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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Vivendo da guerra

A guerra, em primeiro lugar, traz morte, destruição, dor, trizteza, tudo isso. Mas muita gente acaba ganhando novo sentido (e dinheiro) na vida, graças à guerra (sem falar, claro, da grande indústria armamentista, dos senhores das guerras). A reportagem que a Folha trouxe nesse domingo, feita por Raphael Gomide, seu enviado especial à Faixa de Gaza, dá uma luz sobre o dia-a-dia dos túneis palestinos de ligação com o Egito. Vejam como é impressionante:
Bloqueio a Gaza faz de túneis negócio rentável e canal vital
O ar é pesado, faz calor, e a respiração, difícil, tem gosto de terra. Não é preciso ser claustrofóbico para se sentir desconfortável dez metros abaixo do solo, ainda mais sob as precárias estruturas de madeira que escoram a terra em um dos 1.800 túneis subterrâneos que ligam a faixa de Gaza ao Egito. Não é reconfortante saber que se está dentro de um alvo potencial de aviões israelenses.
Os túneis cresceram como alternativa ao rígido bloqueio econômico imposto por Israel à faixa de Gaza, após o movimento extremista islâmico Hamas, que havia vencido as eleições legislativas do ano anterior, romper com o Fatah e assumir o controle, em junho de 2007. Hoje, as importações ilegais do Egito têm papel vital na arruinada economia local.
Como as fronteiras estão totalmente fechadas, quase todos os produtos são contrabandeados pelos túneis: comida, roupas, celulares, cigarros, motos e combustível -perigosamente armazenado em casa, em tinas e galões. Até animais entram em Gaza por baixo da terra.
A Folha entrou em uma dessas passagens. Para descer os 10 metros até o túnel propriamente dito, senta-se numa cadeirinha improvisada com ripas de madeira presas a cordas, atreladas a um gancho. Um cabo de aço passa por uma roldana até o "carretel". É esse motor que solta o cabo até embaixo, trazendo para cima e para baixo pessoas e mercadorias.
Dentro, é preciso quase engatinhar, as mãos no chão de terra, ultrapassando galões e sacos de produtos, sob a luz de esparsas lâmpadas ligadas a fios presos às paredes de contenção de madeira. Três rapazes, descalços, guiam o repórter com lanternas. Escondem o rosto, mas posam para fotos, e um exibe os bíceps trabalhados na academia subterrânea, a face coberta pela camiseta, qual um Hulk sem cabeça.
O túnel foi um dos afetados pelo bombardeio israelense da última quarta. Com britadeiras manuais e pás, tentavam desbloqueá-lo. O caminho subterrâneo ficou obstruído por um deslizamento de terra após cerca de 40 metros. Não fosse isso, seria possível chegar ao Egito por baixo do posto de fronteira em 30 minutos -para entrar oficialmente, são 5h30. Trata-se de um empreendimento irregular, mas amplamente tolerado. Em Gaza, as entradas ficam às claras, formando uma extensa fila de ostensivas tendas de plástico, com intervalos de 20 ou 30 metros e buracos que parecem poços artesianos expostos.
Fica evidente que, se o Egito quisesse, fecharia as bocas do seu lado, interrompendo o fluxo -que hoje o beneficia. Israel, que acusa o Hamas de contrabandear armas pelos túneis, poderia destruir todos com poucos ataques, mas, durante a guerra, estima-se que apenas 300 ou 400 dos cerca de 1.800 buracos tenham sido atingidos por bombas.
A área onde foram construídos era residencial. Com o bloqueio e a proliferação do negócio dos túneis, quarteirões foram demolidos e deram lugar aos buracos. "As pessoas venderam as joias de suas mulheres para investir como sócios neste negócio", conta o homem que se identifica como Abu Jihad, 31, sócio de um túnel construído há seis meses. À distância, sente-se o odor da gasolina que sobe por mangueiras até caminhões-tanques ou caixas-d'água de 3.000 litros presas a caçambas.
O dono do terreno recebe participação do operador. Os funcionários -de 10 a 20 por túnel- recebem de US$ 30 a US$ 50 dólares por dia. Um quilo de carga, independentemente do conteúdo, custa US$ 1. Assim, cem quilos de banana, cigarros ou telefones custam o mesmo. Passam de duas a três toneladas de produtos diariamente por túnel. A maioria nega transportar armamentos, embora um atravessador no Egito tenha dito à Folha que leva fuzis para a faixa de Gaza.
Os contrabandistas circulam com desenvoltura, sentam para almoçar ou conversar do lado de fora, sem serem importunados por fiscalização, numa linha de "trincheiras" com terra revirada, a 100 metros do muro da fronteira com o Egito.
Guaritas de militares egípcios têm vista privilegiada dos buracos. Na guerra, antecipavam bombardeios israelenses aos donos de túneis. Segundo comerciantes, o contrabando chega a quadruplicar os preços. Os 1,5 milhão de moradores de Gaza paga a conta. O Hamas cobra uma taxa anual dos donos das bocas, de US$ 4.000. "Se Israel abre as fronteiras, acabam os túneis", diz Ibrahim Dia, dono de sapataria.

