terça-feira, 27 de setembro de 2011

Aécio Neves inflaciona o discurso do atraso


Reconheço que não é fácil a vida de oposição no Brasil de Lula e Dilma. Falta aquilo que lhe daria vida, falta discurso. A oposição nunca soube falar com os mais pobres e agora ficou ainda mais difícil diante das políticas de inclusão social do governo e do progresso político e econômico que vivemos nos últimos anos. Começa a ficar difícil falar até mesmo com seu público tradicional, empresários, investidores, aqueles, digamos, melhor situados na pirâmide social. Tem sobrado apenas o discurso ético-conservador, insuficiente para conquistar os votos que garantiriam a volta ao poder.
Aécio Neves, que pretende tornar-se candidato à Presidência, pode ser o melhor exemplo dessa aridez no pensamento oposicionista. Nota-se a dificuldade nos temas de seus artigos semanais na Folha, na verdade artigos em busca de temas. Nos mais recentes, tentou “Steve Jobs”, “Copa”, “segurança” e, na última segunda-feira, escolheu o tema que ele certamente sonha que se torne o próximo tema eleitoral, “inflação”. Em um texto de 406 palavras (incluindo o título) escreve 8 vezes o termo “inflação” (incluindo “inflacionário”) – ou seja, uma taxa de 1,97%, bem alta para os padrões atuais. Procura recuperar o pesadelo da inflação (“Um pesadelo que os mais jovens, mas, só eles, não chegaram a conhecer.”), aproveitando-se da recente elevação de taxas provocada em grande parte pelo cenário internacional. Ataca a política de redução de juros atual e escreve: “Surpreendentemente, o governo adota medidas inflacionárias no momento de grande expectativa de que a crise internacional poderá reduzir significativamente o ritmo de atividade na economia doméstica”. Surpreendente foi a frase. Exatamente por que “a crise internacional poderá reduzir significativamente o ritmo de atividade na economia doméstica” é que fez mais sentido a redução da taxa Selic. Aécio argumenta que o ritmo da desvalorização da taxa cambial, associada à redução dos juros, “preocupa pela incerteza que sinaliza e pelo impacto inflacionário futuro”. Esquece que as grandes reservas brasileiras (bem acima do que havia no período tucano) dão boa margem de manobra ao Banco Central. E esquece mais ainda que um país como o Brasil de hoje não pode mais apostar na recessão, no encolhimento, no desemprego, na falta de ousadia. Aécio no seu artigo nos faz lembrar os congressistas do Partido Republicano americano que, buscando acima de tudo o sucesso eleitoral, preferem ver o seu país derrotado ao invés de adotar medidas econômicas vencedoras. As suas palavras finais servem para descrever exatamente o que pretende a oposição: “retorno a políticas (...) que emperraram no passado o crescimento da nossa economia, danificaram empresas e instituições e, o pior, penalizaram especialmente os mais pobres, limitando durante anos perdidos a possibilidade de uma vida melhor”. Atraso nunca mais!

sábado, 24 de setembro de 2011

Cordel Encantado, encantamento de cabo a rabo



“Assim como há gente que tem medo do novo, há gente que tem medo do antigo”, começa Augusto de Campos o seu delicioso “verso reverso controverso”. As autoras de Cordel Encantado, Thelma Guedes e Duca Rachid, mostraram que não têm medo nem do novo nem do antigo. Fizeram um trabalho preciso de valorização do nosso velho e querido Nordeste, reavivaram um dos elos mais marcantes da formação de sua cultura, o mundo medieval, e encantaram o novíssimo mundo, em novela riquíssima “de história, de texto, de direção, de interpretação, de direção de arte, figurino, cenário, produção musical e tudo mais”, como já disse aqui neste Blog (Carcará Encantado), uns quatro meses atrás. No final, apresentado ontem, o realce do maniqueísmo, também herdado da Idade Média, através da Igreja Católica, tão presente no universo nordestino, e que foi personificado principalmente por Jesuíno (“Jesus”) e Timóteo (“Respeita a Deus”). “A maldade sempre vai existir. O que nós nunca podemos esquecer, jamais, é de ter fé e esperança”, filosofa o profeta Miguezim (“Igualzim a Deus”). “O importante é a gente estar sempre junto, não é mesmo?, sabendo que pode contar uns com os outros, e lutando pelo Bem”, completa Jesuíno, em uma quase-ressurreição de Francisco Julião.
A sequência final do casal Jesuíno e Açucena (“Singela e Branca Flor”, em tupi) assistindo exibição de trovadores nordestinos foi excelente. E a frase-homenagem que as autoras escolheram para se despedir não poderia ser melhor:
ESTA OBRA É DEDICADA AOS POETAS POPULARES DO NORDESTE E AOS TROPICALISTAS QUE, A PARTIR DELES, NOS REINVENTARAM”.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Wiz chinês, resposta brasileira

