seria tratado como uma colônia européia.
É no triunfo sobre o terceiro problema que repousam os louros e glórias de José Maria da Silva Paranhos Jr. Sucesso é pouco! Se até hoje falamos 1 barão para se referir a mil cruzeiros, se o nome da capital do Acre, da principal avenida do centro do Rio de Janeiro e da prestigiosa escola diplomática brasileira levam seu nome, se o carnaval de 1912 foi interrompido por sua morte, é sobretudo porque, graças a ele, o Brasil é o único pais do mundo que, tendo dimensões continentais, não tem problemas de fronteiras com seus vizinhos. Em menos de 10 anos todas foram negociadas de modo pacífico, sem recurso às armas.
Duas estratégias foram essenciais para estes sucessos: 1) O americanismo e 2) a diplomacia do prestígio. E são essas estratégias que permitem melhor a comparação entre o Barão e Celso Amorim, já que, é claro, nossos objetivos de inserção internacional mudaram em um século.
A construção de uma 'aliança especial' informal com os EUA, à época maior comprador do nosso café, permitiu ao Brasil se beneficiar pragmaticamente nas disputas regionais. A Doutrina Monroe norte-americana garantiria proteção diplomática e, eventualmente militar, contra o imperialismo. A neutralidade norte-americana garantiu que o Barão não tivesse que se preocupar com intervenções estadunidenses em nossas questões de fronteiras. Exemplo paradigmático dessa estratégia foi o caso do Acre, arrendado pelos bolivianos à uma empresa de capital norte-americano (Bolivian Syndicate) foi indenizada pelo Brasil antes que isso pudesse chamar atenção do governo de Washington. Hoje, se o barão estivesse vivo, se aproximaria da China, da Índia, da África do Sul, que ocupam papel análogo de potências emergentes no cenário internacional. A diferença é que, no primeiro caso, havia assimetria clara de poder desfavorável ao Brasil. Hoje o Brasil quer fazer parte do clube de modo igualitário.
Já a "diplomacia do prestígio" ecoa até hoje na boca do nosso novo recordista do século 21. Superamos o "complexo de vira-latas". A melhora da imagem internacional do Brasil à época significou a abertura (ou reabertura, dado que Campos Salles, por economia de recursos havia fechado várias) de novas legações no exterior, além de estimular a criação de legações estrangeiras no Rio de Janeiro. Hoje o foco está na África e Ásia, onde cada nova embaixada (dezenas foram abertas) representa um voto potencial para as pretensões políticas brasileiras em foros multilaterais. A participação do Brasil em conferências internacionais (como a famosa conferência de Haia, na qual Rui Barbosa foi nosso delegado), tendo o Brasil sediado várias delas guarda analogias com as variadas siglas (BRIC, IBAS, ASPA, CASA, etc..) e Gês dos quais o Brasil faz parte hoje. O primeiro cardeal brasileiro (Joaquim Arcoverde) e as amplas reformas urbanas e sanitárias da capital com Pereira Passos e Oswaldo Cruz para "civilizar" o Rio de Janeiro, a vitória no concurso de arquitetura na exposição de Saint Louis com o Palácio Monroe (desmontado no governo Geisel), guardam hoje paralelo importante com a conquista da sede da Copa e das Olimpíadas.
Política externa é política de Estado, não de governo. No Brasil, o Itamaraty é o mais perto que se conseguiu chegar de uma burocracia de tipo weberiano e isso é garantia de continuidades, mais que de rupturas, na história de nossa política exterior. É como guiar um transatlântico, onde correções de rumo devem ser planejadas cuidadosamente com o olhar em cartas e instrumentos cuja trajetória futura é o guia do presente, ao contrário do Jet Ski ou da lancha, escravas da conjuntura e dos metros seguintes. Nesse leme, dez anos é muito tempo e os resultados de longo prazo. Se o barão serviu de paradigma por mais de meio século (seu legado durou, no mínimo, até a PEI em 1961), me parece que o atual modelo de inserção internacional brasileiro veio para ficar e guiará o Brasil no século XXI. Não como "vira-latas" do passado, ou como os rottweillers e Pitt-bulls americanos e soviéticos da guerra-fria, mas como um São Bernardo, grande e pacífico, respeitado por seus méritos e prestígio e não somente por sua força.
