quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Reaproximação Brasil-Estados Unidos: mais uma aula de pragmatismo


Pragmatismo, como já falei aqui, é inerente à política. Muitas vezes as pessoas estranham e chegam a “acusar” um político de pragmatismo – na verdade, seria um elogio. Deixar de ser pragmático é que seria absurdo, acabaria com a política, acabaríamos no puro dogmatismo. Pragmatismo é a troca entre políticos, visando avançar na política que cada um defende. É aquele passo atrás (ou ao lado) que se dá para poder dar dois passos à frente. O que não podemos é confundir “pragmatismo” com “metamorfismo”, quando se deixa de ser uma coisa para transformar-se em outra inteiramente diferente. Na política externa é mais fácil compreender – e até apoiar – o pragmatismo, porque (quase) todos entendemos que, desde que seja para defender os interesses do Brasil, podemos ceder aqui ou acolá para ganharmos mais adiante. E o nosso Itamaraty tem dado um show de competência nesse item. Agora mesmo estamos assistindo a mais uma demonstração disso.
O que mais se diz por aí é que há um choque entre a política externa de Dilma e a de Lula – o que me parece uma grande bobagem. Entre os vários argumentos estaria uma reaproximação Brasil-Estados Unidos, que seria impossível no Governo Lula. Quero lembrar que no dia 4 de janeiro postei aqui (“En garde: o Governo Dilma entra em campo para vencer”) que “Estados Unidos e Europa, envolvidos até a alma com a crise iniciada em 2008, tendem a se tornar cada vez mais agressivos internacionalmente, em busca de saídas para a estagnação e o desemprego. É necessário que o Itamaraty saiba neutralizar a fúria dos desenvolvidos. Deve buscar entre eles aliados e parcerias, sem que isso signifique conter os avanços e a opção preferencial que fizemos junto à América Latina, África, Oriente Médio e a outros países emergentes”. Certamente essa reaproximação teve início ainda no Governo Lula, sem que isso pudesse ser revelado (nem mesmo pelo Wikileaks...). Não podemos sobreviver à guerra cambial que está em curso enfrentando simultaneamente os maiores interessados nela, Estados Unidos/Europa e China. Não podemos manter uma política externa independente, se ampliarmos a dependência de commodities para a China e ainda termos de suportar a enxurrada de seus produtos prejudicando nossa indústria (não tem por que sairmos dos braços de um para simplesmente cairmos nos braços de outro...). Até agora estamos nos saindo bem, mas temos que pensar no futuro. Por tudo isso, é muito bom ver a notícia que saiu no Bloomberg ontem revelando que Brasil e Estados Unidos pretendem se aliar no combate à desvalorização artificial da moeda chinesa (“Brazil Will Work With Obama to Counter Rising China Imports, Official Says”). Da mesma forma, foi bom o adiamento da compra dos caças (como fez Lula), porque os franceses estavam agindo como “taken for granted” (ou “pris pour acquis”...). Não custa nada uma boa rediscussão, deixarmos evidente que nossa soberania é inegociável. A política externa estabelecida no Governo Lula permite, hoje, nos reaproximarmos dos Estados Unidos sem que isso signifique baixar a cabeça e tirar o sapato, como se fazia antes, nem signifique animosidade com China e outros parceiros novos. O importante é deixar claro que esse tom de voz afinado com os Estados Unidos não vai desafinar em defesa de nossos interesses geopolíticos. Nossas riquezas amazônicas e o pré-sal são intocáveis. Nossa política de apoio à América Latina e à África, a todos os povos em desenvolvimento, não vai esmorecer. Nossa altivez não está em jogo. Continuaremos altivo e ativos, como disse Celso Amorim. Sem que isso signifique deixar de lado o pragmatismo.