Ontem, em Beijing, no quiz de um Texas Bar, duas das perguntas só tiveram respostas certas na mesa ocupada por alguns brasileiros. A primeira era fácil: "Qual o preço de um Big Mac no Brasil?" - cerca de 36 yuans. A segunda, bem internacional, exigiu atualidade: "Qual o político se orgulhou de ter11 mulheres fazendo fila para transar com ele, mas que ele só tinha pegado 8?" - para surpresa geral, a mesa de brasileiros respondeu corretamente 'Berlusconi'. Este Blog se orgulha de ter dado alguma contribuição à distância...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Ricupero e a (im)precisão


Precisão talvez não seja exatamente o forte de Rubens Ricupero, ex-Ministro da Fazenda de Itamar. Apesar de ter sido considerado pelo próprio ex-Presidente “o sacerdote do Plano Real, mais até do que o FHC”, Ricupero acabou ganhando fama por sua fala transmitida via satélite graças a um microfone (im)preciso da TV Globo que ele não sabia que estava aberto: "Eu não tenho escrúpulos: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde". Em artigo de hoje na Folha (“Relógio cuco”), Ricupero falou abertamente, sem esconder que apoia a recente decisão do Banco Central de redução da Selic para fazer frente à crise mundial. Ao contrário de muitos analistas da oposição, atrasados, que defendem sem parar o aumento dos juros, Ricupero declara que “se a Suíça arrisca fixar a cotação do franco suíço em euros é porque a situação está para além de preta”.  E vai além: “Os pragmáticos helvécios concluíram que, na falta de remédios internacionais, o remédio é cada um cuidar de si”. E continua: “o início da redução do juro e a elevação do IOF sobre capitais especulativos trouxeram alívio temporário no câmbio, graças também ao recrudescimento da crise mundial”.  E conclui: “Se a crise apertar, a única saída será aproveitar a demanda interna para crescer. Para isso o remédio são ações mais fortes para estancar a hemorragia cambial. Sem dúvida é arriscado, mas como no dilema de Trotsky: risco em avançar, morte segura se ficarmos parados”. Nada mais preciso. Impreciso apenas seu texto de abertura: “Não é verdade, como pretende Orson Welles em O Terceiro Homem, que o relógio cuco tenha sido a única contribuição da Suíça à civilização”. Diferente do que lembrou Ricupero, Harry Lime, o personagem de Orson Welles no filme de Carol Reed a partir de novela de Graham Greene, pelo que lembro fala com certa visão crítica sobre a percepção que se tem da Suíça: “In Switzerland, they had brotherly love, they had five hundred years of democracy and peace, and what that produce?... The cuckoo clock”.
O artigo completo:
Relógio cuco
Rubens Ricupero

Se a Suíça arrisca fixar a cotação do franco suíço em euros é porque a situação está para além de preta

