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domingo, 23 de outubro de 2011

Barbárie


Na quinta, estava dirigindo e – como faço sempre – ouvindo a CBN, quando me tornei testemunha de verdadeira barbárie relacionada à questão líbia. A âncora Lucia Hippolito chamou Sérgio Besserman e apresentou, como destaque do dia, a possível captura de Kadafi. Nada mais apropriado, já que era o que se discutia na mídia internacional. Infelizmente, o que se ouviu em seguida foi uma sucessão de barbaridades, despropósitos, mau gosto, algo difícil de acreditar que estivesse sendo perpetrado por duas figuras relevantes em nosso mundo informativo, político e cultural. Lucia Hippolito começou ridicularizando Kadafi por conta de suas roupas extravagantes (como se essa fosse a maior de suas extravagâncias!). Mas essa bobagem não foi nada, diante do que veio a seguir. Besserman mostrou-se indignado sabem com o quê? Não admitia que Kadafi (que, segundo ele, já deveria saber há meses que seria derrotado) não tivesse se entregado há mais tempo para evitar tantas mortes na Líbia!!! Dá pra acreditar? As cenas que correm o mundo revelando os detalhes da morte de Kadafi será que respondem a Besserman? Lucia Hippolito sugeriu que ele, Kadafi, deveria ter-se matado. Besserman concordou, lembrando o suicídio de Allende!!! Lucia Hippolito diz que Kadafi deveria ter-se queimado em praça pública, se lançado do alto de algum lugar – e isso tudo dito aos risos. Afinal de contas, segundo eles, Kadafi somente fez o mal...
Como pode a CBN permitir algo assim? Por mais que Kadafi tenha tido ações extremamente condenáveis (como ajudar os Estados Unidos na tortura de presos políticos), ele também teve papel positivo para seu povo. Evitou a sangria das riquezas do petróleo que, antes, jorravam para o exterior, combateu o analfabetismo, fortaleceu e projetou o seu país no continente e no mundo. Independente disso, não se combate a barbárie com mais barbárie. A dupla de jornalistas deveria mirar-se no exemplo de Dilma que, opondo-se ao oportunismo belicoso de Obama e outros dirigentes ocidentais, demonstrou serenidade e visão de estadista, ao afirmar que “não é possível comemorar a morte de qualquer líder” e concluir que “não se faz apedrejamento moral de ninguém”.
Acredito que Lucia Hippolito e Sérgio Besserman sejam bem intencionados, por isso sugiro lerem a coluna de hoje, no Globo e na Folha, de Elio Gaspari, que lembra cena semelhante ocorrida em 1961 com o líder congolês Patrice Lumumba "amarrado, apanhando antes de ser fuzilado por compatriotas rebelados”. Na verdade, mais uma barbárie patrocinada por “civilizados” ocidentais, orientados pelo onipresente CIA.