João Daniel Lima de Almeida é mestre em Relações Internacionais pela PUC-RJ
Barão do Rio Branco x Celso Amorim
João Daniel Lima de Almeida
Especial para a Folha
Não é trivial que, 98 anos após o falecimento do patrono da diplomacia brasileira --em pleno Carnaval, é bom lembrar-- um chanceler tenha finalmente ultrapassado-o em tempo de permanência no cargo, ainda que de modo não-contínuo.
Ousar comparar os períodos do barão do Rio Branco (1902-12) e de Celso Amorim (1993-4 e 2003-10) há de levantar criticas. Críticas metodológicas, pois os puristas recusam a possibilidade de comparar períodos tão distintos da história nacional, e críticas político-ideológicas, naturais quando se tratam de personalidades vivas e atuantes, ainda mais se ombreadas à ícones, como é o caso do Barão. Ciente dos riscos, assumo a tarefa.
Três foram os principais desafios enfrentados pelo Barão do Rio Branco no período de sua chancelaria ao longo de quatro presidentes (Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca): 1) A rivalidade com os argentinos; 2) A defesa contra o imperialismo europeu; e, 3) A resolução dos problemas de limites brasileiros.
O primeiro problema permaneceria mesmo após sua gestão, e muitas das tentativas do Barão em equalizá-lo não deram resultados de curto prazo. Com nosso principal vizinho multiplicaram-se tensões comerciais, de imigração e até militares, como se viu no episódio do reaparelhamento naval do Brasil.
O segundo problema foi significativamente equacionado ao longo de sua gestão. Não desapareceu, mas diminui dramaticamente. O Brasil passa a ser respeitado na Europa e não se repetem episódios como o da ocupação brasileira da Ilha de Trindade pelos ingleses (1895) ou intervenção naval como a que ocorreu durante a revolta da Armada (1893) ou anos depois, na Venezuela (1902). No episódio conhecido como "O Caso Panther", a maior potência militar do mundo, a Alemanha, pediu desculpas ao Brasil por ter desembarcado marinheiros em território nacional sem autorização. O Brasil de Rio Branco não seria tratado como uma colônia européia.
É no triunfo sobre o terceiro problema que repousam os louros e glórias de José Maria da Silva Paranhos Jr. Sucesso é pouco! Se até hoje falamos 1 barão para se referir a mil cruzeiros, se o nome da capital do Acre, da principal avenida do centro do Rio de Janeiro e da prestigiosa escola diplomática brasileira levam seu nome, se o carnaval de 1912 foi interrompido por sua morte, é sobretudo porque, graças a ele, o Brasil é o único pais do mundo que, tendo dimensões continentais, não tem problemas de fronteiras com seus vizinhos. Em menos de 10 anos todas foram negociadas de modo pacífico, sem recurso às armas.
Duas estratégias foram essenciais para estes sucessos: 1) O americanismo e 2) a diplomacia do prestígio. E são essas estratégias que permitem melhor a comparação entre o Barão e Celso Amorim, já que, é claro, nossos objetivos de inserção internacional mudaram em um século.
A construção de uma 'aliança especial' informal com os EUA, à época maior comprador do nosso café, permitiu ao Brasil se beneficiar pragmaticamente nas disputas regionais. A Doutrina Monroe norte-americana garantiria proteção diplomática e, eventualmente militar, contra o imperialismo. A neutralidade norte-americana garantiu que o Barão não tivesse que se preocupar com intervenções estadunidenses em nossas questões de fronteiras. Exemplo paradigmático dessa estratégia foi o caso do Acre, arrendado pelos bolivianos à uma empresa de capital norte-americano (Bolivian Syndicate) foi indenizada pelo Brasil antes que isso pudesse chamar atenção do governo de Washington. Hoje, se o barão estivesse vivo, se aproximaria da China, da Índia, da África do Sul, que ocupam papel análogo de potências emergentes no cenário internacional. A diferença é que, no primeiro caso, havia assimetria clara de poder desfavorável ao Brasil. Hoje o Brasil quer fazer parte do clube de modo igualitário.