Não é verdade, como pretende Orson Welles em "O Terceiro Homem", que o relógio cuco tenha sido a única contribuição da Suíça à civilização.
Basta pensar na Cruz Vermelha, em Rousseau, Benjamin Constant, Madame de Stael, Pestalozzi, Le Corbusier, Piaget, Giacometti, Godard, elenco mais impressionante que o de alguns gigantes pela própria natureza.
Eis que o relógio cuco dá nova contribuição ao soar o alarme contra o perigo mortal da anarquia do câmbio. Ninguém no mundo se compara aos suíços em cautela e horror do não convencional. Se arriscam fixar a cotação do franco suíço em euros é porque a situação está para além de preta.
A diferença entre nós e eles é que, como os sicilianos, eles jamais ameaçam: preferem agir sem preanuncio. Nós somos incendiários nas declarações e tímidos na ação e não apenas por amor à bravata.
É que os suíços podem arrostar ataques especulativos com alguma chance de sair com vida.
Nós, sempre no fio da navalha, corremos o risco de soprarmos em inflação que já arde em cima da palha seca se tomarmos medidas ousadas como o corte do juro ou o controle de capitais.
Por isso nos limitamos por muito tempo a denunciar a guerra cambial no G20 e a pedir à Organização Mundial do Comércio que estude o efeito do câmbio no comércio. São gestos louváveis, mas anódinos, pois o mundo vive em situação de anarquia cambial, isso é, ausência total de normas e governo na matéria.
Desde que Nixon abandonou em 1971 o sistema de taxas fixas de Bretton Woods, virou letra morta o artigo 4º do acordo do FMI relativo a disciplinas cambiais.
Dizia-se na época que, após meses de turbulência, o câmbio flutuante produziria seu próprio equilíbrio. Estamos esperando há 40 anos e as tempestades já obrigaram a intervenções urgentes como as dos acordos do Plaza e do Louvre.
Na OMC o panorama não é mais animador. O artigo 15 do acordo geral dispõe que os países devem se abster de manipular as moedas a fim de não frustrar os objetivos do acordo. Como nunca se definiu o que significa "manipular" e "frustrar", nada se pode fazer.
Não existem recursos legais: antidumping cambial, taxas contra o subsídio indireto da manipulação, tudo carece de base jurídica.
Os pragmáticos helvécios concluíram que, na falta de remédios internacionais, o remédio é cada um cuidar de si. Se der certo e outros como o Japão seguirem o exemplo, aumentará a pressão sobre a moeda brasileira. Fez bem, assim, o governo em deixar de se queixar ao bispo e começar a tomar medidas.
Entre elas, o início da redução do juro e a elevação do IOF sobre capitais especulativos trouxeram alívio temporário no câmbio, graças também ao recrudescimento da crise mundial. Nada garante que dure. Estagnada devido ao câmbio, a indústria pouco se beneficiou até agora da explosão do consumo, capturada quase toda pelas importações.
Se a crise apertar, a única saída será aproveitar a demanda interna para crescer. Para isso o remédio são ações mais fortes para estancar a hemorragia cambial. Sem dúvida é arriscado, mas como no dilema de Trotsky: risco em avançar, morte segura se ficarmos parados.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Orçamento participativo, sucesso petista, chega a Nova York


A notícia está no The New York Times de ontem: “4 Council Members, Each With $1 Million, Will Let Public Decide How It’s Spent” (“4 Vereadores Novaiorquinos, Cada Qual Com Um Milhão de Dólares, Deixarão a População Decidir Como Usá-los”). Os Vereadores (três democratas e um republicano) teriam ficado “curiosos com as experiências iniciadas no Brasil onde cidadãos comuns podem determinar como o governo deve usar o dinheiro dos impostos” (intrigued by experiments begun in Brazil to let ordinary citizens determine how government uses tax dollars).
A reportagem ainda fala que a experiência do Orçamento Participativo já se espalhou por partes da África, da Ásia, do Canadá e da Europa, e que já existe algo semelhante em Chicago, lançado há 2 anos pelo vereador Joe Moore, do Partido Democrata, que declarou que é “a iniciativa mais popular dos últimos 20 anos”. O Orçamento Participativo começou em 1986, pelas mãos do Prefeito Magno Pires (PT, Vila Velha, ES). Depois virou menina dos olhos de tudo que é prefeitura petista, exemplo maior de participação popular nas administrações municipais. O que ninguém esperava é que essa bandeira, empunhada unicamente por nossa esquerda, fosse hasteada em duas das principais cidades americanas.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

It’s the unemployment, stupid!


Obama herdou o pior dos mundos possíveis para um presidente americano. O país todo-poderoso no centro de uma crise econômica internacional, recessão, conflitos armados pipocando por toda parte, e pior ainda – a autoestima da população em queda livre. A descrença com o presidente – e os políticos de um modo geral – atingiu níveis altíssimos, e a reeleição do fenômeno eleitoral Barack Obama entrou em área de alto risco. Afinal, como satisfazer os milhões de novos (e futuros) desempregados de uma sociedade que aparentava ser imune às desgraças do mundo moderno?
Mas parece que Obama encontrou o rumo para dar a volta por cima na próxima eleição. É verdade que está sendo favorecido pelo fato de o Partido Republicano não contar ainda com nenhum nome eleitoralmente forte nem com respostas para a crise que eles mesmos, os republicanos, criaram, com seu neoliberalismo extremado e sua geopolítica troglodita. Já é possível perceber que Obama coloca de volta nos braços da oposição o fardo econômico que carrega desde que assumiu o governo. Usou a discussão sobre o teto do endividamento público para demonstrar que os republicanos estão sendo intransigentes em questões econômicas por motivos puramente eleitoreiros. Aproveitou o pânico generalizado com o rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos, com a crise europeia e com os índices recordes de pobreza (15,1%) e de desemprego (9,6%) para fortalecer suas propostas de recuperação da economia. E finalmente apresentou um plano mais ousado de combate ao desemprego, colocando os republicanos em uma saia justa: ou eles apoiam o plano – e com isso ajudam Obama; ou eles não apoiam – e com isso assumem o ônus de não combaterem o desemprego e igualmente ajudam Obama. Consegue dessa forma que a crise tenha nome (desemprego) e sobrenome (republicanos). A melhor equação para a reeleição.