Abaixo, o trecho da coluna de Elio Gaspari e depois texto do jornal mexicano La Jornada do dia 21.
Muamar Al Clinton
O vídeo dos minutos finais de Muamar Kadafi, ensanguentado e cambaleante, ecoa o filme de 1961 que mostrou o primeiro- ministro congolês Patrice Lumumba amarrado, apanhando antes de ser fuzilado por compatriotas rebelados. Em 1975 uma comissão do Senado americano mostrou que a CIA trabalhava para matá-lo. Em 2002, o governo da Bélgica assumiu a “responsabilidade moral” pela sua participação no crime e pediu desculpas ao povo congolês. O comboio em que estava o Kadafi foi atacado por aviões americanos e franceses. Hillary Clinton disse, dias antes, que esperava a morte de Kadafi para “breve”. Os vídeos “Lumumba seized, returned to Leopoldville” e “L’assassinat de Patrice Lumumba” estão no YouTube.
Kadafi y la hipocresía de Occidente
El asesinato de Muammar Kadafi, perpetrado ayer en su natal Sirte, marca el triunfo definitivo de la revuelta que empezó en Libia hace ocho meses y que fue desvirtuada, poco después de su inicio, por una masiva intervención militar de las potencias occidentales en la nación norafricana. Lo que habría sido una insurrección popular democratizadora fue convertida en una incursión de saqueo neocolonial, alentada por la ambición de Estados Unidos y Europa ante los enormes recursos energéticos del territorio sirio, en un nuevo mercado de armamento y, presumiblemente, en una vasta oportunidad para los negocios de "reconstrucción", a la manera de los realizados tras la invasión y destrucción de Irak, cuyos contratos beneficiaron a las empresas y consultoras del entorno del ex presidente George W. Bush. Por otra parte, está por verse si el heterogéneo Consejo Nacional de Transición (CNT) es capaz de reconstruir Libia, de gobernar con moderación, legalidad y soberanía, así como de emprender cambios reales en el país. En otro sentido, la exhibición del cadáver del antiguo hombre fuerte de Libia en los medios occidentales, así como la omisión de que su muerte y la de muchos de sus hombres cercanos fueron homicidios injustificables, exhibe una vez más la doble moral de las democracias occidentales, las cuales siguen haciendo redituables negocios con sátrapas del mundo árabe no menos impresentables que Kadafi, como los monarcas de Marruecos, Arabia Saudita y los emiratos petroleros del Golfo Pérsico. Asimismo, al festejar el suceso, Estados Unidos y Europa omiten el hecho de que, hasta hace menos de un año, Kadafi era recibido con cordialidad extrema por Barack Obama, José Luis Rodríguez Zapatero, Nicolas Sarkozy y Silvio Berlusconi, y que hay señalamientos sobre el financiamiento de las campañas políticas de los dos últimos por parte del régimen depuesto. Con tales antecedentes, es claro que el fin de la era de Kadafi en la intervenida nación del Magreb no necesariamente representa un paso hacia la democracia, la paz y el desarrollo en Libia. Por lo pronto, el asesinato del gobernante es una expresión de barbarie y de hipocresía.

sábado, 18 de junho de 2011

Cesar Maia acaba de descobrir o óbvio: a política externa brasileira não mudou com Dilma/Patriota


Em artigo publicado hoje na Folha, “Política externa” (aqui, para assinantes), Cesar Maia mostra-se decepcionado porque a política externa brasileira conduzida por Dilma e Patriota não se difere substancialmente da que vinha sendo adotada por Lula e Celso Amorim. E assinala pontos para demonstrar a continuação de uma política externa que obviamente não lhe agrada.
“Na decisão do Conselho de Segurança da ONU sobre a Líbia, o Brasil se absteve, com a Rússia e a China”. Segundo Cesar Maia, seria “um aval ao desequilibrado Gaddafi”. Na verdade, significou não dar aval a uma decisão desequilibrada, que prometia evitar mortes de civis e mostrou-se mera “caça a Kadafi” (que até então contava com apoio ocidental), implicando matança de civis e destruição do país. Hoje, até o Congresso americano questiona o que está sendo feito.
“A pressão sobre o Congresso para rever o acordo de Itaipu”. Segundo Cesar Maia, estaríamos criando “um grave precedente” sem justificativa geopolítica. Mas ele não entende que “pragmatismo e solidariedade são as referências primordiais que deverão continuar pautando a crescente atuação brasileira nos planos global e regional”  (*). O Brasil “defende interesses definidos do país e da América do Sul, esta sim prioridade da plataforma exterior do país” (*). Apoiar política e economicamente o Paraguai e outros países da região faz parte da nossa estratégia.
“A ostensiva atuação do governo, e do PT, na eleição peruana”. Aqui, Cesar Maia se excede ao acusar o nosso governo de atuar “suavizando a imagem do candidato chavista Ollanta Humala”. Talvez ele preferisse ações que estigmatizassem ainda mais Ollanta Humala, empurrando-o para posições radicais que possibilitassem a vitória da filha (e digna representante) de Alberto Fujimori, aquele ex-presidente famoso por seu “autogolpe” e que cumpre pena por “abuso dos direitos humanos e sequestro”.
“A decisão do STF sobre o caso do terrorista assassino Cesare Battisti teve claro envolvimento do governo Dilma, antes e depois, por meio do ministro da Justiça”. Cesar Maia alega que agora “o país enfrenta um constrangimento com os italianos, que fazem parte da formação econômica e cultural do Brasil contemporâneo”. Só falta agora Cesar Maia defender com unhas e dentes a política de “tirar os sapatos” do Governo Fernando Henrique – isso, sim, bastante constrangedor. É bom recordar que também a França não se importou com “constrangimentos” quando deu asilo a Battisti.
“A legitimidade do discurso e a coerência de suas posições de Estado são componentes essenciais do patrimônio diplomático acumulado pelo Brasil” (*). Talvez quem mais agrediu esse patrimônio foi exatamente o Governo Fernando Henrique, por ter defendido “pés descalços” diante dos Estados Unidos, principalmente quando radicalizou na liberalização, privatização e desregulação de nossa economia, atendendo as diretrizes do “Consenso de Washington” (principal responsável pela crise de 2008-2009). Felizmente, ao contrário do que pretendia Cesar Maia e toda a oposição liberal-conservadora, a política externa brasileira atual mantém-se coerente. Assim como acontecia no período Lula/Celso Amorim, não pretende se afastar dos propósitos desenvolvimentistas e nacionalistas que estão contribuindo para um país menos desigual internamente e de altivez nas relações internacionais. O choro dos descontentes não representa os interesses nacionais.
(*) trechos de um trabalho nota 10 sobre política externa
Acrescento essa interessante entrevista do economista Darc Costa sobre a "América do Sul e a nova geopolítica" para o programa Milênio. Clique aqui.

