quarta-feira, 31 de outubro de 2012
O incerto drummondiano
ÁPORO
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado
enlace de noite
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana
uma orquídea forma-se.
Pensei em reproduzir um cartão que Drummond me enviou parabenizando por meu primeiro livro, Onomatopoemas, mas não está aqui comigo. De qualquer maneira, a melhor homenagem que se pode fazer nesses 110 anos do seu nascimento é reproduzir um de seus poemas. Escolhi o soneto Áporo (inseto himenóptero, da família dos cavadores; problema difícil ou impossível de resolver; planta das orquídeas), pouco conhecido, mas que Décio Pignatari considerou “uma das peças de poesia mais perfeitas e mais criativas, em âmbito internacional e dentro da tradição do verso pós Mallarmé” (Um Inseto semiótico, em Contracomunicação, Ed. Perspectiva, 1971). A análise feita por Décio Pignatari por sua vez é brilhante, escavando o soneto e expondo suas entranhas. Ele ainda lembra que Áporo surgiu em A Rosa do Povo, 1945, “ano da agonia do nazifascismo e do Estado Novo (‘em país bloqueado’), ano da soltura de Luís Carlos Prestes (‘presto se desata’...) ano de todas as auroras”.