domingo, 21 de dezembro de 2008

César Maia dá nota 4 para sua atual gestão

Boa entrevista hoje, na Folha, que reproduzo na íntegra:
De saída, Cesar Maia afirma que tem desempenho melhor que de Lacerda
Prefeito mais longevo do Rio dá nota 4 ao seu terceiro mandato, apóia Serra para presidente e tem como opção futura dar aula na Espanha à espera de candidatura ao Senado ou ao governo do Estado
Mário Magalhães, sucursal do Rio
Se a vida é sonho, e a vida de Cesar Epitácio Maia amalgamou-se a um pragmatismo proverbial, nem nos seus sonhos o prefeito da cidade do Rio de Janeiro se liberta das decisões e dos despachos que consomem as 19 horas diárias em que permanece acordado.
Ele conta que no ano passado desatou, enquanto dormia, o nó que o apoquentava: o reajuste salarial de engenheiros e arquitetos do município. "Acordei com o decreto pronto na cabeça", recorda. Durante o sono, equações matemáticas são encaradas -e solucionadas-, diz.
Na madrugada de uma quarta-feira do começo de dezembro, o prefeito que mais tempo governou a antiga capital do país sonhou com a medida que tomara na véspera, de desligar à noite os pardais, aparelhos eletrônicos que fiscalizam a velocidade dos automóveis.
"Potencializei no sonho uma reação negativa, costume dos últimos meses, daquilo que eu estava fazendo", disse horas depois à Folha, na sede administrativa da prefeitura -o Piranhão, como os cariocas alcunharam o edifício erguido em uma antiga zona de meretrício.
O sonho não decorria de delírio persecutório. Aplausos aos seus atos rarearam à medida que se acercou do fim do seu mandato, o terceiro, no arremate do ciclo de 12 anos de gestão (1993-1996; 2001-2008).
São 16 anos, se somado o quadriênio de Luiz Paulo Conde (1997-2000), o desconhecido ex-secretário que Cesar Maia ungiu sucessor, no que o lugar-comum designa "eleger um poste". Invenção veio a romper com inventor, mas na essência estilo e equipe administrativa se mantiveram.
Nessas quase duas décadas, Cesar -como o prefeito é chamado, assim como Itamar Franco é Itamar, e não Franco- tocou obras como a Linha Amarela (via que une as zonas norte e oeste) e o estádio Engenhão. Comandou projetos como o Rio-Cidade, que remodelou grandes áreas, e o Favela-Bairro, modelo internacional.
Chegou a ser apontado como vocação inequívoca para o Executivo, catedrático do marketing político e postulante promissor à Presidência.
Na despedida, contudo, assemelha-se à construção que no futuro deve ser associada a ele como o Sambódromo é ao governador Leonel Brizola (1922-2004): acumulam-se apupos à Cidade da Música, que Cesar compara ao mausoléu indiano Taj Mahal e cujos detratores condenam como monumento ao desperdício (custo de ao menos R$ 518 milhões).
Na segunda quinzena de outubro, meros 22% dos moradores do Rio consultados pelo Datafolha aprovavam sua gestão (avaliações ótimo e bom). Ao fim do primeiro mandato, eram 52%. Do segundo, 61%.
O político que alardeia jamais ter apoiado perdedor em pleito local viu sua candidata, Solange Amaral (DEM), definhar em quinto lugar, aquém dos 4% dos votos. Ele fugiu de campanha na zona sul, temeroso da aversão contra si na área mais rica da cidade, onde a classe média pulula. O eleito foi Eduardo Paes (PMDB), outra cria sua que o abandonou.
Cesar aposta que algum dia as análises retrospectivas lhe serão generosas. Julga ter sido melhor prefeito que Carlos Lacerda (1914-77), o governador da Guanabara (antiga denominação do município do Rio) na primeira metade da década de 1960, ainda hoje evocado como governante inspirado.
O que provocou, nas suas palavras, o "desgaste de imagem"? Para um político que dá duro até em sonho, a busca pela resposta se tornou obsessiva.
Vaias
Enquanto arrumava cerca de 300 caixas com papéis que coleciona desde 1968, ano em que foi preso no congresso da União Nacional dos Estudantes, o prefeito matutou sobre o que saiu errado.
Como ele anota, contratempos e tropeços não lhe faltaram antes, como um temporal digno de romance de García Márquez (1996), uma epidemia de dengue (2002; outra sobreviria em 2008) e a intervenção federal na saúde (2005).
Nos estertores de 1993, 9% o aprovavam. Cesar, porém, lograva a volta por cima. De 2007 para cá, para cima se consolidou a flecha da reprovação.
Sua conclusão: "O Pan-Americano foi um sucesso para a cidade. Do ponto de vista da ação do governo, foi o elemento de desintegração da imagem".
O prefeito inventaria: quando a candidatura do Rio venceu, os Jogos previstos eram modestos; no meio do caminho, o Comitê Olímpico Brasileiro sugeriu grandiloqüência, com a ambição de sediar a Olimpíada; o Estado gastou pouco, e a União entrou tarde na operação; a prefeitura, "que tem capacidade de investimentos com recursos próprios de R$ 700 milhões por ano, em dois anos desembolsou R$ 1 bilhão" com o Pan.
O dinheiro que faltou para a fatura oriunda da competição foi subtraído de outras frentes. "Tive que derrubar as despesas", afirma Cesar. A conservação da cidade piorou.
