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domingo, 28 de agosto de 2011

FolhaLeaks: mais uma vez a diplomacia americana demonstra arrogância e incompetência


A reportagem da Folha de hoje divulgando documentos do Itamaraty que foram sigilosos é um belo serviço à inteligência. Ou melhor: é a melhor demonstração de que arrogância e burrice estão intrinsecamente ligadas, têm a mesma matriz. Os documentos, de mais de 10 mil páginas, foram produzidos pelo Itamaraty e embaixadas brasileiras no período de 1990 a 2001, correspondente aos dos governos de Collor, Itamar e FHC (pelo Brasil) e de Bush pai, Clinton e Bush filho (pelos Estados Unidos). São 261 mensagens confidenciais que trazem “acusações de espionagem, violação de correspondência e de bagagens de diplomatas, além de críticas à política norte-americana”. Mas acima de tudo documentam a arrogância da “diplomacia” dos nossos “irmãos” do Norte. Vejam alguns trechos da reportagem:
Entre 1992 e 1993, lacres metálicos foram rompidos e as autoridades alfandegárias norte-americanas em Miami tentaram submeter as malas diplomáticas brasileiras a análises de raio-x, incluindo uma remessa proveniente da embaixada em Havana.
Em novembro (de 1992), o consulado informou que o secretário Fernando Vidal, do correio diplomático de Havana, "foi retido por funcionário da alfândega norte-americana para averiguações" sobre a bagagem que trazia de Cuba em avião de carreira.
O tratamento dado a turistas brasileiros pelos EUA nos consulados e na imigração foi tido como "inadequado" e "degradante" pelo Brasil. O então chanceler Celso Amorim, definiu como "inadequado" o tratamento e "motivo de humilhação" os questionários para obtenção de visto. O embaixador norte-americano Melvin Levitsky na ocasião (1994) admitiu que problemas aconteciam porque os EUA desconfiavam do Brasil – segundo ele, país com grande número de portadores de documentos falsos, só atrás de México e El Salvador.
Em 2000, foi chamado de "degradante" o tratamento dado a diplomata brasileiro, algemado e detido em cela após dizer, em tom jocoso, que o embrulho que levava era uma bomba. Há relatos de brasileiros, com vistos, que foram barrados e presos.
Em março de 2001, a poucos dias de uma visita do presidente Fernando Henrique Cardoso ao colega recém-eleito George Bush, os telefones da Embaixada do Brasil em Washington (EUA) começaram a ter uma "sensível perda de qualidade" e ficaram "praticamente" mudos. O embaixador brasileiro à época, Rubens Antonio Barbosa, encomendou uma varredura nos telefones. Técnicos lhe disseram que problemas semelhantes vinham ocorrendo em outras embaixadas, sempre às vésperas de visitas de presidentes e autoridades dos países. A primeira checagem nos aparelhos não encontrou sinais de grampo. Mas, dois meses depois, uma nova inspeção confirmou as suspeitas do embaixador.
O embaixador contou, em recado para o então ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, que "descobriu-se o que pareceria ser uma ligação telefônica direta entre o prédio da Chancelaria [brasileira] e o Departamento de Defesa norte-americano". "A ligação opera à semelhança de um ramal interno, isto é, ao se discar o dígito '0' atende uma telefonista daquele órgão do governo dos EUA", relata Barbosa.
Há inúmeras “gracinhas” desse tipo. E a arrogância é tanta que o Presidente, em 1990, o ex-Presidente Jimmy Carter (Democrata!) pretendeu participar do comitê preparatório para realização da ECO-92, no Rio! E o Senador Edward Kennedy (também Democrata!) pressionou (1992) o Brasil para cumprimento ao embargo praticado contra o Haiti.
As barbaridades são infindáveis. E o pior é que foram feitas contra um país tido como um dos principais aliados dos governos norte-americanos. Pura burrice. Com toda certeza, bastariam relações minimamente civilizadas para que o Brasil da época colocasse a proximidade com os Estados Unidos como principal objetivo estratégico. Foi essa arrogância absurda que valorizou o trabalho do WikiLeaks. Afinal, nada melhor do que colocar o prepotente no seu devido lugar. Mas ainda existe uma curiosidade que me deixa intrigado: o ex-Chanceler do Governo Fernando Henrique, Celso Lafer, aquele que tirou o sapato diante dos funcionários da Alfândega americana, disse à Folha que, “passados quase 20 anos dos incidentes, não se recordava dos problemas em Miami”. Pode?
Link para os documentos aqui.

sábado, 18 de junho de 2011

Cesar Maia acaba de descobrir o óbvio: a política externa brasileira não mudou com Dilma/Patriota


Em artigo publicado hoje na Folha, “Política externa” (aqui, para assinantes), Cesar Maia mostra-se decepcionado porque a política externa brasileira conduzida por Dilma e Patriota não se difere substancialmente da que vinha sendo adotada por Lula e Celso Amorim. E assinala pontos para demonstrar a continuação de uma política externa que obviamente não lhe agrada.
“Na decisão do Conselho de Segurança da ONU sobre a Líbia, o Brasil se absteve, com a Rússia e a China”. Segundo Cesar Maia, seria “um aval ao desequilibrado Gaddafi”. Na verdade, significou não dar aval a uma decisão desequilibrada, que prometia evitar mortes de civis e mostrou-se mera “caça a Kadafi” (que até então contava com apoio ocidental), implicando matança de civis e destruição do país. Hoje, até o Congresso americano questiona o que está sendo feito.
“A pressão sobre o Congresso para rever o acordo de Itaipu”. Segundo Cesar Maia, estaríamos criando “um grave precedente” sem justificativa geopolítica. Mas ele não entende que “pragmatismo e solidariedade são as referências primordiais que deverão continuar pautando a crescente atuação brasileira nos planos global e regional”  (*). O Brasil “defende interesses definidos do país e da América do Sul, esta sim prioridade da plataforma exterior do país” (*). Apoiar política e economicamente o Paraguai e outros países da região faz parte da nossa estratégia.
“A ostensiva atuação do governo, e do PT, na eleição peruana”. Aqui, Cesar Maia se excede ao acusar o nosso governo de atuar “suavizando a imagem do candidato chavista Ollanta Humala”. Talvez ele preferisse ações que estigmatizassem ainda mais Ollanta Humala, empurrando-o para posições radicais que possibilitassem a vitória da filha (e digna representante) de Alberto Fujimori, aquele ex-presidente famoso por seu “autogolpe” e que cumpre pena por “abuso dos direitos humanos e sequestro”.
“A decisão do STF sobre o caso do terrorista assassino Cesare Battisti teve claro envolvimento do governo Dilma, antes e depois, por meio do ministro da Justiça”. Cesar Maia alega que agora “o país enfrenta um constrangimento com os italianos, que fazem parte da formação econômica e cultural do Brasil contemporâneo”. Só falta agora Cesar Maia defender com unhas e dentes a política de “tirar os sapatos” do Governo Fernando Henrique – isso, sim, bastante constrangedor. É bom recordar que também a França não se importou com “constrangimentos” quando deu asilo a Battisti.
“A legitimidade do discurso e a coerência de suas posições de Estado são componentes essenciais do patrimônio diplomático acumulado pelo Brasil” (*). Talvez quem mais agrediu esse patrimônio foi exatamente o Governo Fernando Henrique, por ter defendido “pés descalços” diante dos Estados Unidos, principalmente quando radicalizou na liberalização, privatização e desregulação de nossa economia, atendendo as diretrizes do “Consenso de Washington” (principal responsável pela crise de 2008-2009). Felizmente, ao contrário do que pretendia Cesar Maia e toda a oposição liberal-conservadora, a política externa brasileira atual mantém-se coerente. Assim como acontecia no período Lula/Celso Amorim, não pretende se afastar dos propósitos desenvolvimentistas e nacionalistas que estão contribuindo para um país menos desigual internamente e de altivez nas relações internacionais. O choro dos descontentes não representa os interesses nacionais.
(*) trechos de um trabalho nota 10 sobre política externa
Acrescento essa interessante entrevista do economista Darc Costa sobre a "América do Sul e a nova geopolítica" para o programa Milênio. Clique aqui.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Celso Amorim e a revolução BRICS: "Ser radical é tomar as coisas"