terça-feira, 22 de março de 2011

Michael Moore tuíta contra o ataque à Líbia


#1. This appears to be a civil war in Libya. Not a war of genocide. Not a revolution. One thing's clear: None of us want Khadaffy to win.
# 1. Na Líbia, parece que se trata de uma guerra civil. Não é uma guerra de genocídio. Não é uma revolução. Uma coisa é clara: nenhum de nós quer que Kadafi vença.

#2. But who is the opposition? Don't send weapons 2 rebels til u know who they r! Last time we did that we armed bin Laden & the Taliban.
# 2. Mas quem é a oposição? Não enviem armas para rebeldes até que saibam quem são! A última vez que fizemos isso nós armamos Bin Laden e os Talibãs.


#3. Stop lying. Quit saying "Khadaffy's not the target." Really? If he's the target... Then spend a decade cleaning up the mess left behind.
# 3. Parem de mentir. Chega de dizer que "
Kadafi não é o alvo." Sério? Se ele é o alvo ... Então, passem uma década limpando o caos deixado pra trás.

#4. If the rebels want a democracy then support them w/ the arms they need. But u must do same 2 help Bahrain/Yemen or u have no credibility.
 # 4. Se os rebeldes querem uma democracia, então apoiem com as armas de que precisam. Mas vocês devem fazer o mesmo para ajudar o Bahrein e o Iémen, ou não terão credibilidade.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Bahrein, Líbia: dois dinares, duas medidas


O Bahrein é um arquipélago de 35 ilhas e ilhotas do Golfo Pérsico com 800 mil habitantes e um PIB per capita de 34,5 mil dólares – graças principalmente à sua produção diária de cerca de 200 mil barris de petróleo. Sua moeda é o dinar bareinita.
A Líbia fica no norte da África, com boa parte inserida no deserto do Saara, tem 6,5 milhões de habitantes e um PIB per capita de 15,5 mil dólares – graças principalmente à sua produção diária de cerca de 1,6 milhão barris de petróleo. Sua moeda é o dinar.
A Líbia é dominada por Muamar Kadafi desde 1969, quando foi derrotado o reinado pró-ocidental.
O Bahrein tem o mesmo primeiro-ministro, Khalifa bin Salman Ali Khalifa (o rei é Hamad bin Isa Al Khalifa), desde o início dos anos 70, quando foi declarada a sua independência e estabelecida uma monarquia constitucional.
Os dois países vivem a “crise árabe pela democracia”, mas recebem tratamento diferente da grande mídia ocidental. Por exemplo, em ambos, os jornalistas ocidentais estão sendo presos ou “desaparecidos” – mas só se dá destaque ao caso líbio. Em ambos, os governos estão realizando ataques aéreos contra os rebeldes – mas só se pensa em ação de exclusão aérea contra a Líbia.
A resposta para essa política de “dois pesos, duas medidas” é uma só: enquanto a Líbia de Kadafi não se submete ao Ocidente, o Bahrein dos “Al Khalifa” é aliado da Arábia Saudita (a sua história de independência dos persas, em 1783, foi graças ao príncipe saudita Ahmad bin Khalifa) – que vem a ser o maior aliado ocidental no mundo árabe e o maior produtor mundial de petróleo (mais de 11 milhões de barris/dia). Precisa dizer mais?
Veja vídeo da Al Jazeera em Manama, capital do Bahrein.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Um Carnaval diferente