"Perdemos qualidade, o que permitiu que a crítica ao governo, injusta, fosse absolutamente certa. A imagem [ruim] estava construída, lastreada em razões efetivas." Por que, então, injustiça? "Deviam ter me dado uma carência."
Tabela da prefeitura mostra que, enquanto o crescimento real das receitas bateu 8,2% no período de um ano encerrado em outubro, nos mesmos 12 meses as despesas despencaram -era dinheiro para saldar compromissos do Pan.
O prefeito lembra elogios das autoridades desportivas ao evento: "Estou pensando que fiz um gol, corro para a galera, a galera vai me abraçar. Quando chego à galera, ela está vaiando. Mas é uma questão que se dilui no tempo com rapidez".
Nota 8
A dimensão histórica de Cesar Maia e suas perspectivas estão ligadas à percepção sobre seu desempenho como prefeito. Ele concede 10 "com louvor" ao seu primeiro governo, 10 ao segundo e 4 ao terceiro ("sofrível, porque quebrado pelo Pan") -em outubro, no Datafolha, os eleitores lhe deram nota 4,3. Na média, 8.
Como Carlos Lacerda, Cesar iniciou no comunismo e se moveu para a direita. No DEM, ex-PFL, o prefeito se tem como "social-democrata-liberal". Do antigo governador, diz guardar amor e ódio. "Amo o governador e odeio o político."
Cesar premia com um 10 "com louvor" o desempenho de Lacerda na administração. Em infra-estrutura urbana, 10 "sem louvor". Como "estrategista do desenvolvimento econômico", nota zero.
"Ele imaginou, uma falha gravíssima, que o fundamental seria o relançamento industrial do Rio." A cidade, acredita, deveria se voltar para os serviços.
Incluindo outros itens, Cesar cravou 6 de média para Lacerda, em cujo governo (1960-1965) nasceram o aterro do Flamengo e a adutora do Guandu, decisiva para o abastecimento de água. Foi mesmo melhor que Lacerda? "Não tenha dúvida." No balanço sincero da história, considera Pedro Ernesto, prefeito nos anos 1930, o melhor de todos.
Além do seu desempenho como gestor, Lacerda ficou na memória como um entusiasta de golpes -da Intentona Comunista de 1935 ao movimento militar de 1964, passando pela morte de Getúlio Vargas em 1954. Ignora-se o que sobreviverá do empenho de Cesar para aparecer na mídia a qualquer preço na sua primeira gestão. Ele cumprimentou os ossos de um dinossauro em museu, prometeu os Beatles em Copacabana, decretou luto pela morte de um macaco, estendeu o horário de verão. Assegura que não pediu sorvete em açougue, apenas indagou onde poderia comprar um. Ao notar o mal-entendido, deu corda.
"Não contrariei a notícia que me interessava, aquele negócio de maluco. [...] Comecei a construir fatos. Eu fazia combinação com um fotógrafo. Eu dizia: "Vou te arranjar uma fotografia aqui. Você se prepara que vai ser aquela para arrebentar". Aí tinha um favelado tomando banho, eu jogava um balde de água na cabeça dele."
Tudo porque descobrira que "ninguém sabia quem era o prefeito". Eram os factóides, "explodindo as imagens para produzir noticiário". Sem cerimônia, Cesar contaria que espalhou gente pelas ruas para disseminar o boato de que um político adversário desistira de uma eleição. Ou que chutava números para impressionar.
Nem tudo mudou. Em sua newsletter, o prefeito trombeteou que seus estudos projetavam o mínimo de 15% de votos para Solange. Na verdade, revela hoje, esse era o teto. "Entrei na campanha sabendo que a gente tinha perdido."
Passado e futuro
Com a derrota, Cesar não sabe o que será o porvir. Diz que pode passar dois anos dando aulas em Madri sobre administração pública. Em 2010, sair para senador ou governador. Em 2012, tentar o quarto mandato ou, cenário sombrio, lançar-se para vereador.
Recomeçar por baixo talvez fosse uma tragédia para um passional, não para um pragmático. Cesar militou na luta armada contra a ditadura militar, foi preso, exilado, retornou e em 1983 tornou-se secretário da Fazenda de Brizola. Foi um dos muitos dissidentes do brizolismo que prosperaram. Agora, encarna a árvore cujos galhos se rebelam e superam o tronco original -como no caso de Paes. Está com José Serra (PSDB) para presidente.
Indagado sobre seu sumiço das ruas, confirma que sai menos, porque tem 63 anos, e não os 47 da estréia como prefeito.
Provocado sobre um possível desencanto com a administração, responde por 1 hora e 15 minutos, em entrevista de quatro horas, e nega a impressão.
Sua solidão pessoal é metáfora do isolamento político. Da solidão, ele não reclama: "Não posso, porque gosto. Gosto de estar em casa com a minha mulher. Nunca fui a boate. Raramente vou jantar fora. O meu hábito me dá prazer".
Noutro dia, Mariangeles Maia, a chilena com quem ele se casou no exílio, zapeava a TV. Ao ver Paulinho da Viola, o prefeito pediu para ela parar. "Vamos ver se ele fala mal de mim" -no passado, o compositor protestou contra o cachê de um show de Réveillon. Cesar se reconheceu: "Perguntam ao Paulinho: "Você vive do passado?" Paulinho responde: "Não, o passado vive em mim". Aquela resposta foi muito forte".