domingo, 11 de setembro de 2011

11 de setembro: Veja – e Leia?


Devia ser umas sete e meia da noite, eu estava chegando da praia do Arpoador, no Rio, quando recebi um telefonema de São Paulo. Era do Salomão (José Salomão David Amorim), meu amigo e ex-professor na Universidade de Brasília, que estava coordenando a formação dos futuros jornalistas da revista semanal da Abril. Ele me disse que eu deveria estar em São Paulo no dia seguinte para a seleção final da equipe. Corri para a Rodoviária. Na saída, ainda me despedi de minha amiga e vizinha, Glorinha, que estava na porta do prédio com o namorado (Cid Benjamin, se não me engano). Jamais poderia imaginar que só voltaria a vê-los nos cartazes de “Procurados” como “terroristas”.
Em São Paulo, fiz exame psicotécnico e uma entrevista com um psicólogo, suíço, acho, discutimos comunicação e filosofia, Sartre, fenomenologia, ele me pediu uma comparação entre o Super-Homem de Nietzsche e o Super-Homem das histórias em quadrinhos, eu respondi que já tinha publicado um artigo sobre isso ("Os dois Super Homens", Correio Braziliense, 1967). Saí dali para a glória: eu faria parte da equipe que lançaria a Revista Semanal da Abril, a nossa Newsweek (ou Time, como alguns preferem), o divisor de águas do jornalismo brasileiro! Foram cerca de três meses de preparação intensa. De manhã, palestras no Edifício Itália, feitas por nomes que se destacavam na época. À tarde, depois do bandejão no novo prédio da Abril, na Marginal, a parte prática, com orientação de grandes profissionais da época, sob o comando do Mino Carta. Dos 100 aspirantes, ficamos 50, e começamos as números zero da Veja. Foram 14, até o grande dia da número 1, com data de capa de 11 de setembro de 1968, data histórica, seriam 600 mil exemplares (mais 40 mil de reimpressão), inesquecível para mim, grande emoção, orgulho de ter o nome no expediente e de estar na foto da equipe número 1. Por questões legais, a revista se chamava Veja e Leia, e era uma alegria, toda segunda-feira, poder lê-la. Hoje, é triste, mas não consigo mais ler a Veja. Triste, como passaram a ser tristes todos os 11 de setembro.

sábado, 10 de setembro de 2011

Paul Krugman e os bancos centrais


O economista (Prêmio Nobel) Paul Krugman publicou há dois dias um artigo (“Setting Their Hair on Fire”, traduzido na Folha de hoje) que tem tudo a ver com a decisão do nosso Banco Central de baixar juros e que tanto chocou nossos “analistas de plantão”. O artigo é sobre o discurso de Obama com o plano para redução das taxas de desemprego que apavoram os Estados Unidos (e o mundo...), mas ele faz um parêntese para “discorrer sobre outro discurso econômico importante da semana, pronunciado por Charles Evans, presidente do Federal Reserve de Chicago”. Evans teria afirmado que “o Fed (Banco Central de lá), tanto em função da lei quanto por responsabilidade social, deveria se esforçar para manter tanto a inflação quanto o desemprego baixos”. Guardadas as devidas proporções, isso me lembra o que escrevi neste Blog na semana passada: “(O Banco Central) não pode esquecer que não existe ‘sistema financeiro forte e eficiente’ sem princípios sociais”. Infelizmente, não é assim que entendem nossos analistas do mercado financeiro. Como diz Krugman, “hoje em dia, falta convicção aos homens e mulheres supostamente sábios que deveriam cuidar do bem estar da nação”.
Abaixo, o texto traduzido pela Folha, e você pode ver o vídeo do The Wall Street Journal onde o nosso Banco Central é tratado como "vanguarda".