Esses 10 dias que me separam da última postagem foram bem atípicos, para o mundo e para mim. Fiz alguns destaques.
Carnaval Nota 10. A Nota 10 ficou por conta de minha filha de 10 anos, que fez uma redação na escola sobre o Catacorno, bloco carnavalesco tocado pela família de minha mulher e que arrasta milhares de pessoas no interior do Rio. O atípico ficou por conta de este ano não termos saído no bloco, ilhados por causa da lama nas estradas, uma chuva sem parar. Nem internet eu tive.
Um Japão sem saída? Sem dúvida, o grande acontecimento desses dias foi a catástrofe japonesa. Uma tristeza imensa. Em primeiro lugar, para o povo japonês, glorioso, apesar de seus governos terem uma história de intolerância. E foi também uma tristeza para toda a humanidade. Somos solidários e ao mesmo tempo ficamos apreensivos sobre outras surpresas que a natureza nos prepara. No meio de todo esse caos, meu filho de 15 anos me veio com uma informação sobre o Google Maps: quando você indaga “como chegar” de algum endereço da costa japonesa para algum endereço da costa americana (de Tsuchiura para Seattle, por exemplo), ele sugere em certo ponto “cruzar o Oceano Pacífico em um caiaque”!!! Não são engraçadinhos? Ou trágicos? Se for para a China, em vez de caiaque, jet ski.
(clique para ampliar)
Túnel do tempo. Nessa questão do melhor meio de ir de um lado para o outro, o Globo falou de uma carta que sua redação recebeu há 50 anos: o Sr. Djalma Nunes, presidente do Comitê Pró-Construção do Túnel Rio-Niterói, escreveu-nos uma carta, para defender essa iniciativa e, ao mesmo tempo, contestar afirmações contidas numa conferência do Sr. Alberto Lélio Moreira, em favor de uma Ponte Rio-Niterói.
A carta justifica a opção pelo túnel pela despesa mais reduzida, a facilidade de conservação, a conveniência da maior segurança e “a ausência de contra-indicações, inclusive de ordem militar — o Exército, por exemplo, alegou que o túnel seria mais útil, podendo vir a servir como excelente abrigo antiaéreo, ficando, no futuro, em conexão com o metrô”. É ou não é curioso?
Política do tapinha nas costas. Leitura interessante é o texto-prefácio de Samuel Pinheiro Guimarães para o livro de Moniz Bandeira, "Relações Brasil-EUA no Contexto da Globalização: Rivalidade Emergente". Começa com uma frase de J. Foster Dulles, Secretário de Estado americano na década de 50: "Você tem de dar-lhes um tapinha nas costas e fazer com que eles pensem que você gosta deles". Esperamos (com todas as forças) que não seja esse o pensamento de Barack Obama, que está prestes (epa!) a chegar ao Brasil – aliás quando se comemoram os 50 anos da malfadada Aliança para o Progresso, criada com objetivos anti-Cuba.
Kadafi rides again. Quem soube aproveitar esse período de Carnaval para soltar suas bombinhas foi Kadafi. Se ele continuar nesse ritmo de reconquista, não duvido que as potências ocidentais (apesar dos protestos de Sarkozy) retomem as negociações com ele, e tudo volte “às boas”...

