domingo, 1 de março de 2015

O FAROESTE CARIOCA


Toda a história do Rio Janeiro se caracteriza por uma espécie de “corrida do ouro” rumo ao Oeste e também por uma série de mal-entendidos. Em 1º de janeiro de 1502, o português Gaspar de Lemos descobriu o “Rio” de Guanabara (nesse caso, parece que não houve exatamente um erro: na época, “baía” seria “rio”) e, como era janeiro, chamou de Rio de Janeiro. A partir daí deu-se o início da organização do que seria a cidade. Organização?
Em 1555 os franceses ocuparam a região, mas foram expulsos em 1567 pelos portugueses, liderados por Estácio de Sá, que tinham chegado à região quase dois anos antes e tinham fundado, em 1º de março de 1565, naquele trecho entre o Pão de Açúcar e o morro Cara de Cão (veja a placa, com um “mal-entendido” de vírgula...), a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
(Tempos atrás, em uma reunião onde havia um grupo de franceses, um conhecido intelectual carioca teria dito que houve um grande engano: “O Brasil deveria ter sido colonizado pelos franceses, não pelos portugueses. O culpado foi o Arariboia!” Pode não ter sido bem assim, mas a versão é engraçada...)
O Cara de Cão deve ter assustado os portugueses, que logo refundaram (em 1567 mesmo) a povoação no Morro do Castelo. A partir desse novo Centro, começou o Deus nos acuda da expansão. Na segunda metade do século XVII, o Rio já era a cidade mais populosa do Brasil (cerca de 30 mil habitantes), passando a ter importância estratégica, pela proximidade com a exploração de jazidas de ouro em Minas Gerais. Ganhou destaque como centro portuário e econômico e graças a isso, em 1763, o Marquês de Pombal trouxe a sede da colônia para cá. Em 1808, com a vinda da corte portuguesa, o Rio virou centro de decisão do Império Português.
Em 1890, a população já superava os 500 mil habitantes. Foi abolida a escravatura, foi proclamada a República e o Rio passou a enfrentar graves problemas sociais por seu crescimento rápido e desordenado – problemas que ainda se mantêm. Com o declínio do trabalho escravo, a cidade passou a receber imigrantes europeus e ex-escravos, atraídos por oportunidades de trabalho assalariado.
Aumentou a pobreza, agravou-se a crise habitacional, a violência ganhou terreno que insiste em ocupar até hoje. O crescimento desordenado deu início ao processo de favelização e foram adotadas várias reformas. A situação forçou a busca de mais espaço e mais qualidade de vida. O caminho natural foi rumo à orla (Sul) e ao Oeste.

A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA PEGA O BONDE DA HISTÓRIA. OU FOI O CONTRÁRIO?

 A primeira linha de bonde (puxada por burros) é de 1859 e ligava o Largo do Rossio (Praça Tiradentes) ao Alto da Boa Vista. No final do século XIX, já tínhamos bonde elétrico convivendo com sistema puxado por burros, já estávamos circulando no Flamengo, em Botafogo, na Ilha do Governador, em Santa Teresa e até em Campo Grande e Santa Cruz. Logo o bonde chegou à ponta do Leme e à ponta de Copacabana, permitindo a comercialização de loteamentos. Até hoje não se sabe o que veio primeiro: o bonde ou a famosa especulação imobiliária...
Foi em 1892 que se abriu o Túnel Velho e se lançou a primeira linha de bondes para Copacabana, contribuindo para uma estratégia publicitária de vender o bairro como uma opção "moderna", com novo estilo de vida – embora, para alguns, na época, fosse apenas “recanto arenoso, sem habitação e cujo progresso seria muito lento". Mas realmente foi aí que se concretizou a ocupação da atual Zona Sul.
Em 1894, no mesmo dia em que a linha de bonde foi estendida até o Posto 6, o Barão de Ipanema inaugurou uma linha não oficial, ampliando o trajeto até a Villa Ipanema. Com isso começou a vender suas terras, principalmente a imigrantes alemães, franceses, judeus e italianos. Em 1902 a Villa contava com 118 residências, e seus moradores tinham que enfrentar alagados e vários focos de mosquitos.