Já a "diplomacia do prestígio" ecoa até hoje na boca do nosso novo recordista do século 21. Superamos o "complexo de vira-latas". A melhora da imagem internacional do Brasil à época significou a abertura (ou reabertura, dado que Campos Salles, por economia de recursos havia fechado várias) de novas legações no exterior, além de estimular a criação de legações estrangeiras no Rio de Janeiro. Hoje o foco está na África e Ásia, onde cada nova embaixada (dezenas foram abertas) representa um voto potencial para as pretensões políticas brasileiras em foros multilaterais. A participação do Brasil em conferências internacionais (como a famosa conferência de Haia, na qual Rui Barbosa foi nosso delegado), tendo o Brasil sediado várias delas guarda analogias com as variadas siglas (BRIC, IBAS, ASPA, CASA, etc..) e Gês dos quais o Brasil faz parte hoje. O primeiro cardeal brasileiro (Joaquim Arcoverde) e as amplas reformas urbanas e sanitárias da capital com Pereira Passos e Oswaldo Cruz para "civilizar" o Rio de Janeiro, a vitória no concurso de arquitetura na exposição de Saint Louis com o Palácio Monroe (desmontado no governo Geisel), guardam hoje paralelo importante com a conquista da sede da Copa e das Olimpíadas.
Política externa é política de Estado, não de governo. No Brasil, o Itamaraty é o mais perto que se conseguiu chegar de uma burocracia de tipo weberiano e isso é garantia de continuidades, mais que de rupturas, na história de nossa política exterior. É como guiar um transatlântico, onde correções de rumo devem ser planejadas cuidadosamente com o olhar em cartas e instrumentos cuja trajetória futura é o guia do presente, ao contrário do Jet Ski ou da lancha, escravas da conjuntura e dos metros seguintes. Nesse leme, dez anos é muito tempo e os resultados de longo prazo. Se o barão serviu de paradigma por mais de meio século (seu legado durou, no mínimo, até a PEI em 1961), me parece que o atual modelo de inserção internacional brasileiro veio para ficar e guiará o Brasil no século XXI. Não como "vira-latas" do passado, ou como os rottweillers e Pitt-bulls americanos e soviéticos da guerra-fria, mas como um São Bernardo, grande e pacífico, respeitado por seus méritos e prestígio e não somente por sua força.
João Daniel Lima de Almeida é mestre em Relações Internacionais pela PUC-RJ
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sexta-feira, 10 de setembro de 2010
O triste fim de um discurso diplomático
Excelente esse artigo (O triste fim de um discurso diplomático) de Marco Aurélio Garcia. Clareza, precisão, interessantíssimo, excelente leitura:
Não é fácil poder dar, em um período relativamente curto, duas entrevistas às páginas amarelas da revista Veja. É preciso estar muito afinado com o conservadorismo raivoso dessa publicação para merecer tal distinção.
Sei disso por experiência própria. Há muitos anos, um colunista-fujão de Veja dedicou-me um artigo cheio de acusações e insultos. Ingenuamente, enviei minha resposta a esta publicação, que se proclama paladina da liberdade de expressão. Meu texto não foi publicado e, para minha surpresa, li uma semana mais tarde uma resposta à minha resposta não publicada.
