segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Vergonha sem fim: Oriente Médio

Faça "paz" ou faça guerra, testemunhamos o massacre do povo palestino. Nos períodos de "paz", o massacre é principalmente pelo racionamento de água; nos períodos de guerra, o massacre é pelo fogo indiscriminado das bombas israelenses. Já escrevi aqui (Como Israel destrói mais: com bombas ou com o racionamento de água?):
A região palestina conta com 3 principais fontes de água – o Rio Jordão (aquele de Jesus e João Batista, que vai do Mar Morto ao Galileu), o Aqüífero (espécie de rio subterrâneo) da Montanha (na chamada “Margem Ocidental”) e o Aqüífero Litorâneo (na Faixa de Gaza). Antes da famosa Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel só detinha 3% da Bacia do Rio Jordão, apesar de já ter construído uma complexa infraestrutura de canais, estações, reservatórios e aquedutos que desviava 75% do Jordão para o usufruto israelense. Depois de 1967, Israel passou a ter controle total. A Síria e a Jordânia ainda têm direito a algum uso, mas os palestinos são proibidos de beber das águas do Rio Jordão. Têm que se virar com os aqüíferos e seus caminhões-pipa. Mesmo assim, apenas 19% da água estão disponíveis para os palestinos... O grupo de direitos humanos chamado “Se eles soubessem” (If They Knew) descreve mais problemas: “Na Margem Ocidental (região a oeste do Rio Jordão, encampada por Israel), cerca de 50 poços e 200 cisternas foram destruídos ou separados de seus proprietários pelo Muro construído na área – que também precisou da destruição de outros 25 poços e cisternas, além de 35 km de aquedutos somente na sua construção. Ao considerar Gaza e Margem Ocidental como duas coisas independentes, Israel também proíbe que os palestinos gazeanos utilizem a água do Aqüífero da Montanha e tratem de sobreviver com o Aqüífero Litorâneo e seus 90% de água não-potável! Pior: os palestinos não têm outra escolha a não ser beber essa água não-potável, que se degrada ainda mais. Seguindo as cotas israelenses, os palestinos da Margem Ocidental têm direito a 70 litros de água por pessoa/dia e os da Faixa de Gaza têm direito a apenas 13 litros, enquanto o mínimo humanamente concebível é de 100 litros, de acordo com a Organização Mundial de Saúde! As conseqüências são óbvias. Desespero, doenças, destruição lenta e sofrida de todo um povo. É como se estivessem planejando uma espécie de “lavagem étnica”.
Quanto ao atual bombardeio, prefiro transcrever o texto de Robert Fisk, colunista do Independent, que o Globo publica hoje:
Líderes mentem e civis morrem
Estamos tão acostumados a ver carnificinas no Oriente Médio que não ligamos mais.
Não está claro quantos dos mortos em Gaza são civis, mas a resposta do governo Bush, sem mencionar a pusilânime reação do premier britânico Gordon Brown, reafirma para os árabes o que eles sabem há décadas: o Ocidente está sempre do lado de Israel.
Como de costume, o banho de sangue foi culpa dos árabes que, como todos sabem, só entendem o uso da força.
Desde 1948, ouvimos dos israelenses e dos nacionalistas árabes e depois árabes muçulmanos a lengalenga de que Jerusalém será “libertada”. E sempre Bush pai e depois o filho, Bill Clinton, Tony Blair ou Gordon Brown chamam os dois lados e pedem moderação, como se ambos tivessem caças F-18, tanques Merkava e artilharia pesada. Os foguetes caseiros do Hamas mataram apenas 20 israelenses em oito anos. Mas num único dia a Força Aérea de Israel matou quase 300 palestinos, e apenas como parte de uma operação.
Sim, o Hamas provocou a ira de Israel, assim como Israel provocou a do Hamas. E o que isso quer dizer? O Hamas lança foguetes em Israel e Israel joga bombas no Hamas. Entendeu? Pedimos pela segurança de Israel, mas ignoramos o desproporcional massacre realizado por Israel.
No fim de semana tivemos 298 palestinos mortos para um israelense. Em 2006, a proporção era de 10 libaneses mortos para cada israelense que perdia a vida. Este fim de semana foi marcado pela inflação do número de mortos. O maior desde a guerra de 1973? Desde a Guerra dos Seis Dias, de 1967? De Suez, em 1956? Da Guerra de Independência de 1948? É um obsceno e nojento jogo que Ehud Barak, o ministro da Defesa de Israel, inconscientemente admitiu quando falou este fim de semana na Fox: “Nossa intenção é mudar totalmente as regras do jogo”, disse Barak.
Vários dos mortos do fim de semana pareciam ser do Hamas.
Mas o que isso resolverá? O Hamas dirá: “Oh, esse ataque foi impressionante e nós reconheceremos o Estado de Israel, entraremos na linha, renunciaremos às armas e rezaremos para sermos levados prisioneiros e trancafiados indefinidamente, e daremos apoio a um novo ‘processo de paz’ promovido pelos EUA no Oriente Médio!” Será que é isso mesmo que os israelenses e os americanos pensam que o Hamas fará? Vamos relembrar o cinismo do Hamas, o cinismo de todos os grupos armados islâmicos.
A necessidade de produzir mártires muçulmanos é crucial para eles e Israel os está criando.
A lição que Israel pensa estar dando não é a lição que o Hamas está aprendendo. O Hamas precisa da violência para enfatizar a opressão dos palestinos e conta com Israel para providenciar isso. Basta lançar uns foguetes em Israel e Israel lhes faz esse favor.
E nem sequer uma lamentação de Tony Blair, o enviado de paz para o Oriente Médio que nunca esteve em Gaza na atual encarnação. Nem uma palavra. Mas nós ouvimos o habitual discurso de Israel. O general Yaakov Amidror, ex-diretor da “divisão de pesquisa e avaliação” do Exército, anunciou que “nenhum país no mundo permitiria que seus cidadãos fossem feitos de alvos para foguetes sem tomar medidas vigorosas para defendê-los”. Exato.
Mas quando o Exército Republicano Irlandês (IRA) lançava foguetes na Irlanda do Norte, quando suas guerrilhas vinham da Irlanda para atacar delegacias de polícia e protestantes, o Reino Unido usou a Força Aérea para bombardear a república irlandesa? A Força Aérea britânica por acaso atacou igrejas e delegacias e matou de uma só vez 300 pessoas para ensinar à Irlanda uma lição? Não, o Reino Unido não fez isso. Não fez porque o mundo veria um ataque assim como uma ação criminosa. Não queríamos nos rebaixar ao nível do IRA.
Sim, Israel tem o direito à segurança. Mas esses banhos de sangue não lhe trarão segurança. Nem desde 1948 trouxeram algum tipo de proteção para Israel. Os israelenses bombardearam o Líbano milhares de vezes desde 1975 e isso não eliminou o terrorismo. Então o que foi o fim de semana? Os israelenses ameaçam fazer ataques por terra. O Hamas espera por outra batalha. Os políticos do Ocidente encolhem-se covardemente. E em algum lugar do Oriente numa caverna? Num porão? Numa montanha? Bem, em algum lugar, um muito conhecido homem de turbante sorri.