A ZONA SUL COMEÇA A FICAR PRA TRÁS

No final da década de 40, o prefeito de plantão determinou: o transporte do futuro do Rio seriam os ônibus, não o metrô (um dos maiores enganos que nosso presente herdou do passado). Na década de 60, a população da cidade atingiu 3,3 milhões de habitantes, com cerca de 560 mil na Zona Sul. Apesar de ter deixado de ser a Capital Federal, o Rio tornou-se mais exuberante, com sua Zona Sul ganhando prestígio internacional, mas já dava sinais de saturação em certas áreas, principalmente Copacabana (o filme “Copacabana me Engana”, do Fontoura, é sintomático). Várias iniciativas de reforma foram feitas desde o Governo Lacerda. O Aterro do Flamengo e o Plano Policromático do urbanista grego Doxiadis são exemplos. Das seis linhas propostas nesse plano, foram construídas a Linha Lilás (que liga Botafogo ao Santo Cristo), a Linha Vermelha, a Linha Amarela e parte da Linha Verde (Avenida Automóvel Clube e o Túnel Noel Rosa). Nunca saíram do papel a Linha Marrom (que ligaria o Centro ao bairro de Santa Cruz, paralela à Avenida Brasil) e a Linha Azul (que ligaria a Zona Sul à Barra, de certa forma substituída pela Auto-Estrada Lagoa-Barra). O Plano Policromático (contra o qual a esquerda da época esbravejou) foi outro grande engano do transporte urbano: deixou à margem o transporte de massa. Negrão de Lima, eleito governador em 65 (e que foi quem construiu a Linha Lilás e ampliou a Avenida Atlântica, entre outras obras), percebeu a necessidade de repensar a cidade e convidou Lúcio Costa para fazer o Plano da Barra da Tijuca. O Plano Lúcio Costa, de 1969, parecido com o de Brasília, inspirou-se no urbanismo americano, com grandes avenidas e grandes espaços abertos (hoje fechados pelos engarrafamentos...), e marcou o início do estilo de vida peculiar da Barra. Mas o “futuro” repetiu o equívoco de tirar espaço do transporte de massa.

O FUTURO SERÁ UMA BARRA?

Entre 1960 e 2010, a população da Grande Barra da Tijuca (Barra da Tijuca, Joá, Itanhangá, Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, Recreio e Grumari) passou de 2.580 pessoas para 300.000. E a conquista do Oeste passou a ser mais e mais a esperança na conquista de um futuro sorridente para o Rio. Infelizmente, os enganos de origem continuam. Nos transportes, por exemplo, os BRTs, por melhor que sejam, não podem ser considerados exatamente transportes de massa. Mas as Olimpíadas realmente trouxeram a chama da esperança de um futuro sem faroeste. E é isso que esperamos, porque eu, você, moramos, sem medo de cometer engano, na cidade mais linda do mundo. Apesar dos pesares, obrigado por tudo, Rio!

Fiz esse texto por amor ao Rio. Foi aqui que nasceram minha mulher e meus quatro filhos, foi onde tive mais de 50% dos meus 70 endereços, e de onde eu não quero sair nunca.

Nota. A base das informações é de uns alguns anos e perdi as fontes, por isso não cito.
Imagens dos sites: Copacabana em Foco (https://ama2345decopacabana.wordpress.com/planejamento-urbano/processo-de-urbanizacao-em-copacabana/), Blog de Aventuras (http://www.aventurasdorio.com/2011_01_21_archive.html) e Carvalho Hosken (http://carvalho.oficinainterativa.com.br/site/barra-da-tijuca-ontem.aspx)