O embaixador-aposentado Roberto Abdenur teve mais sorte que eu. Emplacou uma segunda entrevista à Veja, talvez para retificar o tiro da primeira que concedeu (7 de fevereiro de 2007). Ou quem sabe para "compensar" o excelente depoimento do Presidente Juan Manuel Santos, na semana anterior, que não sucumbiu às tentativas da revista de opor o Brasil à Colômbia na América do Sul. Em sua primeira entrevista o diplomata destilava ressentimento contra o Ministro Celso Amorim que, num passado distante, o havia convidado para ser Secretário-Geral do Itamaraty e, mais recentemente, o havia enviado para uma de nossas mais importantes embaixadas – a de Washington. Abdenur preservava, no entanto, a política externa brasileira e, sobretudo, o Presidente Lula, que o havia designado como seu representante nos Estados Unidos.
Agora, tudo mudou. A crítica é global e dela não escapa nem mesmo o Presidente da República. Em matéria de política externa Lula não passa de um "palanqueiro", a quem o Itamaraty "não sabe dizer não". Faltando à verdade, o intrépito embaixador diz que nosso Presidente "começou a bater em Obama antes de eleito e não cansa de dar canelada no americano". Abdenur desconhece, ou finge desconhecer, as inúmeras manifestações de simpatia – e de esperança – que a eleição do atual Presidente norte-americano provocou em seu colega brasileiro. Ao invés disso, o ex-embaixador escorrega em rasteiro psicologismo ao detectar no Presidente Lula "um elemento de ciúme" em relação a Obama, pois este último lhe teria subtraído "a posição privilegiada no palanque global"...
Abdenur fez vinte anos de sua carreira diplomática durante o regime militar e não sofreu nenhum constrangimento. Até aí tudo bem. Muitos outros de seus contemporâneos tampouco foram perseguidos. Mas essa experiência profissional não lhe autoriza fazer analogias entre a política externa atual e aquela levada adiante nos primeiros anos da ditadura, quando chanceleres proclamavam que o que "é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil" ou patrocinavam o envio de tropas brasileiras para esmagar as mobilizações populares na República Dominicana.
É claro que aquelas inflexões da política externa brasileira foram tomadas por "razões ideológicas" (de direita). Mas a pergunta que não quer calar é: quando não temos motivações ideológicas na política, em particular na política externa?
Durante o Governo Geisel, quando Abdenur integrou o grupo dos "barbudinhos" do Itamaraty, foram resgatados princípios da Política Externa Independente de Santiago Dantas, Afonso Arinos e Araújo Castro, apresentados para a ocasião sob a eufemística denominação de "pragmatismo responsável". Mas aquela política – que tinha conteúdos progressistas, diga-se de passagem – também era expressão do projeto autoritário de "Brasil Potência" propugnado pelos militares. Tanto ela, como a Política Externa Independente do período Goulart-Jânio, tinham fortes componentes "ideológicos", como é normal em qualquer sociedade, democrática ou não.
É igualmente "ideológica" a reivindicação do ex-embaixador de que nossa diplomacia se alimente de "valores ocidentais". Mais do que ideológica, é ultrapassada e perigosa.
Ultrapassada, pois traz à memória os tempos da "guerra fria", quando se falava em "civilização ocidental e cristã" para esconder propósito profundamente conservadores.
Perigosa porque traz à tona e legitima a idéia de choque de civilizações (entre "oriente" e "ocidente") que os neo-conservadores têm defendido com tanta insistência nos últimos anos para justificar suas aventuras belicistas, queima de livros ou interdição de templos religiosos.
O ex-embaixador se alinha com as críticas da oposição brasileira contra a política externa atual. Seletivamente, ataca nosso bom relacionamento com Venezuela, Bolívia e Equador, supostamente motivado por afinidades ideológicas, esquecendo-se de mencionar nosso igualmente bom relacionamento com Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Motivado por que?
Escondendo-se detrás de "boa fonte boliviana bem informada", desconhece ou deliberadamente omite, a cooperação militar e policial que se desenvolve com a Bolívia e com outros países para fazer frente ao flagelo do narcotráfico na região.