quarta-feira, 2 de março de 2011

Krig-ha, Bandolo: o 7º Regimento de Cavalaria prepara-se para invadir a terra dos tuaregs


Ok, os Estados Unidos conseguiram a solução de “Mubarak sem Mubarak” no Egito, algo provisório ainda, mas que serve para preservar boa parte de seus interesses na região e acalmar os ânimos dos “revoltosos da internet”. De um modo geral, procuram driblar as revoltas com uma espécie de “ditadura com roupagem nova” – apesar dos discursos em defesa da instauração da democracia. Mas na Líbia essa jogada não parece que vai dar certo. Não dá para imaginar a terra dos tuaregs com um “Kadafi sem Kadafi”. Lá é “bola ou búlica”. Na hipótese – bem complicada – de Kadafi cair, ninguém sabe o que virá depois. Com medo de ficar com nada, o Governo Obama está disposto a tudo. Mobilizou a ONU, convocou os aliados ocidentais, bloqueou bens e já prepara o “7º Regimento de Cavalaria” para ocupar o Saara. Claro que, para os interesses americanos, o melhor cenário seria a preservação de Kadafi, com um novo discurso de “abertura” política. Mas acham isso difícil e não querem correr riscos. O preço do petróleo sobe ameaçadoramente, outras ditaduras aliadas começam a balançar, o Irã ganha força e até a Al-Qaeda começa a ter a imagem de “boazinha”, aliada dos que protestam – o que é ainda mais ameaçador. Temendo o pior dos mundos, os Estados Unidos fazem movimentos que os afastam dos “democratas” árabes. Se concretizam as ameaças, correm o risco de tornarem-se o próximo grande alvo das redes sociais revoltosas. Até Lord Greystoke (Krig-ha! Cuidado! Tarzan bandolo – matar!) poderia tomar posição contrária. Nem mesmo Edgar Rice Burroughs conseguiria um final feliz para essa história.
Leia o artigo de Steven Erlanger, do NYT, "Even a Weakened Qaddafi May Be Hard to Dislodge".

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Obama e a crise árabe: perdendo-se em miragens


Não tem herança maldita pior do que essa política para o Oriente Médio que Obama herdou de Bush. Desde a invasão do Iraque, a presença americana na região torna-se cada vez mais mal vista e tudo aponta para um terreno extremamente árido. Os Estados Unidos tentavam manter posição estreitando as relações com tradicionais aliados, como Egito, Arábia Saudita, Jordânia e outros – países dispostos a dialogar com Israel e que poderiam ajudar a isolar o “demoníaco” Irã. Obama ainda tentou acariciar o povo palestino na sua luta contra Israel. Chegou a apertar a mão do “monstruoso” Kadafi. E talvez tenha sonhado com o distanciamento entre Síria e Irã. Nada deu certo. O Oriente Médio, apesar de todos seus conflitos internos, inclusive religiosos, parece ter mais afinidade (e interesses) com Ahmadinejad do que com qualquer presidente americano. E as ações radicais (como a rejeição do acordo nuclear patrocinado por Brasil e Turquia) de Obama, pressionado pelo seu eleitorado judeu, só fizeram piorar a situação. Quando ele vivia a situação de que pior não poderia ficar, veio o pior, vieram os ventos “democratizantes” levando para mais distante a influência americana.
Os Estados Unidos passaram a percorrer um deserto sem camelo. Não poderiam ir contra os revoltosos, sob risco de perderem os votos progressistas internos e o papel de paladino do “mundo livre”. Mas não poderiam se esforçar pela queda de dirigentes palatáveis no Egito, Bahrein, Iêmen, etc. A mídia e a Administração Obama, como analisa o Foreign Policy (Obama Is Helping Iran), chegaram a pensar que “a onda de revolta popular que derruba um após o outro os aliados dos Estados Unidos acabaria por derrubar a República Islâmica do Irã e talvez o governo sírio de Assad – mas isso foi apenas o triunfo do pensamento sonhador (wishful thinking) sobre o pensamento analítico (thoughtful analysis)”. O bilionário George Soros arriscou calcular que o regime iraniano não duraria nem mesmo um ano. Apenas miragem. As pesquisas de opinião mostram que os principais líderes na resistência aos Estados Unidos (Mahmoud Ahmadinejad, do Irã, Bashar Assad, da Síria, Hassan Nasrallah, do Hesbolá libanês, Khaled Mishaal, do Hamas palestino e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia) são imensamente mais populares do que os aliados americanos. Contra todas as preces de Obama, o Irã de Ahmadinejad está cada vez mais forte e ganhando trânsito mais livre com as “revoltas democráticas” – a travessia de seus navios de guerra pelo Canal de Suez é um bom exemplo disso. Mesmo a queda de Kadafi, o “mal absoluto” nos olhos do mundo ocidental, pode ser prejudicial aos propósitos americanos. Apesar dos pesares, ele sempre manteve elos com a Europa e bastante autonomia com relação aos outros países da região, chega a ser inimigo declarado da Al-Qaeda de Osama Bin Laden. Com a possível vitória dos revoltosos da Líbia, os Estados Unidos podem ficar a pão e água (ou nem isso...). Estão perdidos nesse deserto, vivendo o drama de “se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come” - e esse bicho se chama Ahmadinejad. Todos nós, de todos os mundos, esperamos que logo, logo, surja um oásis de verdade.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crise árabe: um deserto de ideias