Artigo do ex- Ministro Celso Amorim, ontem, na Carta Capital:

Ser radical é tomar as coisas
Celso Amorim
Os líderes (no caso do Brasil, a líder) dos cinco países emergentes que, com a adesão da África do Sul, hoje compõem os BRICS reuniram-se em Sanya, na China, em 14 de abril último. A entrada da África do Sul é bem-vinda por trazer a África para esse grupo, cuja crescente importância no cenário internacional já não é mais contestada. Evidentemente, os pessimistas profissionais continuam a apontar diferenças de interesses entre os membros dos BRICS, traduzindo, em verdade, seu desconforto com a criação desse grande espaço de cooperação entre países até há pouco considerados subdesenvolvidos.
O mundo assiste à ascensão dos BRICS com um misto de esperança (de dividir encargos) e temor (de compartilhar decisões). Com o surgimento dos BRICS, chega ao fim a época em que -duas ou três potências ocidentais, membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, podiam reunir-se numa sala e sair de lá falando em nome da “comunidade internacional”.
Tive oportunidade de participar dos primeiros movimentos que deram origem ao nascimento dos BRIC (então sem o “S”). Ou para usar uma terminologia que tomo emprestada da filosofia, da passagem dos BRIC de uma realidade “em si”, identificada pelo analista de mercado Jim O’Neill, para uma realidade “para si”. Foram necessários quatro ou cinco anos para que esses países assumissem sua identidade como grupo. O primeiro passo nesse sentido foi o convite do ministro do Exterior russo, Sergei Lavrov, para que os chanceleres dos quatro países se reunissem à margem da Assembleia Geral da ONU. Foi um encontro pouco estruturado. Interação mesmo, se é que houve, ficou restrita ao ministro russo e a mim.
No ano seguinte, tomei a iniciativa de convidar meus colegas para um almoço de trabalho na residência oficial da nossa representante permanente junto à ONU, Maria Luiza Viotti. Foi durante esse encontro que se tomou a decisão, inicialmente vista com certa reserva pela China, de convocar reunião a ser realizada em um dos países – e não como mero apêndice da pesada agenda dos ministros durante a Assembleia Geral. Assim, em maio de 2008, realizou-se a primeira reunião formal dos BRIC, na fria cidade russa de Ekaterinbrugo, no limite da Europa com a Ásia, com direito a declaração final e tudo o mais, ainda em nível de ministros. No ano seguinte, teve lugar, também na Rússia, a primeira cúpula de líderes. Antes disso, houve a tentativa, que acabou limitada a uma foto, de um encontro dos quatro, à margem da reunião do G-8 com alguns países em desenvolvimento, no Japão. Em 2010, ocorreu a Cúpula de Brasília, que quase não mereceu -atenção da mídia -brasileira, mas que motivou um documentário da tevê franco-alemã, a ARTE. E agora tivemos a Cúpula de Sanya, na China
E o que se nota ao longo desse processo? Primeiro, obviamente, a consolidação do grupo. Quando o Brasil propôs sediar a reunião do ano passado, a oferta foi aceita quase como um gesto de cortesia para com o presidente Lula, já que se tratava do final do seu mandato. Agora, sem que nada equivalente esteja ocorrendo, já se fixou a próxima cúpula para o ano que vem na Índia. Em suma, os líderes dos BRICS já não têm dúvidas sobre a importância de se reunir para discutir a cooperação entre eles e temas de interesse global, das finanças ao comércio, da energia à mudança do clima. Mais significativo, vencendo uma inibição que se fazia notar, sobretudo da parte da China, não hesitaram em tratar de questões relativas à paz e segurança internacionais. Em relação à Líbia, reafirmaram o desejo de encontrar uma solução “por meios pacíficos e pelo diálogo”. De forma mais geral, referindo-se ao Oriente Médio e à África, reafirmaram que o uso da força deve ser evitado. Como assinalou o comentarista do Financial Times, Gideon Rachman (embora eu discorde de sua análise das motivações), a intervenção anglo-franco-norte-americana na Líbia talvez seja o último hurrah! do que ele chama de intervencionismo liberal. Lembrando que Brasil, Índia, Rússia e China se abstiveram da resolução que autorizou “todas as medidas necessárias” para o estabelecimento da zona de exclusão aérea e a proteção da população civil, Rachman afirma que esses países, “as potências econômicas em ascensão”, são céticas sobre tal conceito. Aliás, se o Conselho voltar a reunir-se sobre o tema, é muito provável que a África do Sul, recém-ingressada nos BRICS e tendo de levar em conta posições mais recentes da União Africana, acompanhe seus novos companheiros de grupo. Isso deixaria a coalizão que apoiou o uso da força dependente de um único voto para qualquer nova ação que deseje tomar.
Bem… quais as consequências disso tudo? É que, com reforma ou sem reforma do Conselho de Segurança, já não será mais possível, por muito tempo, que um grupo de potências ocidentais decrete qual é a vontade da comunidade internacional. Da mesma forma que já não é possível para o G-7 (o G-8, do ponto de vista econômico, é uma ficção) ditar as regras que depois restaria ao FMI, ao Banco Mundial ou à OMC implementar. É evidente que, enquanto o Conselho da ONU não for efetivamente reformado, tudo será mais complicado e as grandes potências que emergiram vitoriosas da Segunda Guerra Mundial, especialmente os Estados Unidos, continuarão a barganhar apoios de Rússia e China, mediante concessões casuísticas, como fizeram por ocasião da adoção de sanções contra o Irã. Mas a tarefa será cada vez mais difícil. O surgimento dos BRICS no formato atual constitui uma verdadeira revolução no equilíbrio mundial, que se torna mais multipolar e mais democrático. Às vezes, as revoluções (refiro-me às verdadeiras, é claro) exigem tempo para se institucionalizarem. Mas isso acaba, inevitavelmente, ocorrendo.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Reaproximação Brasil-Estados Unidos: mais uma aula de pragmatismo


