quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Jornal da Tarde – já vai tarde?




Infelizmente, o Jornal da Tarde já foi há muito tempo. Seus tempos foram de glória, de beleza, de escrever muito bem. Comecei no jornalismo profissional (Revista Semanal da Abril – que se tornou Veja e Leia e depois Veja –, vejam só!) tendo o JT como referência. Não podia ser diferente, porque o criador de Veja, Mino Carta, tinha sido o seu idealizador e levou para a Abril boa parte de sua equipe no jornal. Apaixonados pelo jornalismo. Aprendi nessa época que a objetividade é importante, mas é relativa, aprendi que o texto da notícia deve ser bonito. O Jornal da Tarde nas bancas de revista me enchia de alegria e preguiça, era lindo de se ver, lindo de se ler. E era muito paulistano. Teve essa manchete, que nunca poderia esquecer, quando João Saldanha foi escolhido técnico da Seleção: “Nós perdemos a Seleção”. Fiquei chocado. Mais chocado ainda quando vi que todos na redação da Veja pensavam igual. Foi aí que criei a FUAJOS – Frente Unida de Apoio a João Saldanha. Colei cartazes em todas as editorias da revista. Na verdade a FUAJOS era eu sozinho contra todos... Fico com saudade do Jornal da Tarde daqueles tempos.

O incerto drummondiano


ÁPORO

Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado
enlace de noite
raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão mistério)
presto se desata:

em verde, sozinha,
antieuclidiana
uma orquídea forma-se.


Pensei em reproduzir um cartão que Drummond me enviou parabenizando por meu primeiro livro, Onomatopoemas, mas não está aqui comigo. De qualquer maneira, a melhor homenagem que se pode fazer nesses 110 anos do seu nascimento é reproduzir um de seus poemas. Escolhi o soneto Áporo (inseto himenóptero, da família dos cavadores; problema difícil ou impossível de resolver; planta das orquídeas), pouco conhecido, mas que Décio Pignatari considerou “uma das peças de poesia mais perfeitas e mais criativas, em âmbito internacional e dentro da tradição do verso pós Mallarmé” (Um Inseto semiótico, em Contracomunicação, Ed. Perspectiva, 1971). A análise feita por Décio Pignatari por sua vez é brilhante, escavando o soneto e expondo suas entranhas. Ele ainda lembra que Áporo surgiu em A Rosa do Povo, 1945, “ano da agonia do nazifascismo e do Estado Novo (‘em país bloqueado’), ano da soltura de Luís Carlos Prestes (‘presto se desata’...) ano de todas as auroras”.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

São Paulo, cada vez mais verde-amarela


No início do ano (4 de fevereiro), postei aqui que “até as pedras sabem que São Paulo quer mudar”. Não estava inventando história para juiz dormir.  Naquela época, já existia uma pesquisa Datafolha (27 de janeiro) que apontava Serra (21%) e Russomano (17%) empatados tecnicamente e seguidos de Netinho (11%), Soninha (9%), Paulinho (8%), Chalita (6%), Haddad (4%), Afif (3%), Fidelix (1%) e Borges (1%). Mas também tive acesso a outras pesquisas que apontavam Haddad com mais de 40%, quando seu nome era associado a Lula. E escrevi: “O povo paulistano está vendo no Brasil que está à sua volta um mundo inteiramente novo e bem melhor, no qual ele não está inteiramente inserido. O paulistano quer renovação, quer viver 100% o Brasil de Lula e Dilma”. Para ilustrar o post, fiz um mapa de São Paulo com seus bairros em verde e amarelo (uma divisão, aliás, bem próxima do mapa eleitoral que a Folha divulgou). Os resultados do primeiro turno começam a me dar razão – mas por que demorou tanto? Acho que houve tropeços táticos na campanha petista. Contaram com um Lula que ainda não está a todo vapor. Possivelmente, confiante demais na garantia de Lula na conquista do voto de perfil popular, a campanha (de excelente qualidade) ganhou um ar extremamente classe média. Foi em busca do voto com tendência mais tucana. Não viram (ou não consideraram) que o ambiente de eleitor tradicionalmente petista coincide com o de eleitor evangélico. Foi a liga necessária para o impulso de Russomano. A tática petista teve a vantagem de não permitir o crescimento de Serra – mas isso não era o mais importante, já que sua rejeição altíssima e seus “aliados” de todas as plumagens se encarregariam disso. Foi preciso acender a luz verde-amarela para que a campanha de Haddad partisse para cima de Russomano em busca do eleitor perdido. Acabou dando a lógica que tinha sido abandonada. Agora, dificilmente Haddad perderá. A cidade mais poderosa do país certamente se incorporará a um Brasil novo, mais vibrante e menos desigual – tudo aquilo que São Paulo precisa – e deseja – ser.