O que me parecia quase impossível tornou-se possível rapidamente. Mubarak saiu – o que fez reduzir a pressão na Praça Tahrir. Ainda não dá para prever exatamente o que vai acontecer no Egito, muito menos no resto do mundo árabe revolto. Estão todos sem saber o que dizer ou fazer e eu diria que o pessoal da Hillary consegue estar mais perdido do que o Blog do Gadelha. Isso vale também para a Europa, China, Israel, Irã e até para a Liga Árabe. Certo faz o Itamaraty que mal abre a boca, prefere olhar pro outro lado. Talvez o único que aparentemente não tem dúvidas sobre o que falar é Kadafi, que resolveu responder com chumbo. “Vocês querem briga? Então toma!”
Mas a Líbia é outra história. Formou-se através dos séculos a partir de ocupações estrangeiras. O nome é de origem grega, e também foi assentamento de fenícios, romanos e turcos. Foi povoada por tribos de nômades berberes e fez parte do Império Otomano. Em 1911, virou conquista da Itália, que usou e abusou do seu território durante a Segunda Guerra. Com a paz, o território foi colocado sob administração franco-britânica. Em 1951, tornou-se a segunda colônia africana, depois da África do Sul, a obter a “independência”, com a monarquia constitucional do Rei Idris I, líder do grupo religioso Senousi. O novo país, então entre os mais pobres do mundo, passou a depender da ajuda financeira dos EUA e da Inglaterra, que instalaram bases militares em  seu território. A descoberta do petróleo ocorreu no final dos anos 50 e, já em 1959, todas as principais empresas petrolíferas atuavam no país. Em 1968, a Líbia era o segundo maior produtor de petróleo no mundo árabe, atrás apenas da Arábia Saudita. Quando Kadafi tomou o poder em 1969, a Líbia tinha algo como 98% de analfabetos e uns 90% da população vivendo em tendas. O dinheiro do petróleo foi amplamente usado para conquistas sociais. Hoje (ano 2000), o analfabetismo está em 20,2%. Seu Índice de Desenvolvimento Humano-IDH (índice de 2010: 0,755) é considerado alto, ocupa o 53º lugar, à frente de países como Arábia Saudita (55%), Rússia (65%), Brasil (73%), Egito (101%), África do Sul (110%) ou Índia (119%). O povo é fundamentalmente muçulmano (sunitas, 97%) e o controle político de Kadafi é quase absoluto. Os Estados Unidos em outras épocas certamente estariam jogando tudo para derrubar Kadafi, mas hoje não devem estar tão certos de que isso seria bom para seus interesses. Se a guerra civil se ampliar e Kadafi cair, provavelmente nada mais terá controle. O deserto não vai virar mar, mas o mar pode virar deserto.