Pragmatismo, como já falei aqui, é inerente à política. Muitas vezes as pessoas estranham e chegam a “acusar” um político de pragmatismo – na verdade, seria um elogio. Deixar de ser pragmático é que seria absurdo, acabaria com a política, acabaríamos no puro dogmatismo. Pragmatismo é a troca entre políticos, visando avançar na política que cada um defende. É aquele passo atrás (ou ao lado) que se dá para poder dar dois passos à frente. O que não podemos é confundir “pragmatismo” com “metamorfismo”, quando se deixa de ser uma coisa para transformar-se em outra inteiramente diferente. Na política externa é mais fácil compreender – e até apoiar – o pragmatismo, porque (quase) todos entendemos que, desde que seja para defender os interesses do Brasil, podemos ceder aqui ou acolá para ganharmos mais adiante. E o nosso Itamaraty tem dado um show de competência nesse item. Agora mesmo estamos assistindo a mais uma demonstração disso.
O que mais se diz por aí é que há um choque entre a política externa de Dilma e a de Lula – o que me parece uma grande bobagem. Entre os vários argumentos estaria uma reaproximação Brasil-Estados Unidos, que seria impossível no Governo Lula. Quero lembrar que no dia 4 de janeiro postei aqui (“En garde: o Governo Dilma entra em campo para vencer”) que “Estados Unidos e Europa, envolvidos até a alma com a crise iniciada em 2008, tendem a se tornar cada vez mais agressivos internacionalmente, em busca de saídas para a estagnação e o desemprego. É necessário que o Itamaraty saiba neutralizar a fúria dos desenvolvidos. Deve buscar entre eles aliados e parcerias, sem que isso signifique conter os avanços e a opção preferencial que fizemos junto à América Latina, África, Oriente Médio e a outros países emergentes”. Certamente essa reaproximação teve início ainda no Governo Lula, sem que isso pudesse ser revelado (nem mesmo pelo Wikileaks...). Não podemos sobreviver à guerra cambial que está em curso enfrentando simultaneamente os maiores interessados nela, Estados Unidos/Europa e China. Não podemos manter uma política externa independente, se ampliarmos a dependência de commodities para a China e ainda termos de suportar a enxurrada de seus produtos prejudicando nossa indústria (não tem por que sairmos dos braços de um para simplesmente cairmos nos braços de outro...). Até agora estamos nos saindo bem, mas temos que pensar no futuro. Por tudo isso, é muito bom ver a notícia que saiu no Bloomberg ontem revelando que Brasil e Estados Unidos pretendem se aliar no combate à desvalorização artificial da moeda chinesa (“Brazil Will Work With Obama to Counter Rising China Imports, Official Says”). Da mesma forma, foi bom o adiamento da compra dos caças (como fez Lula), porque os franceses estavam agindo como “taken for granted” (ou “pris pour acquis”...). Não custa nada uma boa rediscussão, deixarmos evidente que nossa soberania é inegociável. A política externa estabelecida no Governo Lula permite, hoje, nos reaproximarmos dos Estados Unidos sem que isso signifique baixar a cabeça e tirar o sapato, como se fazia antes, nem signifique animosidade com China e outros parceiros novos. O importante é deixar claro que esse tom de voz afinado com os Estados Unidos não vai desafinar em defesa de nossos interesses geopolíticos. Nossas riquezas amazônicas e o pré-sal são intocáveis. Nossa política de apoio à América Latina e à África, a todos os povos em desenvolvimento, não vai esmorecer. Nossa altivez não está em jogo. Continuaremos altivo e ativos, como disse Celso Amorim. Sem que isso signifique deixar de lado o pragmatismo.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

En garde: o Governo Dilma entra em campo para vencer


O objetivo maior de Dilma Roussef é dar continuidade ao Novo Brasil iniciado pelo Governo Lula. Um Brasil que não se conformou com a democracia formal e abriu caminho para uma democracia social, com participação popular e com direitos econômicos e sociais para a grande maioria “esquecida” da população. Dilma Roussef com certeza estará empenhada nessa continuidade – e terá consciência de que o seu maior desafio será ter que enfrentar a oposição elitista sem ter o mesmo carisma de Lula. Entre os desafios imediatos, vejo a política de juros e a política externa como os mais complexos e que exigem movimentos feitos com muita precisão.
Não há quem discorde de que não podemos manter o real supervalorizado, sob pena de naufragarmos no mercado internacional. Com os Estados Unidos e a Europa em crise, fazendo de tudo para conquistar mercados, e com a China forçando a desvalorização do yuan, ficaremos extremamente fragilizados com essa taxa de juros alta que traz mais e mais dólares para sobrevalorizar o nosso real. Mas como fazer para baixar juros com a economia aquecida e a inflação aproximando-se ameaçadoramente? Fala-se em redução do gasto público, aplicação de tarifas e outras medidas, algumas talvez necessárias, mas nenhuma milagrosa. A necessidade de competitividade internacional e a necessidade de conter a ameaça inflacionária continuarão juntas, em oposição, pondo à prova a nova equipe econômica. Mas não se pode, de forma alguma, tirar de perspectiva desenvolvimento com investimento social.
Na política externa, os desafios imediatos não são menores, exigindo mais e mais do tradicional pragmatismo do Itamaraty. Estados Unidos e Europa, envolvidos até a alma com a crise iniciada em 2008, tendem a se tornarem cada vez mais agressivos internacionalmente, em busca de saídas para a estagnação e o desemprego. É necessário que o Itamaraty saiba neutralizar a fúria dos desenvolvidos. Deve buscar entre eles aliados e parcerias, sem que isso signifique conter os avanços e a opção preferencial que fizemos junto à América Latina, África, Oriente Médio e a outros países emergentes. Além disso, esse tom de voz (necessário, e que só foi possível graças à política dos últimos 8 anos) mais afinado com os Estados Unidos não pode desafinar em defesa de nossos interesses geopolíticos. Nossas riquezas amazônicas e o pré-sal são intocáveis. Nossa política de apoio à América Latina e à África, a todos os povos em desenvolvimento, não pode esmorecer. Nossa altivez não está em jogo. Continuaremos altivo e ativos, como disse Celso Amorim. É só uma questão de saber movimentar com firmeza as peças do tabuleiro internacional, sem jamais abrir mão do que já conquistamos.
Dilma já demonstrou sua capacidade de luta e de gerenciamento e obviamente assimilou muito do jogo político de Lula. Tenho certeza que sairá vitoriosa. Touché!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Rio Branco e Amorim, referências para o Brasil no mundo

 Excelente texto de João Daniel (que também é do Curso Clio) para a Folha.