É próprio do pensamento conservador tentar apropriar-se de valores universais para encobrir interesses particulares – de classe, estamento, grupo ou etnia. A história do Brasil está cheia de exemplos. Nosso liberalismo conviveu alegremente com a escravidão. Nossa República proclamou retoricamente, durante décadas, a cidadania plena e praticou a mais brutal exclusão econômica, social e política. Tudo isso à sombra o Iluminismo, dos ideais da Renascença, do Humanismo ou da Revolução Americana que o embaixador invoca em seu vago projeto diplomático.
O Presidente Lula, assim como quase todos governantes, manteve e mantém relações com Chefes de Estado e de Governo dos mais distintos países: de democráticos, de regimes teocráticos, de partido único ou de responsáveis por graves violações de direitos humanos em nível local ou global. Não será difícil encontrar os nomes dos países na tipologia antes aludida.
Esses relacionamentos não se devem a idiossincrasias presidenciais como, de forma desrespeitosa, pretende Abdenur. Eles se inserem no difícil esforço de construção de um mundo multilateral e, sobretudo, de um mundo de paz.
São muitos os caminhos para atingir esse objetivo. Vão do uso da força militar ao emprego das sanções que golpeiam mais ao povo do que aos governantes dos países atingidos. Mas há também o caminho da negociação, da diplomacia que não renuncia valores, mas que não faz deles biombo por traz do qual se ocultam inconfessáveis opções políticas e ideológicas, particularmente quando a sociedade brasileira é chamada a decidir seus destinos pelos próximos quatro anos.
P.S.: há algum tempo a imprensa noticiou que Roberto Abdenur estava dando cursos de política externa para os Democratas (ex-PFL). Não acreditei. Agora passei a acreditar.
Marco Aurélio Garcia é assessor para assuntos internacionais da Presidência da República.
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segunda-feira, 12 de abril de 2010
Estrategista americano posiciona-se próximo ao Brasil sobre o Irã
Zbigniew Brzezinski sempre foi considerado um grande estrategista da política externa americana, tendo até ocupado o cargo de assessor de Segurança Nacional do Governo Jimmy Carter. Tem assessorado Obama, mas suas ideias sobre questões atuais - talvez por não fazer parte do Governo - vão um pouco além. Defende negociações mais amplas com o Irã, não acredita na forçação de barra americana através das sanções da ONU e acha necessária uma ação mais efetiva dos Estados Unidos para a formação do Estado Palestino.
Questionado sobre a posição brasileira quanto à política nuclear iraniana, declarou que não conhece em detalhes, mas, pelo que ouviu falar, vê como uma posição a ser levada em consideração.
Sua entrevista que saiu hoje na Folha, feita por Claudia Antunes:
"Não tenho ilusão sobre fim rápido da bomba atômica"
Grande estrategista da política externa americana no século 20, Zbigniew Brzezinski defende negociações amplas sobre o programa nuclear do Irã, em que o país receba garantias de que não será atacado ao abrir mão da bomba. Ele afirma que os EUA devem tomar a frente de um plano para a criação do Estado palestino, porque o conflito ameaça a segurança americana, e demonstra ceticismo sobre a meta, expressa pelo presidente Barack Obama, de pôr fim aos arsenais atômicos. Brzezinski diz que os EUA não pretendem abdicar de sua hegemonia: "Se a atual proeminência da América entrasse em declínio rápido, todo o mundo seria lançado no caos político e econômico".
Como assessor de Segurança Nacional do presidente democrata Jimmy Carter (1977-1981), Zbigniew Brzezinski contabilizou uma vitória importante e um grande revés no Oriente Médio: o acordo de paz Israel-Egito, o primeiro entre o Estado judeu e um vizinho árabe, em 1978; e a Revolução Islâmica de 1979 no Irã, com a tomada de reféns na Embaixada dos EUA, que teve peso decisivo para a vitória do republicano Ronald Reagan na eleição presidencial de 1980.
A região e os dois países, Israel e Irã, continuam nos cálculos de Brzezinski, que em março esteve na Casa Branca, com outros antigos assessores presidenciais, para tratar do assunto com o atual conselheiro de Segurança Nacional, general James Jones, e Barack Obama. A urgência de um acordo de paz na Palestina e o programa nuclear iraniano foram os principais temas desta entrevista à Folha de um Brzezinski de voz firme, aos 82 anos.
