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terça-feira, 10 de maio de 2011

Noam Chomsky: “A minha reacção à morte de Osama bin Laden"



A mentalidade imperial é tão profunda que ninguém
se apercebe que estão a glorificar Bin Laden,
ao identificá-lo com a valorosa resistência
aos invasores genocidas. 

Poderíamos perguntar-nos como reagiríamos se um comando iraquiano pousasse de surpresa na mansão de George W. Bush, o assassinasse e, em seguida, atirasse o seu corpo no Oceano Atlântico.
Fica cada vez fica mais evidente que a operação foi um assassinato planeado, violando as normas elementares do direito internacional de múltiplas formas. Aparentemente não houve qualquer tentativa de prender a vítima desarmada, o que presumivelmente 80 soldados poderiam ter feito, já que virtualmente não enfrentaram oposição – excepto, como afirmam, a da esposa de Osama bin Laden, que se atirou contra eles.
Em sociedades que professam algum respeito pela lei, os suspeitos são detidos e levados a um julgamento justo. Sublinho a palavra "suspeitos". Em Abril de 2002, o chefe do FBI, Robert Mueller, informou a imprensa que, depois da investigação mais intensiva da história, o FBI só podia dizer que "acreditava" que a conspiração fora tramada no Afeganistão, embora tenha sido implementada nos Emirados Árabes Unidos e na Alemanha.
O que apenas acreditavam em Abril de 2002, obviamente não sabiam 8 meses antes, quando Washington desdenhou de ofertas exploratórias dos talibans (não sabemos a que ponto eram sérias, pois foram descartadas imediatamente) de extraditar Bin Laden se lhes fosse apresentada alguma prova, que, como logo descobrimos, Washington não tinha. Portanto, Obama simplesmente mentiu quando disse, na sua declaração da Casa Branca, que "rapidamente soubemos que os ataques de 11 de Setembro de 2001 foram realizados pela al-Qaeda”.
Desde então não revelaram mais nada sério. Há muita conversa sobre a "confissão" de Bin Laden, mas é como se eu confessasse que venci a Maratona de Boston. Bin Laden alardeou aquilo que considerava um grande feito.
Também há muita discussão sobre a cólera de Washington contra o Paquistão, por este não ter entregado Bin Laden, apesar de elementos das forças militares e de segurança seguramente estarem informados de sua presença em Abbottabad. Fala-se menos da cólera do Paquistão por ter tido o seu território invadido pelos Estados Unidos para realizarem um assassinato político. O fervor anti-americano já é muito forte no Paquistão, e estes acontecimentos vão provavelmente exacerbá-lo. A decisão de lançar o corpo ao mar já está a provocar, previsivelmente, cólera e cepticismo em grande parte do mundo muçulmano.
Poderíamos perguntar-nos como reagiríamos se comandos iraquianos aterrassem na mansão de George W. Bush, o assassinassem e lançassem o seu corpo no Atlântico. Indiscutivelmente, os seus crimes excederam muito os de Bin Laden, e Bush não é um "suspeito", mas, sem qualquer dúvida, o “decisor” que deu as ordens para cometer o "supremo crime internacional, que difere só de outros crimes de guerra por conter em si o mal acumulado da totalidade" (citando o Tribunal de Nuremberga), pelo qual foram enforcados os criminosos nazis: as centenas de milhares de mortes, os milhões de refugiados, a destruição de grande parte do Iraque, o encarniçado conflito sectário que agora se espalhou ao resto da região.
Há também mais coisas a dizer sobre Bosch (Orlando Bosch, o terrorista que explodiu um avião cubano), que acaba de morrer pacificamente na Flórida, e sobre a "doutrina Bush" de que as sociedades que abrigam terroristas são tão culpadas quanto os próprios terroristas, e que é preciso tratá-las da mesma maneira. Parece que ninguém se deu conta de que Bush estava a conclamar à invasão e à destruição dos Estados Unidos e ao assassinato do seu criminoso presidente.
O mesmo passa com o nome escolhido: Operação Jerónimo. A mentalidade imperial é tão profunda, em toda a sociedade ocidental, que ninguém se apercebe que estão a glorificar Bin Laden, ao identificá-lo com a valorosa resistência aos invasores genocidas. É como baptizar as nossas armas assassinas com os nomes das vítimas dos nossos crimes: Apache, Tomahawk [nomes de tribos indígenas dos Estados Unidos]. É como se a Luftwaffe desse aos seus caças nomes como "Judeu", ou "Cigano".
Há muito mais a dizer, mas mesmo os factos mais óbvios e elementares deveriam dar-nos muito que pensar.
Publicado no Guernica Magazine
Tradução do Vermelho, adaptada por Luis Leiria
Copiei do site Esquerda.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Chomsky X Obama: uma entrevista importante