Barão do Rio Branco x Celso Amorim
João Daniel Lima de Almeida
Especial para a Folha
Não é trivial que, 98 anos após o falecimento do patrono da diplomacia brasileira --em pleno Carnaval, é bom lembrar-- um chanceler tenha finalmente ultrapassado-o em tempo de permanência no cargo, ainda que de modo não-contínuo.
Ousar comparar os períodos do barão do Rio Branco (1902-12) e de Celso Amorim (1993-4 e 2003-10) há de levantar criticas. Críticas metodológicas, pois os puristas recusam a possibilidade de comparar períodos tão distintos da história nacional, e críticas político-ideológicas, naturais quando se tratam de personalidades vivas e atuantes, ainda mais se ombreadas à ícones, como é o caso do Barão. Ciente dos riscos, assumo a tarefa.
Três foram os principais desafios enfrentados pelo Barão do Rio Branco no período de sua chancelaria ao longo de quatro presidentes (Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca): 1) A rivalidade com os argentinos; 2) A defesa contra o imperialismo europeu; e, 3) A resolução dos problemas de limites brasileiros.
O primeiro problema permaneceria mesmo após sua gestão, e muitas das tentativas do Barão em equalizá-lo não deram resultados de curto prazo. Com nosso principal vizinho multiplicaram-se tensões comerciais, de imigração e até militares, como se viu no episódio do reaparelhamento naval do Brasil.
O segundo problema foi significativamente equacionado ao longo de sua gestão. Não desapareceu, mas diminui dramaticamente. O Brasil passa a ser respeitado na Europa e não se repetem episódios como o da ocupação brasileira da Ilha de Trindade pelos ingleses (1895) ou intervenção naval como a que ocorreu durante a revolta da Armada (1893) ou anos depois, na Venezuela (1902). No episódio conhecido como "O Caso Panther", a maior potência militar do mundo, a Alemanha, pediu desculpas ao Brasil por ter desembarcado marinheiros em território nacional sem autorização. O Brasil de Rio Branco não seria tratado como uma colônia européia.
É no triunfo sobre o terceiro problema que repousam os louros e glórias de José Maria da Silva Paranhos Jr. Sucesso é pouco! Se até hoje falamos 1 barão para se referir a mil cruzeiros, se o nome da capital do Acre, da principal avenida do centro do Rio de Janeiro e da prestigiosa escola diplomática brasileira levam seu nome, se o carnaval de 1912 foi interrompido por sua morte, é sobretudo porque, graças a ele, o Brasil é o único pais do mundo que, tendo dimensões continentais, não tem problemas de fronteiras com seus vizinhos. Em menos de 10 anos todas foram negociadas de modo pacífico, sem recurso às armas.
Duas estratégias foram essenciais para estes sucessos: 1) O americanismo e 2) a diplomacia do prestígio. E são essas estratégias que permitem melhor a comparação entre o Barão e Celso Amorim, já que, é claro, nossos objetivos de inserção internacional mudaram em um século.
A construção de uma 'aliança especial' informal com os EUA, à época maior comprador do nosso café, permitiu ao Brasil se beneficiar pragmaticamente nas disputas regionais. A Doutrina Monroe norte-americana garantiria proteção diplomática e, eventualmente militar, contra o imperialismo. A neutralidade norte-americana garantiu que o Barão não tivesse que se preocupar com intervenções estadunidenses em nossas questões de fronteiras. Exemplo paradigmático dessa estratégia foi o caso do Acre, arrendado pelos bolivianos à uma empresa de capital norte-americano (Bolivian Syndicate) foi indenizada pelo Brasil antes que isso pudesse chamar atenção do governo de Washington. Hoje, se o barão estivesse vivo, se aproximaria da China, da Índia, da África do Sul, que ocupam papel análogo de potências emergentes no cenário internacional. A diferença é que, no primeiro caso, havia assimetria clara de poder desfavorável ao Brasil. Hoje o Brasil quer fazer parte do clube de modo igualitário.
Já a "diplomacia do prestígio" ecoa até hoje na boca do nosso novo recordista do século 21. Superamos o "complexo de vira-latas". A melhora da imagem internacional do Brasil à época significou a abertura (ou reabertura, dado que Campos Salles, por economia de recursos havia fechado várias) de novas legações no exterior, além de estimular a criação de legações estrangeiras no Rio de Janeiro. Hoje o foco está na África e Ásia, onde cada nova embaixada (dezenas foram abertas) representa um voto potencial para as pretensões políticas brasileiras em foros multilaterais. A participação do Brasil em conferências internacionais (como a famosa conferência de Haia, na qual Rui Barbosa foi nosso delegado), tendo o Brasil sediado várias delas guarda analogias com as variadas siglas (BRIC, IBAS, ASPA, CASA, etc..) e Gês dos quais o Brasil faz parte hoje. O primeiro cardeal brasileiro (Joaquim Arcoverde) e as amplas reformas urbanas e sanitárias da capital com Pereira Passos e Oswaldo Cruz para "civilizar" o Rio de Janeiro, a vitória no concurso de arquitetura na exposição de Saint Louis com o Palácio Monroe (desmontado no governo Geisel), guardam hoje paralelo importante com a conquista da sede da Copa e das Olimpíadas.
Política externa é política de Estado, não de governo. No Brasil, o Itamaraty é o mais perto que se conseguiu chegar de uma burocracia de tipo weberiano e isso é garantia de continuidades, mais que de rupturas, na história de nossa política exterior. É como guiar um transatlântico, onde correções de rumo devem ser planejadas cuidadosamente com o olhar em cartas e instrumentos cuja trajetória futura é o guia do presente, ao contrário do Jet Ski ou da lancha, escravas da conjuntura e dos metros seguintes. Nesse leme, dez anos é muito tempo e os resultados de longo prazo. Se o barão serviu de paradigma por mais de meio século (seu legado durou, no mínimo, até a PEI em 1961), me parece que o atual modelo de inserção internacional brasileiro veio para ficar e guiará o Brasil no século XXI. Não como "vira-latas" do passado, ou como os rottweillers e Pitt-bulls americanos e soviéticos da guerra-fria, mas como um São Bernardo, grande e pacífico, respeitado por seus méritos e prestígio e não somente por sua força.
João Daniel Lima de Almeida é mestre em Relações Internacionais pela PUC-RJ

