As pesquisas das últimas décadas mostram como a pequena seita judaica criada por Jesus conseguiu sobreviver de maneira surpreendente à guerra de 66-70 d.C., em que os romanos praticamente massacraram os judeus. Isso ocorreu por obra de um homem que havia sido um implacável perseguidor desse povo convertido: o apóstolo Paulo, nascido em uma família israelita de Tarso, na atual Turquia, com o nome de Saulo.
No ano 48 d.C., realiza-se o Concílio de Jerusalém. Nessa reunião, Paulo conseguiu convencer Tiago, irmão de Jesus e líder da seita que continuou na Palestina após a crucificação, a permitir que pagãos convertidos fossem dispensados de seguir a Lei judaica, que estabelecia, entre outras obrigações, a circuncisão e os princípios de seleção e preparação de alimentos. Paulo prossegue com sua missão, mas a doutrina pregada por ele já não era a mesma da Igreja de Jerusalém.
Para Tiago e seus seguidores, Jesus era o Messias, que teria vindo ao mundo para livrar o povo judeu da opressão. Era o escolhido para implantar o Reino de Deus, isto é, governar Israel conforme a Lei. Paulo, porém, apresentava Jesus sob o nome grego Cristo, cujo significado era o mesmo de Messias em hebraico: "Ungido". O Cristo anunciado por ele era o Filho de Deus.
Tiago é morto por apedrejamento quatro anos depois. Paulo é decapitado em Roma depois por ordem de Nero. Mas o mundo conhecerá somente o Cristo de Paulo.
O Cristo celestial de Paulo obscurece o Jesus histórico, cresce com o Império Romano e se expande para o mundo.
Segundo o que se conhece sobre aqueles tempos turbulentos, a Igreja cristã de Jerusalém praticamente morreu com o massacre comandado por Tito no ano 70. Tiago e seus seguidores teriam sido judeus de origem humilde, talvez com modesta formação intelectual, afirma Robert Eisenman, diretor do Instituto de Estudos das Origens Judaico-Cristãs, da Universidade do Sul da Califórnia, em Long Beach, nos EUA. O sofisticado Paulo, ao contrário, tivera sólida formação na cultura greco-romana e preparou o caminho para que a expansão cristã pudesse prosseguir após sua morte.
Paulo permaneceu 18 meses em Corinto, na Grécia, pregando aos trabalhadores do porto e marinheiros, que passaram a difundir sua mensagem. "Paulo enxergava a direção que tomava o mundo e agiu para fazer o cristianismo crescer no futuro", diz o teólogo Hermínio Andrés Torices.
A intuição do apóstolo faz com que ele apresente a fé cristã com uma dramatização comovente e arrebatadora para os homens de um mundo sob domínio político opressivo.
Paulo, que conhecera os filósofos estóicos, como o romano Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.), cria uma doutrina semelhante em alguns aspectos ao pensamento deles. O estoicismo, que esvaziava da filosofia o conteúdo político em favor da moral e da realização subjetiva, surgira a partir da perda da liberdade política das cidades-estado gregas para os conquistadores macedônios no século 4 a.C. A liberdade do cristão, diz Paulo, é a salvação obtida somente por meio da fé e do amor em Cristo.