FOLHA - O sr. é um dos veteranos da política externa americana que propuseram que Obama apresente um plano pronto para a solução de dois Estados do conflito israelense-palestino. Acredita que ele fará isso?
ZBIGNIEW BRZEZINSKI - Eu não sei.
FOLHA - Por que defende essa abordagem?
BRZEZINSKI - Porque acho que um arranjo de paz no Oriente Médio é de interesse de todas as partes envolvidas. Os EUA estão cada vez mais ameaçados pelo radicalismo e o extremismo na região, e parte disso é provocada pelo conflito contínuo entre Israel e os palestinos. Israel precisa de paz para se tornar uma parte aceita do Oriente Médio, no qual viva em segurança e prospere e possa até mesmo se tornar a Cingapura da região. E os palestinos têm direito à dignidade política, à independência política e a um território nacional.
FOLHA - E os dois lados, sozinhos, não poderiam alcançar um acordo?
BRZEZINSKI - Isso é absolutamente certo. A questão é que esse conflito agora se prolonga por várias décadas, e todo esforço de paz baseado apenas na negociação entre os dois lados fracassou.
FOLHA - Faz sentido negociar sem incluir o Hamas?
BRZEZINSKI - De uma forma ou de outra, os elementos extremistas dos dois lados terão de ser envolvidos, e, se a acomodação proposta responder aos interesses básicos tanto de Israel quanto do público árabe, os extremistas acabarão isolados politicamente.
FOLHA - Acredita na chance de o Hamas aderir a um acordo?
BRZEZINSKI - Se o acordo parecer justo e atraente para uma porção significativa dos palestinos, e se ele trouxer benefícios tangíveis, acredito que o Hamas pode muito bem evoluir. Mas é algo que nunca saberemos se acontecerá se não tentarmos fazer acontecer.
FOLHA - Houve esse choque recente entre Obama e o premiê Netanyahu após o anúncio de construções em Jerusalém Oriental. Não está claro, no entanto, se Israel vai suspender as construções. Qual deve ser o próximo passo dos EUA?
BRZEZINSKI - Em geral, eu apoio a posição que Obama adotou até agora, e veremos como Israel responde às propostas americanas mais recentes.
FOLHA - O balanço de forças dentro dos EUA favorece que haja mais pressão sobre Israel?
BRZEZINSKI - Eu acho que o povo americano em geral é a favor de uma solução pacífica, mas apoiar uma solução pacífica não é a mesma coisa que pressionar Israel. Uma solução requer compromissos tanto de Israel quanto dos palestinos. O problema é que nenhum dos dois lados parece disposto a dar o primeiro passo. A equipe de Obama está penosamente consciente desse fato.
FOLHA - As últimas iniciativas de Obama na questão nuclear contêm uma mensagem para o Irã suspender seu programa atômico. Ele será bem-sucedido?
BRZEZINSKI - Não tenho certeza de que estamos pedindo ao Irã que suspenda seu programa nuclear [o país tem o direito a tê-lo, como signatário do Tratado de Não Proliferação]. Acho que pedimos ao Irã provas convincentes e que concorde com acordos com credibilidade para dar à comunidade internacional a confiança de que seu programa não está destinado à produção de armas atômicas.
FOLHA - O sr. já disse que o programa nuclear do Irã deveria ser negociado num quadro em que os iranianos receberiam garantias de segurança. Obama não encampou essa iniciativa. Sustenta essa proposta?
BRZEZINSKI - Eu apoio a inclinação de Obama de negociar com o Irã, mas eu era a favor no passado e sou ainda hoje de negociações de maior amplitude, nas quais várias grandes questões, incluindo a segurança regional e as relações econômicas, sejam tratadas simultaneamente às discussões específicas sobre a questão nuclear.
FOLHA - O que está impedindo o governo Obama de fazer isso?
