Quando Bush invadiu o Iraque apenas dois anos após sua
posse, era mais do que evidente que estava pagando dívida de campanha. Você
olhava para o mapa do Iraque e logo enxergava nele a sombra do pentágono e da
indústria da guerra. Quando vemos Trump anunciando a retomada de uma corrida
armamentista, é natural fazer a analogia - e talvez pagar dívida de campanha
seja mesmo a verdadeira razão de seu anúncio tresloucado.
Mas esses dias me veio à cabeça, lendo o texto de uma
palestra do professor de Economia da UFRJ, Ronaldo Fiani (que o Fernando Brito
me passou), que talvez houvesse algum pensamento esperto em sua equipe e que sua
motivação seria outra. Ou melhor, agregaria outra motivo forte. Tudo começou a
fazer sentido a partir daquele telefonema de Taiwan, que teria custado a
bagatela de 140 mil dólares ao governo taiwanês (pago ao amigo de Trump, que
teria intermediado a ligação). Foi o primeiro punch de Trump na China, que
reagiu imediatamente e com bastante vigor.
Depois teve a história do planador
americano que a China capturou no Mar da China Meridional. Trump esbravejou que
a China poderia ficar com ele. E Trump ainda coroou sua equipe de Relações
Exteriores com um inimigo ferrenho dos chineses. De lá pra cá, a China, através do Global Times
(Diário do Povo), mistura vigor com ironia em suas respostas. Mas a ironia
maior é que Trump foi eleito com ajuda essencial de Putin - um aliado
estratégico da China. Aliás essa aliança está na essência do texto de Fiani.
"A parceria Rússia-China, ao contrário do que a
imprensa tenta sugerir, não é uma aliança de conveniência, é uma parceria
estratégica. (...) Com potencial de alavancar um projeto de integração 'Eurásia'
que os norte-americanos - do seu ponto de vista corretamente - percebem como
uma ameaça à situação dos EUA, porque uma vez integrada economicamente essas
duas regiões, eles e o Japão, só para citar alguns, serão naturalmente jogados
para a margem do sistema" (Em
tempo: a principal linha ferroviária de alta velocidade da China, ligando leste-oeste
começou a operar hoje, 28 de dezembro de 2016). Mais
adiante: "Como é que ficam a América Latina e Caribe nisso? Primeira
questão: petróleo na América Latina e no Caribe. Aí tem-se o primeiro
mandamento do ponto de vista geopolítico:
negar o acesso ao petróleo para projeção de poder em escala global.
(...) Dado esse papel geopolítico crucial do petróleo, qual tem sido a
estratégia chinesa na América latina e no Caribe? Empréstimos em troca de
petróleo".
Fiani continua com muita precisão mostrando a estratégia
geopolítica chinesa envolvendo a América do Sul e o Caribe. E tudo que ele diz
só faz fortalecer a possibilidade de Trump estar tentando impedir o avanço
chinês nessas bandas de cá. Incluindo tentando enfiar uma cunha na aliança sino-russa.