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terça-feira, 9 de abril de 2013

Thatcher - o mundo não precisava passar por isso


Não entendo como pode existir tanta viúva de Margaret Thatcher. Ou melhor, entendo: é puro radicalismo dos mais obtusos. Tem um amigo que diz que ela teve a coragem de fazer o que era preciso fazer. É verdade, teve a coragem de destruir as conquistas sociais britânicas para impor o receituário neoliberal. Mas acabou com a inflação, argumentam, e ainda alavancou a economia. Não é bem assim. Pelo que sei, ela pegou o país (1979) com inflação de 8,3%, chegou a baixar para 3,4% e no final do seu “reinado” (1990) estava em 9,5%. Pegou o país com 3,2% de crescimento do PIB e largou com 0,8%. Desemprego, nem se fala. Ela era boa de marketing, isso, sim. Hoje, na Folha, Vladimir Safatle publicou esse artigo, bem interessante.
Canonizando MargaretVladimir Safatle
"Não existe esse negócio de sociedade. Existem apenas homens e mulheres individuais, e há famílias." Foi com essa filosofia bizarra que Margaret Thatcher conseguiu transformar o Reino Unido em um dos mais brutais laboratórios do neoliberalismo.Com uma visão que transformara em inimigo toda instituição de luta por direitos sociais globais, como sindicatos, Thatcher impôs a seu país uma política de desregulamentação do mercado de trabalho, de privatização e de sucateamento de serviços públicos, que seus seguidores ainda sonham em aplicar ao resto do mundo.De nada adianta lembrar que o Reino Unido é, atualmente, um país com economia menor do que a da França e foi, durante um tempo, detentor de um PIB menor que o brasileiro. Muito menos lembrar que os pilares de sua política nunca foram questionados por seus sucessores, produzindo, ao final, um país sacudido por motins populares, parceiro dos piores delírios belicistas norte-americanos, com economia completamente financeirizada, trens privatizados que descarrilam e universidades com preços proibitivos.Os defensores de Thatcher dirão que foi uma mulher "corajosa" e, como afirmou David Cameron, teria salvo o Reino Unido (Deus sabe exatamente do quê). É sempre bom lembrar, no entanto, que não é exatamente difícil mostrar coragem quando se escolhe como inimigo os setores mais vulneráveis da sociedade e quando "salvar" um país equivale, entre outras coisas, a fechar 165 minas.Contudo, em um mundo que gostava de se ver como "pós-ideológico", Thatcher tinha, ao menos, o mérito de não esconder como sua ideologia moldava suas ações.A mesma mulher que chamou Nelson Mandela de " terrorista" visitou Augusto Pinochet quando ele estava preso na Inglaterra, por ver no ditador chileno um "amigo" que estivera ao seu lado na Guerra das Malvinas e um defensor do "livre-mercado".Depois do colapso do neoliberalismo em 2008, ninguém nunca ouviu uma simples autocrítica sua a respeito da crise que destroçou a economia de seu país, toda ela inspirada em ideias que ela colocou em circulação. O que não é estranho para alguém que, cinco anos depois de assumir o governo do Reino Unido, produziu o declínio da produção industrial, o fim de fato do salário mínimo, dois anos de recessão e o pior índice de desemprego da história britânica desde o fim da Segunda Guerra (11,9%, em abril de 1984). Nesse caso, também sem a mínima autocrítica.Thatcher gostava de dizer que governar um país era como aplicar as regras do bom governo de sua "home". Bem, se alguém governasse minha casa dessa forma, não duraria muito.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Os tucanos - sem conseguir voar e sem ter onde pousar




Muito bom o artigo de Vladimir Safatle, hoje na Folha, "O colapso do PSDB". Fala com precisão desse bando de tucanos em voo cego pelo Brasil em busca de re-pouso. Mas está difícil, foram reprovados e nesse novo Brasil não há mais clima para suas rasantes - não conseguem nem mesmo um "voo fênix".

O colapso do PSDB
Vladimir Safatle
O caráter errático da campanha é o último capítulo da dissolução ideológica do partido

Há algo de melancólico na trajetória do PSDB. Talvez aqueles que, como eu, votaram no partido em seu início, lembrem do momento em que a então deputada conservadora Sandra Cavalcanti teve seu pedido de filiação negado. Motivo: divergência ideológica.
De fato, o PSDB nasceu, entre outras coisas, de uma tentativa de clarificação ideológica de uma parcela de históricos do MDB mais afeitos às temáticas da socialdemocracia européia.
Basta lembrarmos dos votos e discussões de um de seus líderes, Mario Covas, na constituinte. Boa parte deles iam na direção do fortalecimento dos sindicatos e da capacidade gerencial do Estado. Uma perspectiva contra a qual seu próprio partido voltou-se anos depois.
A história do PSDB parece ser a história do paulatino distanciamento desse impulso inicial. Ao chegarem ao poder federal, os partidos socialdemocratas que lhe serviram de modelo (como os trabalhistas ingleses e o SPD alemão) haviam começado um processo irreversível de desmonte das conquistas sociais que eles mesmos realizaram décadas atrás. Um desmonte que foi acompanhado pela absorção de suas agendas políticas por temáticas vindas da direita, como a segurança, a imigração, a diminuição da capacidade de intervenção do estado, entre outros.
Este movimento foi reproduzido pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
Assim, víamos uma geração de políticos que citavam, de dia, Marx, Gramsci, Celso Furtado e, à noite, procuravam levar a cabo o "desmonte do estado getulista", "a quebra da sanha corporativa dos sindicatos", ou "a defesa do Estado de direito contra os terroristas do MST".
O resultado não foi muito diferente do que ocorreu com os partidos socialdemocratas europeus. Fracassos eleitorais se avolumaram, resultantes, principalmente, de uma esquizofrenia que os faziam ir cada vez mais à direita e, vez por outra, sentir nostalgia de traços ainda não totalmente extirpados de discursos classicamente socialdemocratas. No caso alemão, o SPD acabou prensado entre uma direita clara (CDU, FDP) e uma esquerda renovada (Die Linke).
No caso brasileiro, esta eleição demonstra tal lógica elevada ao paroxismo. Assistimos agora ao candidato do PSDB ensaiar, cada vez mais, um figurino de Carlos Lacerda bandeirante; com seu discurso pautado pela denúncia do aumento galopante da insegurança, do narcotráfico, do angelismo do governo com o terrorismo internacional das Farcs e, agora, o risco surreal de "chavismo" contra nossa democracia. Um figurino que não deixa de dar lugar, vez por outra, a uma defesa de que é de esquerda, de que recebeu palavras carinhosas de Leonel Brizola, de que vê em Lula alguém "acima do bem e do mal" etc.
Nesse sentido, o caráter errático de sua campanha não é apenas um traço de seu caráter ou um problema de cálculo de marketing.
Trata-se do capítulo final da dissolução ideológica de uma sigla que só teria alguma chance se tivesse ensaiado algo que o PS francês tenta hoje: reorientação programática a partir de um discurso mais voltado à esquerda e (algo que nunca um tucano terá a coragem de fazer) autocrítica em relação a erros do passado.

Vladimir Safatle é professor no departamento de filosofia da USP