Ateando fogo aos cabelos
Paul Krugman

Devemos ser gratos a Obama por ele perceber até que ponto a situação do emprego é desesperada
O novo plano de emprego do presidente Barack Obama me surpreendeu de maneira positiva. É muito melhor e mais audacioso do que eu esperava. Caso venha a ser aprovado, é provável que reduza o desemprego de maneira substancial.
Não é provável que o plano seja aprovado, evidentemente, graças à oposição do Partido Republicano. E tampouco é provável que qualquer coisa mais aconteça para ajudar os 14 milhões de americanos que estão sem trabalho. O que representa tanto uma tragédia quanto um ultraje.
Antes de chegar ao plano de Obama, permitam-me discorrer sobre outro discurso econômico importante da semana, pronunciado por Charles Evans, presidente do Federal Reserve de Chicago. Evans declarou sem meias medidas aquilo que alguns de nós esperávamos há anos ouvir de um dirigente do banco central.
Evans afirmou que o Fed, tanto em função da lei quanto por responsabilidade social, deveria se esforçar para manter tanto a inflação quanto o desemprego baixos – e embora a inflação provavelmente deva continuar perto ou abaixo da meta de cerca de 2% adotada pelo banco central, o desemprego permanece extremamente elevado.
Qual deveria ser a reação do Fed, portanto? Evans: "Imagine que a inflação estivesse correndo próxima aos 5%, ante nossa meta de 2%. Há alguma dúvida de que um dirigente competente de banco central reagiria de maneira vigorosa para combater uma inflação tão alta? Não. Estariam agindo com se os seus cabelos estivessem pegando fogo. Deveríamos trabalhar de maneira semelhantemente enérgica para a melhora das condições do mercado de trabalho".
Mas o cabelo do Fed não está em chamas, e a maioria dos políticos tampouco parece considerar a situação urgente. Hoje em dia, falta convicção aos homens e mulheres supostamente sábios que deveriam cuidar do bem estar da nação, enquanto os piores, representados por boa parte do Partido Republicano, estão repletos de intensidade apaixonada. E por isso os desempregados terminam abandonados.
Bem, quanto ao plano de Obama: requer US$ 200 bilhões em novos gastos -boa parte dos quais em coisas das quais necessitamos de qualquer maneira, tais como reparos nas escolas e redes de transporte, e medidas para evitar a demissão de professores - e US$ 240 bilhões em cortes de impostos.
O montante pode parecer muito elevado, mas não é. O efeito persistente do estouro da bolha na habitação e a dívida domiciliar remanescente criam um rombo anual de cerca de US$ 1 trilhão na economia dos EUA, e o novo plano -que não concretizaria todos os seus benefícios no primeiro ano - só supriria em parte essa lacuna. E não está claro até que ponto os cortes de impostos seriam efetivos como estímulo ao consumo e investimento.
Ainda assim, o plano seria muito melhor que nada, e parte de suas medidas, especialmente as destinadas a promover incentivos à contratação de pessoal, poderiam produzir resultado alto em termos de empregos gerados.
O cabelo de Obama talvez não esteja em chamas, mas certamente está soltando fumaça e devemos ser gratos por ele perceber até que ponto a situação é desesperada.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

The Economist põe nossos PIBs estaduais no mapa do mundo

Reportagem da The Economist faz a equivalência do PIB dos estados brasileiros (como já fez com estados de outros lugares) com o PIB de outros países. Procura com isso dar uma noção mais exata do que realmente representa hoje esse Brasil em ascensão no cenário mundial.  (Clique no mapa para ampliar)

Comparando os PIBs dos estados brasileiros com países
A ideia de que o Brasil está na vanguarda de um grupo de países emergentes em seu caminho para o estrelato das superpotências econômicas é tão amplamente aceita que se tornou banal. Mas até que ponto chegou o Brasil rumo a esse estrelato? Uma maneira de obter resposta rápida é comparar os estados brasileiros com países. O mapa abaixo apresenta os países equivalentes para todos os estados em termos de PIB, PIB per capita e população. Ele levanta algumas curiosidades: quem sabia que Alagoas, um Estado no Nordeste que atualmente é mais famoso por sua taxa de homicídio do que por suas magníficas praias, tem o mesmo PIB per capita da China? Ele também sugere que mesmo os estados comparativamente ricos nas regiões Sul e Sudeste ainda têm algum caminho a percorrer antes que possam ser comparados com os lugares ricos no Hemisfério Norte. Os gaúchos do Rio Grande do Sul não ficarão necessariamente felizes ao saber que o PIB per capita de seu estado é próximo ao do Gabão.
Clique aqui para ver o mapa completo.
Aqui para ver o dos Estados Unidos.
Aqui, China.
E aqui Índia.