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O triste fim de um discurso diplomático


Excelente esse artigo (O triste fim de um discurso diplomático) de Marco Aurélio Garcia. Clareza, precisão, interessantíssimo, excelente leitura:

Não é fácil poder dar, em um período relativamente curto, duas entrevistas às páginas amarelas da revista Veja. É preciso estar muito afinado com o conservadorismo raivoso dessa publicação para merecer tal distinção.
Sei disso por experiência própria. Há muitos anos, um colunista-fujão de Veja dedicou-me um artigo cheio de acusações e insultos. Ingenuamente, enviei minha resposta a esta publicação, que se proclama paladina da liberdade de expressão. Meu texto não foi publicado e, para minha surpresa, li uma semana mais tarde uma resposta à minha resposta não publicada.
O embaixador-aposentado Roberto Abdenur teve mais sorte que eu. Emplacou uma segunda entrevista à Veja, talvez para retificar o tiro da primeira que concedeu (7 de fevereiro de 2007). Ou quem sabe para "compensar" o excelente depoimento do Presidente Juan Manuel Santos, na semana anterior, que não sucumbiu às tentativas da revista de opor o Brasil à Colômbia na América do Sul. Em sua primeira entrevista o diplomata destilava ressentimento contra o Ministro Celso Amorim que, num passado distante, o havia convidado para ser Secretário-Geral do Itamaraty e, mais recentemente, o havia enviado para uma de nossas mais importantes embaixadas – a de Washington. Abdenur preservava, no entanto, a política externa brasileira e, sobretudo, o Presidente Lula, que o havia designado como seu representante nos Estados Unidos.
Agora, tudo mudou. A crítica é global e dela não escapa nem mesmo o Presidente da República. Em matéria de política externa Lula não passa de um "palanqueiro", a quem o Itamaraty "não sabe dizer não". Faltando à verdade, o intrépito embaixador diz que nosso Presidente "começou a bater em Obama antes de eleito e não cansa de dar canelada no americano". Abdenur desconhece, ou finge desconhecer, as inúmeras manifestações de simpatia – e de esperança – que a eleição do atual Presidente norte-americano provocou em seu colega brasileiro. Ao invés disso, o ex-embaixador escorrega em rasteiro psicologismo ao detectar no Presidente Lula "um elemento de ciúme" em relação a Obama, pois este último lhe teria subtraído "a posição privilegiada no palanque global"...
Abdenur fez vinte anos de sua carreira diplomática durante o regime militar e não sofreu nenhum constrangimento. Até aí tudo bem. Muitos outros de seus contemporâneos tampouco foram perseguidos. Mas essa experiência profissional não lhe autoriza fazer analogias entre a política externa atual e aquela levada adiante nos primeiros anos da ditadura, quando chanceleres proclamavam que o que "é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil" ou patrocinavam o envio de tropas brasileiras para esmagar as mobilizações populares na República Dominicana.
É claro que aquelas inflexões da política externa brasileira foram tomadas por "razões ideológicas" (de direita). Mas a pergunta que não quer calar é: quando não temos motivações ideológicas na política, em particular na política externa?
Durante o Governo Geisel, quando Abdenur integrou o grupo dos "barbudinhos" do Itamaraty, foram resgatados princípios da Política Externa Independente de Santiago Dantas, Afonso Arinos e Araújo Castro, apresentados para a ocasião sob a eufemística denominação de "pragmatismo responsável". Mas aquela política – que tinha conteúdos progressistas, diga-se de passagem – também era expressão do projeto autoritário de "Brasil Potência" propugnado pelos militares. Tanto ela, como a Política Externa Independente do período Goulart-Jânio, tinham fortes componentes "ideológicos", como é normal em qualquer sociedade, democrática ou não.
É igualmente "ideológica" a reivindicação do ex-embaixador de que nossa diplomacia se alimente de "valores ocidentais". Mais do que ideológica, é ultrapassada e perigosa.
Ultrapassada, pois traz à memória os tempos da "guerra fria", quando se falava em "civilização ocidental e cristã" para esconder propósito profundamente conservadores.
Perigosa porque traz à tona e legitima a idéia de choque de civilizações (entre "oriente" e "ocidente") que os neo-conservadores têm defendido com tanta insistência nos últimos anos para justificar suas aventuras belicistas, queima de livros ou interdição de templos religiosos.
O ex-embaixador se alinha com as críticas da oposição brasileira contra a política externa atual. Seletivamente, ataca nosso bom relacionamento com Venezuela, Bolívia e Equador, supostamente motivado por afinidades ideológicas, esquecendo-se de mencionar nosso igualmente bom relacionamento com Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Motivado por que?
Escondendo-se detrás de "boa fonte boliviana bem informada", desconhece ou deliberadamente omite, a cooperação militar e policial que se desenvolve com a Bolívia e com outros países para fazer frente ao flagelo do narcotráfico na região.
É próprio do pensamento conservador tentar apropriar-se de valores universais para encobrir interesses particulares – de classe, estamento, grupo ou etnia. A história do Brasil está cheia de exemplos. Nosso liberalismo conviveu alegremente com a escravidão. Nossa República proclamou retoricamente, durante décadas, a cidadania plena e praticou a mais brutal exclusão econômica, social e política. Tudo isso à sombra o Iluminismo, dos ideais da Renascença, do Humanismo ou da Revolução Americana que o embaixador invoca em seu vago projeto diplomático.
O Presidente Lula, assim como quase todos governantes, manteve e mantém relações com Chefes de Estado e de Governo dos mais distintos países: de democráticos, de regimes teocráticos, de partido único ou de responsáveis por graves violações de direitos humanos em nível local ou global. Não será difícil encontrar os nomes dos países na tipologia antes aludida.
Esses relacionamentos não se devem a idiossincrasias presidenciais como, de forma desrespeitosa, pretende Abdenur. Eles se inserem no difícil esforço de construção de um mundo multilateral e, sobretudo, de um mundo de paz.
São muitos os caminhos para atingir esse objetivo. Vão do uso da força militar ao emprego das sanções que golpeiam mais ao povo do que aos governantes dos países atingidos. Mas há também o caminho da negociação, da diplomacia que não renuncia valores, mas que não faz deles biombo por traz do qual se ocultam inconfessáveis opções políticas e ideológicas, particularmente quando a sociedade brasileira é chamada a decidir seus destinos pelos próximos quatro anos.
P.S.: há algum tempo a imprensa noticiou que Roberto Abdenur estava dando cursos de política externa para os Democratas (ex-PFL). Não acreditei. Agora passei a acreditar.
Marco Aurélio Garcia é assessor para assuntos internacionais da Presidência da República.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Governo Fernando Henrique tirou o sapato e baixou a cabeça para Bush


