Na quinta, estava dirigindo e – como faço sempre – ouvindo a CBN, quando me tornei testemunha de verdadeira barbárie relacionada à questão líbia. A âncora Lucia Hippolito chamou Sérgio Besserman e apresentou, como destaque do dia, a possível captura de Kadafi. Nada mais apropriado, já que era o que se discutia na mídia internacional. Infelizmente, o que se ouviu em seguida foi uma sucessão de barbaridades, despropósitos, mau gosto, algo difícil de acreditar que estivesse sendo perpetrado por duas figuras relevantes em nosso mundo informativo, político e cultural. Lucia Hippolito começou ridicularizando Kadafi por conta de suas roupas extravagantes (como se essa fosse a maior de suas extravagâncias!). Mas essa bobagem não foi nada, diante do que veio a seguir. Besserman mostrou-se indignado sabem com o quê? Não admitia que Kadafi (que, segundo ele, já deveria saber há meses que seria derrotado) não tivesse se entregado há mais tempo para evitar tantas mortes na Líbia!!! Dá pra acreditar? As cenas que correm o mundo revelando os detalhes da morte de Kadafi será que respondem a Besserman? Lucia Hippolito sugeriu que ele, Kadafi, deveria ter-se matado. Besserman concordou, lembrando o suicídio de Allende!!! Lucia Hippolito diz que Kadafi deveria ter-se queimado em praça pública, se lançado do alto de algum lugar – e isso tudo dito aos risos. Afinal de contas, segundo eles, Kadafi somente fez o mal...
Como pode a CBN permitir algo assim? Por mais que Kadafi tenha tido ações extremamente condenáveis (como ajudar os Estados Unidos na tortura de presos políticos), ele também teve papel positivo para seu povo. Evitou a sangria das riquezas do petróleo que, antes, jorravam para o exterior, combateu o analfabetismo, fortaleceu e projetou o seu país no continente e no mundo. Independente disso, não se combate a barbárie com mais barbárie. A dupla de jornalistas deveria mirar-se no exemplo de Dilma que, opondo-se ao oportunismo belicoso de Obama e outros dirigentes ocidentais, demonstrou serenidade e visão de estadista, ao afirmar que “não é possível comemorar a morte de qualquer líder” e concluir que “não se faz apedrejamento moral de ninguém”.
Acredito que Lucia Hippolito e Sérgio Besserman sejam bem intencionados, por isso sugiro lerem a coluna de hoje, no Globo e na Folha, de Elio Gaspari, que lembra cena semelhante ocorrida em 1961 com o líder congolês Patrice Lumumba "amarrado, apanhando antes de ser fuzilado por compatriotas rebelados”. Na verdade, mais uma barbárie patrocinada por “civilizados” ocidentais, orientados pelo onipresente CIA.
Abaixo, o trecho da coluna de Elio Gaspari e depois texto do jornal mexicano La Jornada do dia 21.
Muamar Al Clinton
O vídeo dos minutos finais de Muamar Kadafi, ensanguentado e cambaleante, ecoa o filme de 1961 que mostrou o primeiro- ministro congolês Patrice Lumumba amarrado, apanhando antes de ser fuzilado por compatriotas rebelados. Em 1975 uma comissão do Senado americano mostrou que a CIA trabalhava para matá-lo. Em 2002, o governo da Bélgica assumiu a “responsabilidade moral” pela sua participação no crime e pediu desculpas ao povo congolês. O comboio em que estava o Kadafi foi atacado por aviões americanos e franceses. Hillary Clinton disse, dias antes, que esperava a morte de Kadafi para “breve”. Os vídeos “Lumumba seized, returned to Leopoldville” e “L’assassinat de Patrice Lumumba” estão no YouTube.
Kadafi y la hipocresía de Occidente
El asesinato de Muammar Kadafi, perpetrado ayer en su natal Sirte, marca el triunfo definitivo de la revuelta que empezó en Libia hace ocho meses y que fue desvirtuada, poco después de su inicio, por una masiva intervención militar de las potencias occidentales en la nación norafricana. Lo que habría sido una insurrección popular democratizadora fue convertida en una incursión de saqueo neocolonial, alentada por la ambición de Estados Unidos y Europa ante los enormes recursos energéticos del territorio sirio, en un nuevo mercado de armamento y, presumiblemente, en una vasta oportunidad para los negocios de "reconstrucción", a la manera de los realizados tras la invasión y destrucción de Irak, cuyos contratos beneficiaron a las empresas y consultoras del entorno del ex presidente George W. Bush. Por otra parte, está por verse si el heterogéneo Consejo Nacional de Transición (CNT) es capaz de reconstruir Libia, de gobernar con moderación, legalidad y soberanía, así como de emprender cambios reales en el país. En otro sentido, la exhibición del cadáver del antiguo hombre fuerte de Libia en los medios occidentales, así como la omisión de que su muerte y la de muchos de sus hombres cercanos fueron homicidios injustificables, exhibe una vez más la doble moral de las democracias occidentales, las cuales siguen haciendo redituables negocios con sátrapas del mundo árabe no menos impresentables que Kadafi, como los monarcas de Marruecos, Arabia Saudita y los emiratos petroleros del Golfo Pérsico. Asimismo, al festejar el suceso, Estados Unidos y Europa omiten el hecho de que, hasta hace menos de un año, Kadafi era recibido con cordialidad extrema por Barack Obama, José Luis Rodríguez Zapatero, Nicolas Sarkozy y Silvio Berlusconi, y que hay señalamientos sobre el financiamiento de las campañas políticas de los dos últimos por parte del régimen depuesto. Con tales antecedentes, es claro que el fin de la era de Kadafi en la intervenida nación del Magreb no necesariamente representa un paso hacia la democracia, la paz y el desarrollo en Libia. Por lo pronto, el asesinato del gobernante es una expresión de barbarie y de hipocresía.