domingo, 18 de janeiro de 2009

O governo de Israel já alcançou o seu objetivo: vitória eleitoral

O grupo que está no poder em Israel fez uma equação bem simples. Bastam 1.000 mortes (incluindo 300 crianças), milhares de feridos e desabrigados, destruição de alguns hospitais, algumas escolas, inúmeras residências e, de quebra, representações da ONU e de jornalistas. Pronto, o resultado só pode ser um: vitória da coligação que está no poder nas eleições parlamentares do próximo dia 10. No começo do mês a BBC divulgou depoimento de Mouin Rabbani, analista-sênior para o Oriente Médio do International Crisis Group, baseado na Jordânia: "A política interna israelense certamente foi um dos fatores para os ataques. Um dos maiores desafios para Barak (Ministro da Defesa, do Partido Trabalhista) e Livni (Ministra da Política Externa, possível primeira-ministra com a vitória do Kadima) era o fato de que Netanyahu (do oposicionista Likud, que defendia uma posição mais dura contra os palestinos) estava à frente nas pesquisas. A popularidade de Barak (antes dos ataques) estava tão baixa que ele se tornou uma não-entidade". Israel não contava com o nível de reação que o Hamas apresentou, demonstrando firmeza e mais preparo do que era contabilizado. É curioso também do histórico das relações de Israel com o Hamas. Assim como os Estados Unidos inventaram Saddam Hussein para enfrentar o Irã e depois tiveram que destruí-lo, Israel inventou o Hamas (junto com Arábia Saudita e a Síria) para enfrentar o Al-Fatah de Arafat. Como a criatura obviamente voltou-se contra o criador, agora eles tentam destruí-lo - e com isso ganhar uns votos a mais. Mas se a "criatura" conseguir manter-se viva, os votos podem mudar de lado...

quinta-feira, 29 de março de 2007

Arábia Saudita levanta a voz

Pela primeira vez a Arábia Saudita falou grosso contra a ocupação americana do Iraque. Na cerimônia de abertura da Liga Árabe, ontem, em Riyad, o rei Abdulla disse aos líderes árabes que "no amado Iraque, a carnificina continua, sob uma ocupação estrangeira ilegal e um sectarismo detestável" e ainda advertiu que ou os governos árabes resolvem suas diferenças ou as potências estrangeiras, como os Estados Unidos, continuarão a ditar a política da região. Vindo de quem vem, essa declaração cai como uma bomba nos meios políticos internacionais, particularmente no Salão Oval da Casa Branca. A Arábia Saudita sempre foi o aliado preferencial dos Estados Unidos no mundo árabe, seja por sua monumental produção de petróleo, seja por seu posicionamento político "moderado". Nos últimos meses, a Administração Bush chegava até a contar fortemente com a sua liderança para um realinhamento político no Oriente Médio, opondo de um lado Arábia Saudita, Egito, Jordânia, Líbano e Israel contra Irã, Síria e os grupos Hesbolá (xiita) e Hamas (sunita). Doce ilusão judaico-cristã... A Arábia Saudita começa a dar sinais de caminhar em sentido oposto, buscando, isso sim, a união árabe, alinhavando entendimentos que ultrapassem as sub-divisões islâmicas. Foi ela que construiu o acordo entre as facções palestinas no último mês, causando desconforto em Israel, que pretendia trocar o Hamas pelo Fatah na direção palestina. Também contrariando os interesses americanos e israelenses, o rei Abdula pediu o fim do boicote internacional à Palestina. Além disso, o rei recebeu este mês o presidente Mahmoud Ahmadinejad, do Irã, inimigo nº 1 de americanos, israelenses e, agora mais do que nunca, de britânicos, e ainda está tentando resolver as tensões no Líbano em negociações com o Irã e o Hesbolá. Para finalizar, o rei saudita cancelou a participação em um jantar em abril na Casa Branca, alegando "conflito de agenda". Em outras palavras, "tô fora". Mustapha Hamarneh, diretor do Centro de Estudos Estratégicos da Universidade da Jordânia disse que os sauditas parecem estar enviando uma mensagem a Washington: "É melhor vocês ouvirem mais seus aliados, em vez de sempre impor suas decisões e ficarem alinhados a Israel". O mundo árabe, em geral, está mudando e mostrando que pode ter voz ativa no cenário internacional. Com essa mudança de rumos, os sauditas não poderiam correr o risco de ficar à margem do processo, perderem força diante das novas lideranças árabes. Além disso, os sauditas, sabiamente, perceberam a fraqueza interna do Governo Bush e não querem ser associados a um "aliado" em estado terminal. Em vez de conclamar os árabes a deixarem Israel de lado, como fez nesta semana, Condoleezza Rice vai ter que ler mais o Alcorão. Leia mais no New York Times.