BRZEZINSKI - Em parte, a falta de uma resposta palpável do Irã.
FOLHA - Existem outros fatores? BRZEZINSKI - Pode haver alguma hesitação em ampliar de modo prematuro a pauta de negociações, mas minha opinião sobre isso é diferente da do governo.
FOLHA - O Itamaraty tem insistido em que há espaço para um pacto no qual o Irã entregaria parte de seu estoque de urânio pouco enriquecido em troca de combustível para seu reator de uso médico. A Turquia seria intermediária dessa troca. A posição brasileira é ingênua?
BRZEZINSKI - Eu não conheço a posição brasileira precisamente. Mas do que eu já ouvi sobre ela, e, pela sua descrição, me parece que representa um ponto de vista que deveria ser levado em consideração.
FOLHA - Brasil e Turquia, com cadeiras não permanentes no Conselho de Segurança, dizem que gostariam de ver mais negociações antes de novas sanções ao Irã. Se aprovadas, as sanções darão resultado?
BRZEZINSKI - Não tenho como saber que tipo de sanções será aprovado. Haverá negociações, e certamente haverá diferentes posições sobre a questão. Também sabemos que sanções demoram bastante tempo para ter efeito, e que é melhor que sejam acompanhadas por negociações sérias.
FOLHA - Alguns analistas nos EUA dizem que é inevitável que o Irã obtenha arma atômica e que será preciso conviver com isso. Concorda?
BRZEZINSKI - Eu espero que isso não aconteça, porque acho que seria desafortunado, e poderia criar tensões muito sérias nas relações internacionais. Ao mesmo tempo, tenho confiança em que poderemos conter qualquer nova potência nuclear, assim como contivemos por muitos anos potências perigosas e poderosas como a União Soviética stalinista e a China de Mao Tsé-tung. [ele se refere ao conceito de contenção, da Guerra Fria, em que o poderio bélico é usado não em conflitos, mas para dissuadir o oponente de atacar].
FOLHA- Como o senhor avalia a nova estratégia nuclear de Obama? É otimista em relação ao objetivo de pôr fim aos arsenais atômicos?
BRZEZINSKI - Eu acredito que as iniciativas adotadas recentemente são uma contribuição positiva para um mundo que se torne cada vez menos dependente, por um período prolongado, de armas nucleares. Mas não tenho nenhuma ilusão de que o movimento nessa direção será rápido e não tenho meios de prever quando as armas atômicas desaparecerão de todo, se é que isso acontecerá, e de qualquer forma com certeza não será em pouco tempo.
FOLHA - China e EUA são interdependentes na economia. Mas setores nos EUA demonstram preocupação de que a China ameace o domínio militar americano no Pacífico. O sr. teme o desafio militar chinês?
BRZEZINSKI - Não há dúvida de que a relação entre os EUA e a China tem importância enorme, talvez central, para os dois países. E eu sei que a China, em longo prazo, está destinada a ter uma corporação militar cada vez mais poderosa. No entanto, acho que, neste estágio, análises alarmistas não são acuradas nem propiciam a manutenção de uma relação bilateral estável e responsavelmente cooperativa.
FOLHA- O século 20 foi o século americano. O sr. acredita que os EUA terão a capacidade de manter seu papel proeminente nas questões internacionais no futuro próximo?
BRZEZINSKI - No futuro próximo, com certeza. Os EUA não estão se preparando para abdicar. Mas o futuro próximo são no máximo 20 anos. O que virá depois é impossível prever com confiança. Mas uma coisa é clara para mim: se a atual proeminência da América entrasse em declínio rápido, todo o mundo seria lançado no caos político e econômico.
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quinta-feira, 25 de março de 2010
Flagrante da política externa americana para a América Latina
Um bush diz mais do que mil palavras.
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segunda-feira, 11 de junho de 2007
Política externa ganha reforço
Desculpem o título, mas é que hoje saiu o resultado para o concurso de novos diplomatas e meu filho, Hayle Melim Gadelha, foi aprovado. Só queria dividir a alegria.
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