Os tucanos estão nervosos porque Lula (lembrando que o Ministro Celso Lafer, tucano das Relações Exteriores, tirou o sapato para poder entrar nos Estado Unidos) declarou que, agora, “Ministro que baixar a cabeça e tirar o sapato será demitido”. Hoje, Celso Lafer está nos jornais tentando explicar o inexplicável do sapato. A verdade é que antes de Lula a política externa brasileira caracterizava-se por altíssima dose de submissão aos países mais ricos. No Dia do Diplomata, terça-feira, Lula lembrou também a reunião do G-8 da qual ele participou quando tinha poucos meses na Presidência. Ele chegou, quando já estavam vários presidentes presentes, e foi sentar em seu lugar. Pouco depois, Bush chegou e todos os presentes se levantaram. Lula falou para Celso Amorim: “Não vou levantar, não. Ninguém levantou pra mim, por que levantar para o Bush?” Permaneceu sentado e o Bush acabou vindo falar com ele e sentar ao seu lado. É disso que se está falando: de uma política externa altiva, independente, capaz de falar de igual para igual, mesmo que do outro lado da mesa esteja uma nação riquíssima. O Brasil de Lula atingiu um ponto no cenário internacional que tucano algum teve asas para alcançar. O brasileiro agora tem autoestima, e não vai querer voltar à vida derrotada da oposição. “Dá cá o pé, Lafer” nunca mais!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sou de Brasília!


Cheguei a Brasília em uma tarde de um domingo julhino. Peguei carona com o Alceu Gama, mineiro brasiliense, que tinha conhecido pouco antes no Rio. O fusquinha avançava pelo Eixão, ainda silencioso, deserto e barrento. Via aquilo tudo meio tenso, olhei pro Alceu e propus: “Vamos voltar?”
Felizmente não voltamos. Fomos encontrar a Flora, na Colina, que arranjaria um jeito de eu morar na UnB. Nesse mesmo domingo, conheci o “Marquês” (ou “Arataca”, ou “Marquês de Arataca”, hoje bem mais conhecido como Eliomar Coelho, cearense brasiliense, Vereador pelo PSOL do Rio de Janeiro, na época estudante de engenharia). Em Brasília fiz grandes amigos e conheci pessoas ótimas (por motivos diversos) que, infelizmente, não vou lembrar de todas. Teve o José Salomão David Amorim, o Hugo Mund Jr., o Aylê Salassiê, o Gougon, as irmãs Lu e Hileana, o Tarran, o Cildo Meireles, o Guilherme Vaz, o Tep, o Ludovico, a Denise (França) Bandeira, o Elmano,  Goreti, a Zezé Lindoso, a Cláudia Pereira (mãe da minha filha Maíra) e toda sua família muito carinhosa. No apartamento que fiquei, da Oca 1 (ou seria a Oca 2?), que dividia com o Werneck, eram realizadas frequentemente reuniões clandestinas, com a participação do Honestino (morto pela repressão). Eu não participava, tinha me afastado do Movimento.
Em Brasília, dirigi jornal, publiquei meus primeiros artigos sobre história em quadrinhos, fiz minhas primeiras poesias concretas e cheguei a participar da coordenação de uma pesquisa de opinião pública e do 1º Encontro Nacional dos Professores de Comunicação. Às vezes, à noite, subia no teto da antiga Reitoria para filosofar com amigos, cara a cara com aquele céu que não tem igual. Cada um de nós, claro, era de um lugar diferente do Brasil, mas todos nos sentíamos de Brasília, era um grito de guerra.
Foi um semestre intenso de UnB. Voltei a morar em Brasília, durante um ano, como Diretor de Criação da MPM Propaganda, e sempre me sinto muito bem quando estou na cidade, onde moram dois dos meus quatro filhos – Maíra, publicitária, e Hayle, diplomata. Ontem, véspera dos 50 anos, estive em Brasília para a cerimônia de Mestrado em Diplomacia do meu filho e fiquei muito emocionado. Principalmente com os discursos, do orador da turma, do Celso Amorim e de Lula – grandioso. Presenciei, mais uma vez em Brasília, esse Brasil novo, de cabeça erguida, mais forte, mais justo, sem medo de ser feliz.
Eu (que sou de Manaus, sou do Rio, sou de São Paulo, sou da selva, sou de Sena Madureira, sou de Rio Branco, sou de Miguel Pereira, sou de Fortaleza, sou de Belo Horizonte, sou de Nova York, sou de Wivenhoe) também sou como o Brasil – re-nasço em Brasília.
Texto para o blog Brasília Meu Amor, mantido por Maíra Gadelha, em homenagem ao aniversário de 50 anos.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Os movimentos com o Bispo que Lula faz no tabuleiro fluminense



Lula tem como objetivos eleitorais principais no Rio re-eleger Sérgio Cabral Governador e re-eleger Marcelo Crivella Senador. São objetivos óbvios (já que o estado do Rio de Janeiro, como terceiro colégio eleitoral do Brasil, é fundamental para alcançar o objetivo estratégico de eleger Dilma), mas que exigem muito conhecimento do jogo eleitoral. É verdade que fechar a parceria do PT local com o peemedebista Sérgio Cabral acabou sendo mais fácil do que aparentava inicialmente (o alarido de resistência feito por Lindberg acabou ficando pra trás em um belo en passant). Mas a eleição de Marcelo Crivella ainda cobra muita concentração de Lula. Os movimentos requerem precisão, por tratar-se de uma candidatura considerada estratégica em muitos aspectos. Crivella, afinal, representa o poder evangélico da Igreja Universal com sua Rede Record – espécie de fianchetto duplo (ou uma abertura Larsen) na proteção do Governo Lula de ataques frontais do Império Global.
Acontece que, apesar de sua liderança incontestável nas pesquisas, Crivella conta com altíssima taxa de rejeição, principalmente na Capital – e isso já lhe custou três derrotas para Prefeito e Governador. Seu partido, o PRB, é nanico e deve lhe garantir apenas algo em torno de ½ minuto por programa eleitoral de Rádio e TV, o que é insignificante. É necessário, portanto, que Crivella seja acomodado em uma aliança vencedora, que lhe dê tempo no Horário Eleitoral e abra espaço privilegiado em todas as regiões. E é aí que mora o problema.
Garotinho poderia ser uma alternativa, mas também está em partido nanico e ainda insiste em campanha de ataques-suicidas a Sérgio Cabral.  E a aliança principal em torno do PMDB e do PT já conta com seus próprios candidatos, Picciani e Lindberg (aliás Crivella acaba de ter grande avanço nesse campo, com o afastamento de Benedita da Silva, sua maior ameaça na conquista do eleitorado de perfil popular). Picciani, cacicão do PMDB, mesmo estando em posição difícil nas pesquisas, não recua nenhuma casa na decisão de candidatar-se ao Senado. E Lindberg, espécie de enfant terrible do momento, faz grande alvoroço, tornando complicado qualquer acordo.
O tempo está correndo e o Grande Mestre Presidente já fez uso de todas as táticas possíveis, sem sucesso. Trocou peão... fez roque... usou os cavalos... avançou a rainha... mas ainda não conseguiu efetuar o sonhado xeque-mate. Vai acabar tendo que virar o tabuleiro...