Saiu hoje no Globo essa entrevista feita por Miguel Conde, través de e-mail, com Noam Chomsky. Transcrevo na íntegra:
'Na política externa não há sinal de mudança'
Para intelectual, governo de Barack Obama pode ser até mais agressivo do que o de Bush na arena internacional
ENTREVISTA Noam Chomsky
Mais conhecido intelectual americano, nome destacado da esquerda nos EUA desde os protestos contra a Guerra do Vietnã, o linguista Noam Chomsky critica o próprio país em seu novo livro, o recém-lançado “Estados fracassados” (Bertrand Brasil). Fazendo uma análise detalhada das premissas que orientam as intervenções militares americanas no exterior, o livro argumenta com ironia que, pelos critérios usados pelos EUA, os próprios EUA seriam um alvo legítimo para uma invasão. Por e-mail, Chomsky falou ao GLOBO sobre a obra e sobre o atual quadro político do país, prevendo que Obama deve acabar com o extremismo de Bush na política interna, mas não no conturbado front externo.
GLOBO: O senhor poderia explicar por que o conceito de “Estado fracassado”, criado pelo governo dos Estados Unidos, em sua opinião se aplica aos EUA?
NOAM CHOMSKY: Os especialistas concordam que esse conceito é vago, mas envolve três características principais: a incapacidade ou desinteresse em proteger a população; o desrespeito a leis e normas internacionais; e a existência de instituições democráticas formais, mas que funcionam apenas de forma limitada. É fácil mostrar que os EUA preenchem em boa medida os três requisitos.
GLOBO: O senhor enfatiza a responsabilidade dos EUA no crescimento do terrorismo islâmico, mas há quem observe que um movimento como a al-Qaeda, por exemplo, não se opõe a políticas específicas dos EUA, mas à democracia secular como um todo. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
CHOMSKY: Há duas perguntas separadas aqui: quais são as causas do crescimento do terrorismo islâmico? E quais são os objetivos dos terroristas islâmicos? A resposta à primeira é indiscutível. O governo de Ronald Reagan, em particular, teve um papel decisivo e muito consciente na criação do terrorismo islâmico. Sua meta declarada era “matar russos”. Para atingir essa meta, o governo Reagan reuniu os maiores extremistas islâmicos que conseguiu encontrar ao redor do mundo, enviou-os para o Afeganistão, e forneceu a eles uma crucial ajuda militar. Os objetivos da al-Qaeda e de outros movimentos são uma questão separada, que não tem relação com a maneira como eles cresceram.
GLOBO: O senhor acredita que sob a presidência de Barack Obama os EUA continuarão a ser, em sua política externa, um Estado fora-da-lei, como o senhor diz?
CHOMSKY: Haverá mudanças de política interna, em direção a uma posição mais de centro. O extremo radicalismo do governo Bush sem dúvida será cancelado; McCain faria mais ou menos a mesma coisa. Mas na arena internacional, não há indicação de ne nhuma mudança significativa em relação ao segundo mandato de Bush, a não ser na retórica. As políticas são mais ou menos as mes mas, em alguns casos mais violentas e agressivas, como no Paquistão e no Afeganistão. Comentando o fervor despertado pela campanha de Obama, a escritora Joan Didion observou que de repente a ironia saiu de moda nos EUA. O cinismo deu lugar à credulidade.
GLOBO: Qual sua opinião sobre esse entusiasmo?
CHOMSKY: A resposta mais definitiva a respeito da campanha foi dada pela indústria de relações públicas, que comanda as eleições. O principal órgão deles, “Advertising Age” (“Era da propaganda”), deu a Obama o prêmio de melhor campanha de marketing do ano, derrotando os computadores da Apple. Desde Reagan os candidatos são vendidos como bens de consumo, e este é o maior caso de sucesso que os publicitários já tiveram. Quanto ao entusiasmo, Bush era tão impopular que até seu partido se lançou contra ele, um fenômeno sem precedentes; 80% do país pensam estar indo na direção errada e querem mudança desesperadamente. Por isso Obama usou os slogans “mudança” e “esperança”. O surpreendente é o quanto a margem da vitória foi pequena. Sob as circunstâncias, era de se esperar uma vitória de lavada do partido de oposição. Mas Obama ganhou por pouco — e entre eleitores brancos, McCain ganhou. Se o colapso financeiro tivesse demorado um pouco mais, McCain talvez ganhasse, apesar da performance desastrosa dos republicanos nos últimos oito anos em praticamente todos os setores.
GLOBO: O procurador-geral dos EUA, Eric Holder, disse recentemente que os Estados Unidos são uma nação de covardes no que diz respeito ao debate sobre racismo. A eleição de Obama não prova o contrário?
CHOMSKY: A eleição de Obama foi, sem dúvida, um evento histórico, e é muito importante ter uma família negra na Casa Branca — embora haja um tanto de racismo na ideia que esse é um momento mágico que só poderia acontecer nos EUA. As eleições na Bolívia e no Brasil foram muito mais “mágicas” em termos de mostrar como uma dura opressão pode ser vencida dentro do sistema eleitoral. O fato de os dois principais candidatos democratas à presidência serem um negro e uma mulher mostra que os EUA se tornaram um país muito mais civilizado nas últimas décadas. É um tributo ao ativismo dos 1960, mas ainda há um longo caminho pela frente, como Holder presumivelmente quis enfatizar.
GLOBO: Como o senhor, crítico feroz dos EUA, compararia os históricos de política externa e de direitos humanos do seu país com os da China, que para alguns está a caminho de se tornar a próxima potência global?
CHOMSKY: É muito improvável que a China substitua os EUA como principal potência global. Ela tem enormes problemas internos, desconhecidos no ocidente. Uma indicação disso é seu ranking na lista de Desenvolvimento Humano da ONU: em torno de 80º A China também enfrenta crises ecológicas severas, e embora seu crescimento industrial seja impressionante, muito dele é de capital estrangeiro, em particular nos setores mais avançados. Quanto à política externa, a China hoje é o mais pacifista dos grandes poderes. É por isso que importantes analistas americanos como John Steinbrunner têm defendido que a China lidere uma coalizão de Estados pacifistas para conter o militarismo agressivo dos EUA. Já o histórico chinês de direitos humanos é claramente horrível, muito pior do que o dos EUA.