segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Fernando Henrique quer avançar com um passo à frente e dois pra trás.




Fernando Henrique é esperto. Bem formado e informado, usa as palavras astutamente na busca de vender o seu pássaro, digo, o seu peixe. No artigo que publicou domingo, “Inovar na política”, tenta convencer que inovar significa retroceder ao passado tucano. Aponta suas penas em várias direções, na esperança de provar que os tucanos não voam para trás. E nesse afã acaba, com todo o respeito, cometendo algumas papagaiadas.
Diz que “na última década renasceu no Brasil a ilusão de que tudo seria feito e ‘salvo’ pelo Estado”. Quem afirmou algo assim?
Está cabendo ao Estado fazer o que é preciso fazer e que não era feito (ou não era bem feito) nem pelo Estado nem pelo não-Estado. Alguém tinha que fazer. E os governos dos últimos 12 anos fizeram o possível e o impossível para preencher lacunas deixadas. Conseguiram alguns sucessos importantes. Por exemplo, quando Fernando Henrique deixou o governo, o analfabetismo era 11,9% em 2013 (os dados da última administração publicados pelo Globo no dia 1º são praticamente todos de 2013) tinha caído para 8,5%. A mortalidade infantil era de 26,04% caiu para 15,02%. A população com acesso à rede de esgoto era 44% – subiu para 55,9%. A inflação estava em 12,53% caiu para 6,38%. A taxa de desemprego, 9,1% caiu para 6,5%. O PIB per capita era R$ 8.382,24 subiu para R$ 24.065,00. O investimento estrangeiro direto era de US$ 16,6 bilhões – subiu para US$ 60 bilhões. O salário mínimo era de 200 reaischegou ao final de 2014 a 724 reais (em 2015 já está em 788 reais). Isso sem falar do Minha Casa Minha Vida, que antes não existia nada similar. Você vai perguntar agora – e o crescimento econômico? Realmente o crescimento econômico sobre o PIB está longe do desejado – era de 2,7% em 2002 e a previsão para 2014 é de 0,14%. E houve outros problemas sérios. Corrupção e reação neoliberal muito forte (no Brasil e no mundo). Mas nada justifica bater asas rumo ao passado, a não ser a decisão pura e simples de aninhar-se na ideologia tucana. Nesse ponto, Fernando Henrique manda um dos seus tijolaços (perdão, Brizola; desculpa, Fernando Brito) para acariciar o neoliberalismo: “Quem sabe superaremos o primitivismo político de considerar como 'neoliberal' tudo o que é necessário fazer para que as finanças públicas e a administração funcionem bem, respeitando suas possibilidades reais, mais ou menos elásticas conforme as circunstâncias, mas nunca infinitas, propiciando um clima favorável para que as pessoas, as organizações e as empresas possam expandir suas potencialidades”. Ora, Fernando Henrique, não tergiverse. A questão é de foco. Hoje, o foco está direcionado ao campo social, uma busca incessante para atender em primeiro lugar à população mais pobre. Já o “mercado”, por pior que esteja, vai bem, obrigado. Não precisa exatamente ser focado. Ao contrário, deveria apoiar (desculpe a ingenuidade...) o enfoque predominante. O seu governo baixou a crista, tirou o sapato, diante do Consenso de Washington, o laissez-faire econômico que levou à crise de 2008. Fica até engraçado quando lemos: “Sendo progressista, portanto, 'de esquerda', desejo que se consiga alcançar ‘consensos’ (aspas minhas) que melhorem o sistema político partidário, dando-lhe certa coerência ideológica”. Que Fernando Henrique me desculpe, mas não há consenso em considerá-lo “progressista” e/ou “de esquerda”. No passado remoto, pode ser; mais recentemente, o passado condena. Quando apresenta propostas para a reforma política, até que inicialmente parece estar no caminho certo: “Para dar passos iniciais bastam três emendas à Constituição: voltar a aprovar a 'cláusula de barreira' (...); proibir as coligações entre partidos nas eleições proporcionais; e vedar o uso de marketing político nas TVs. A TV seria usada apenas para debates entre candidatos ou para suas falas diretas à audiência”. Aqui, no final, há certo despreparo, já que tanto “debates entre candidatos” quanto “falas diretas à audiência” são também partes do marketing político. Para controlar os altos custos de campanhas (e torná-las mais democráticas) basta o fim do financiamento empresarial . Os partidos terão com isso que reduzir radicalmente seus custos de produção (a veiculação já é gratuita, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, que é paga e com efeitos negativos para a democracia).
Logo em seguida, Fernando Henrique defende o voto distrital, hoje criticado em países que adotam (vale consultar o Fair Vote americano). Mas todo o seu blábláblá tem o objetivo único de tentar vender para o seu bando tucano a diferença que ele faz entre o PSDB e o PT. Tenta parecer agradável, quando diz que os dois partidos são “primos”. Mas logo em seguida enche o texto de bicadas. Segundo ele, o PSDB seria mais contemporâneo, porque “reconhece explicitamente a necessidade de dar ao mercado o papel que lhe corresponde nas sociedades contemporâneas, da mesma forma que não atribui ao Estado todas as virtudes”. Ora, isso o PT também faz. A questão é, primeiro, definir exatamente que papel do mercado é esse e, segundo, não atribuir ao mercado todas as virtudes. Com os pés firmes no chão, fico com a certeza de que voar é com os pássaros. Mas voar pra trás é com os tucanos de Fernando Henrique.