A título de curiosidade, lembro que “estratégico” é mesmo um adjetivo bastante colado em Crivella, já que os nomes para a pasta de Assuntos Estratégicos têm sido indicação sua. Temos como exemplo Mangabeira Unger e o atual titular, Samuel Pinheiro Guimarães (que, em seu ótimo livro “Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes”, faz dedicatória a Lula e Celso Amorim, e não deixa de agradecer a contribuição de Crivella). Vai ver que foi por isso que Lindberg andou insinuando que convidaria Celso Amorim para ser seu suplente na chapa para o Senado. Lula que não é bobo vetou.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sem Lula, Davos perdeu brilho – mas não deixou de levar um tapa na cara


O discurso de Lula para o Fórum Econômico Mundial, lido por Celso Amorim, tem força muito grande, até mesmo com sua ausência. Depois de agradecer o prêmio "Estadista Global", Lula passa a recordar o seu discurso de 2003, na sua primeira visita a Davos: “O olhar do mundo hoje, para o Brasil, é muito diferente daquele, de sete anos atrás, quando estive pela primeira vez em Davos. Naquela época, sentíamos que o mundo nos olhava mais com dúvida do que esperança. O mundo temia pelo futuro do Brasil, porque não sabia o rumo exato que nosso país tomaria sob a liderança de um operário, sem diploma universitário, nascido politicamente no seio da esquerda sindical. (...) Sete anos depois, eu posso olhar nos olhos de cada um de vocês – e, mais que isso, nos olhos do meu povo – e dizer que o Brasil, mesmo com todas as dificuldades, fez a sua parte. Fez o que prometeu”. Com isso, ele deu tapa na cara da Oposição. Mas serviu também, na comparação com o que o Brasil fez, para cobrar mudança dos países ricos. “O que aconteceu com o mundo nos últimos sete anos? Podemos dizer que o mundo, igual ao Brasil, também melhorou? (...) Pergunto: podemos dizer que, nos últimos sete anos, o mundo caminhou no rumo da diminuição das desigualdades, das guerras, dos conflitos, das tragédias e da pobreza? Podemos dizer que caminhou, mais vigorosamente, em direção a um modelo de respeito ao ser humano e ao meio ambiente? Podemos dizer que interrompeu a marcha da insensatez, que tantas vezes parece nos encaminhar para o abismo social, para o abismo ambiental, para o abismo político e para o abismo moral? (...) Gostaria de repetir que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza. Esta também é uma das melhores receitas para a paz. E aprendemos, no ano passado, que é também um poderoso escudo contra crise. Esta lição que o Brasil aprendeu, vale para qualquer parte do mundo, rica ou pobre”. Leia o discurso completo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Mídia de Bananas torce pelo golpista Micheletti

Na sua insana posição anti-tudo-que-é-Lula, a nossa mídia transformou-se em verdadeira Mídia de Bananas, apoiando o que existe de mais retrógrado no continente. Daqui a pouco o golpista Micheletti será saudado como “salvador das pátrias”. Na sua primeira página de hoje, o Globo estampa: “Nova versão põe Brasil no centro da operação Zelaya”. E que versão é essa? A declaração do presidente deposto, Manuel Zelaya, de que sua volta foi uma decisão pessoal e de que antes de refugiar-se na embaixada em Tegucigalpa teria consultado o presidente Lula e o chanceler Celso Amorim. Vejamos alguns pontos: 1) Como próprio Zelaya declara, foi uma decisão pessoal. 2) Quando foi a consulta? Todo mundo já sabia que quando Zelaya chegou com sua mulher à embaixada o nosso representante antes de recebê-los consultou Brasília. 3) Suponhamos que tenha sido antes – e daí? Em princípio nada mais natural que o presidente eleito de um país amigo visite nossa embaixada. Qual seria a resposta – “Não, você não pode nos visitar” ou “Não, porque o presidente golpista disse que não pode” ou “Não, porque nossa mídia não permite”, qual delas, digam, é a resposta certa? 4) Qual é o fato mais grave: o golpe militar ou o retorno do presidente eleito ao seu país? Claro que a nossa mídia prefere enxergar em Zelaya o verdadeiro golpista. É o que se traduz na coluna de hoje de Merval Pereira, “República de Bananas”, onde ele cita o advogado paulista Lionel Zaclis e reproduz trechos da Constituição de Honduras tentando provar que o golpista agiu legalmente: “De acordo com a Constituição de Honduras, como destacamos aqui ontem, o mandato presidencial tem o prazo máximo de quatro anos (artigo 237), vedada expressamente a reeleição. Aquele que violar essa cláusula, ou propuser-lhe a reforma, perderá o cargo imediatamente, tornando-se inabilitado por dez anos para o exercício de toda função pública.(...) Em 23 de março de 2009, o presidente Zelaya baixou o Decreto Executivo PCM-05-2009, estabelecendo a realização de uma consulta popular sobre a convocação de uma assembleia nacional constituinte para deliberar a respeito de uma nova carta política”. Como notamos aí, já que chegamos aos “pés das letras”, Zelaya não violou o artigo 237. Claro, os golpistas acharam um jeito de declarar a nulidade do decreto com “a suspensão dos efeitos, sob o fundamento de que produziria danos e prejuízos ao sistema democrático do país, de impossível ou difícil reparação, e em flagrante infração às normas constitucionais e às demais leis da República, para não falar dos prejuízos econômicos à sociedade e ao Estado, tendo em vista a dimensão nacional da consulta (grifos nossos).” Ora, tenham paciência! Isso não é coisa do Direito – é da Direita. Um presidente democraticamente eleito que propõe democraticamente uma consulta de dimensão nacional para aprovar ou não a discussão democrática sobre uma reforma da Constituição é deposto... em nome da democracia! Será que pirei de vez? Será que estou com cãimbras no cérebro e preciso do potássio das bananas?