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A autonomia do Banco Central está em “cheque”


É isso mesmo, o Banco Central o tempo todo tem que checar nossa economia, saber o que é melhor para torná-la mais forte, buscar contribuir para que a sociedade seja beneficiada pelas ações econômicas. Está lá em destaque no seu site qual é a missão: “Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro forte e eficiente”. Ou seja, tem que controlar a inflação, com certeza, mas não pode esquecer que não existe “sistema financeiro forte e eficiente” sem princípios sociais. Pode parecer meio tatibitate, mas essa é que é a verdade. A autonomia do Banco Central só ficará em jogo se ele se desviar da missão que tem e entrar no jogo do cassino financeiro. O resto é blefe oposicionista.
O Banco Central mostrou que, como todo o Governo, está sintonizado não apenas na economia brasileira, mas também no momento da economia mundial. Temos que ficar de olho na inflação sem perder de vista a retração de Estados Unidos/Europa. Para nos proteger, temos que valorizar o mercado interno, evitar os países “chupa-cabra” e proteger nossa moeda para aumentar as exportações. Quem não pode ficar em xeque é o País.
Gostei da análise feita ontem pelo colunista da Folha, Vinicius Torres Freire, na contramão dos analistas convencionais:

JURO DESPENCAVA NO MERCADO DESDE JULHO
BC será criticado por "falta de autonomia", mas finança também previa piora grave na economia mundial

Hoje será dia da divulgação de notas de falecimento da autonomia do Banco Central e de diagnósticos sobre o enlouquecimento de seus diretores. O motivo, claro, terá sido a decisão do BC de baixar a taxa "básica" de juros de 12,5% para 12%, como que atendendo a pedido quase explícito de Dilma Rousseff.
Para juntar insulto à injúria, o talho nos juros ocorre quando a inflação ainda anda pela casa dos 7% anuais.
Mas, antes de assistir ao teatro das reações estereotipadas, é preciso prestar atenção a uns fatos da vida.
Primeiro, lembre-se que a taxa "básica" de juros futuros no mercado começou a desabar no início de agosto.
Em termos reais, descontada a inflação, caiu de 6,9% no final de julho para 5,9% em 19 de agosto. Ontem, estava em 5,5%. No pico da campanha de juros do BC, fora a 7,2% (início de julho).
O que houve no início de agosto? O tumulto da dívida dos EUA. Medo de calote de governos e quebra de bancos na Europa. Histeria no mercado financeiro. Ficou claro que a economia do mundo rico voltaria ao vinagre.
O mercado ajusta sua taxa "básica" com um olho na economia real e outro na política de juros do BC.
Em agosto, o governo começou a falar em novo "mix" de política econômica para enfrentar a crise mundial rediviva: menos gasto ajudaria o BC a reduzir juros; o BC insinuou ter gostado da ideia.
No mundo rico, ficou claro que não haveria gasto público adicional para estimular economias em quase coma. A recaída recessiva mundial bateria no Brasil, que também cresceria menos e, assim, teria menos inflação.
Logo, a tendência dos juros seria, em tese, de queda. O BC usou ontem esse argumento para justificar o corte dos juros. Mas o mercado vinha na mesma toada.
Segundo, note-se que, se o BC está louco, não é de agora. Desde o início do ano diz que a fraqueza da economia mundial levaria preços importantes para baixo, como os de commodities (petróleo, comida, minérios). Nessa campanha de alta de juros, forçou bem menos a mão que a diretoria do BC anterior, nas altas de 2008.
O Banco Central está certo? A prova do pudim será comê-lo. Pela nota divulgada ontem, o BC pinta um quadro muito ruim para a economia mundial e, mais importante, acha que o Brasil será contaminado de modo relevante, o que não é consensual.
Antes mesmo do corte de ontem, BC e mercado já divergiam sobre a inflação. Com Selic a 12,5%, o BC previa inflação de 4,8% em abril de 2012. O pessoal mais certeiro do mercado previa pelo menos 5,6%.
Pode ser que dê errado. Ainda assim, não haverá "descontrole inflacionário". Enfim, os problemas econômicos do Brasil estão muito além de meio ponto para cá ou para lá na taxa de juros.