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A América Latina não precisa de “jins das selvas”

O tempo “glorioso” dos Jungle Jins já acabou, e o Governo Obama sabe disso. Não existe mais espaço para os “super-heróis” que desciam ao nosso mundo para nos “salvar" dos “perigos" de todas as matizes. Por isso, Lula e Celso Amorim estão certíssimos quando exigem mais transparência nessa história da base americana na Colômbia. Esse papo que Jim Jones (assessor de Segurança Nacional da Casa Branca) traz na manga de que a base teria apenas uso doméstico é conversa pra gorila dormir. Os Estados Unidos certamente buscam ocupar pontos estratégicos abaixo da linha do equador, visando hegemonia política e de olho nas fontes de energia (pré-sal, Amazônia, etc.). Esse negócio da Força Aérea americana exaltar a autonomia de voos partindo da Colômbia e ao mesmo tempo defender o uso de uma base no centro colombiano, como plataforma de operações de longo alcance, soa hostil a todos os latinoamaericanos. Quem quiser ajudar a combater seriamente o narcotráfico será bem-vindo. Caso contrário, é melhor Jim desembarcar em outras selvas. Nota: Fui roteirista e comentarista de histórias em quadrinhos e sempre gostei do trabalho de Alex Raymond, autor de Jim das Selvas, Flash Gordon e Agente Secreto X-9.

domingo, 3 de agosto de 2008

A "Coisa" de Elio Gaspari

Reproduzo esse texto de Elio Gaspari, publicado hoje, com um sobrevôo bem interessante sobre a economia mundial das últimas décadas.
A ‘Coisa’ está aí, para comer quem não a vê
Ruiu a negociação para um ordenamento do comércio mundial. O petróleo está a 140 dólares o barril, e o tanque de um SUV bebe mais de cem dólares numa bomba de gasolina dos Estados Unidos.
Isso no andar de cima. No de baixo, o barro necessário para fazer cem biscoitos de terra com óleo de soja e sal na favela de Fort Dimanche, em Port au Prince, subiu 40% em um ano. Como diria Bob Dylan, “alguma coisa está acontecendo por aí, Mr. Jones, e você não sabe o que é.” Ninguém sabe, mas o melhor que se tem a fazer é reconhecer que a “Coisa” está acontecendo. Em 1973, quando o preço do barril de petróleo pulou de 2,90 dólares para 11,65, poucas pessoas perceberam que se acabara uma Idade de Ouro iniciada em 1949. Henry Kissinger, um dos donos do mundo à época, escreveria mais tarde: “A revolução do petróleo (…) era inevitável, mas sua inevitabilidade só foi vista depois.” Nessas horas, pequenos grupos de pessoas tomam decisões que mudam a história de um país. No Brasil de 1974, governando numa economia dependente de petróleo, o presidente Ernesto Geisel resolveu pisar no acelerador.
Aproveitou o dinheiro fácil do mercado mundial e foi buscar a manutenção de altas taxas de crescimento. Investiu na pesquisa e exploração do petróleo descoberto em 1974 na Bacia de Campos, lançou um programa de estímulo ao plantio de soja no cerrado e criou o Próaacute;lcool, destinado a substituir parte do consumo de gasolina. O etanol, o petróleo da plataforma continental e os grãos do cerrado tornaram-se alavancas do progresso nacional.Esse é o lado bom da história. No lado ruim, criou-se a lenda da “ilha de tranqüilidade” e tomou-se gosto pelo endividamento externo a juros camaradas. Ele passou de 12,5 bilhões de dólares no início de 1974 para 50 bilhões em 1979.
Nessa hora veio uma nova “Coisa”. Com a inflação americana a 13%, o presidente do Fed, Paul Volcker, jogou a taxa de juros para cima, levando-a a 21,5% no final de 1980. Resultado: dois anos depois o Brasil quebrou, entrando numa crise que mutilou os sonhos de uma geração Em 1993 um curioso encontrou com Volcker e comentou: “Lendo o seu livro de memórias, fica a impressão de que o senhor quebrou o Terceiro Mundo para salvar a banca americana (que emprestara dinheiro aos emergentes da época)”. Ele respondeu: “Esse era o meu serviço”.
A “Coisa” voltou a rondar a economia mundial, e Volcker, aos 80 anos, é um dos notáveis colaboradores de Barack Obama em sua campanha para presidente dos Estados Unidos. Ele não tem medo de cara feia. Na hipótese de um surto protecionista americano, o Brasil só tem a temer impulsos mágicos como os da Argentina dos Kirchner ou a tese da “ilha de tranqüilidade” da ekipekonômica dos anos 70. Um piripaco no mercado externo pode descarrilhar a economia de Pindorama, que exporta minério e importa trilhos com o dólar na casa dos R$ 1,50. O câmbio como política de controle da inflação quebrou o país em 1999, com uma cotação semelhante à de hoje. Pode-se não saber como será a “Coisa”, mas certamente ela não beneficia países que decidem se desindustrializar. À espera da “Coisa”, a China lançou um programa de construção de 200 cidades de três milhões de habitantes em dez anos. Ou seja, dez Campinas por ano. Isso significa, entre outras coisas, fé no mercado interno. A China não é boba e protegeu sua lavoura contribuindo para melar uma negociação na qual o Brasil concordara em abrir seu mercado industrial em troca de concessões futuras na área agrícola.
Hoje, os livros-texto de História contam com naturalidade que a crise dos anos 70 era inevitável e que uma alta dos juros americanos em 1980 era tão certa quanto o nascer do sol. Quem disser que sabe como será a primeira “Coisa” do século XXI estará num exercício de presunção ou desperdiçará uma oportunidade de ficar rico investindo nas suas expectativas. Uma coisa é certa: em qualquer crise e qualquer tempo, quem contrapôs a teoria da “ilha de tranqüilidade” às ameaças da “Coisa” comprou um lindo mico, como o que subiu no ombro de George Bush.
De olho
O chanceler Celso Amorim desmente os murmúrios de que almeja o lugar de diretor-geral da Organização Mundial do Comércio. O mandato do francês Pascal Lamy termina no segundo semestre de 2009. A ver.
Mágica
Num lance de prestidigitação, Susan Schwab, a chefe da delegação americana em Genebra, fez desaparecer a bandeira dos Estados Unidos durante o funeral da Rodada de Doha. A responsabilidade pelo desastre caiu no colo da Índia e da China, enquanto os EUA ficaram apenas como coadjuvante. Na realidade, quem embarcou para Genebra levando um muro na bagagem foi a delegação americana.
A senhora Schwab foi casada com um mágico profissional.