sábado, 20 de outubro de 2007

Merval, o PT, o poder

Interessante as colunas de Merval Pereira no Globo de sábado ("O poder do PT") e de domingo ("O profissional oculto"). O texto de sábado reproduzo na íntegra, logo abaixo. Ele foi feito com base no trabalho “O crescimento institucional e as transformações do Partido dos Trabalhadores”, do cientista político Oswaldo Amaral, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentado no Congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos (Lasa), em setembro, no Canadá. Amaral mostra que “a ampliação do espaço institucional ocupado pelo PT operou mudanças no perfil social das lideranças de base petistas, os delegados, e que hoje o partido tem uma relação muito mais estreita com o Estado do que até meados dos anos 90". A conclusão da relação mais estreita com o Estado parece óbvia, já que afinal de contas o PT chegou ao poder e, naturalmente, deve estreitar suas relações com o Estado. A questão principal é o eterno dilema dos partidos (principalmente de esquerda) quando chegam ao poder: como fazer para ocupar o poder sem corromper o perfil que o ajudou a chegar lá? Comparando pesquisas feitas com os delegados petistas que participaram do 11º Encontro Nacional, em 1997, do 2º Congresso Nacional, em 1999, e com os do 13º Encontro Nacional, em 2006, Amaral encontrou dados que sugerem que o comentário (“É provável que a participação [institucional] tenha mudado a base social do partido. É compreensível, assim, que a maioria incline-se para o compromisso com a legalidade estabelecida. As mudanças na ideologia do PT o refletem”) feito pelo cientista político André Singer, ex-porta-voz do Palácio do Planalto, corresponde à realidade. Ou seja, a ideologia teria começado a mudar em função da provável mudança na sua base social, que, hoje, teria uma influência majoritária de funcionários públicos. Considero que essa é uma das questões mais importantes que o PT deve tratar agora.
O poder do PT (Merval Pereira). A estreita relação do Partido dos Trabalhadores com o Estado, que já havia sido demonstrada em uma pesquisa recentemente divulgada pela Fundação Getulio Vargas, ganha agora novas dimensões com um trabalho do cientista político Oswaldo Amaral, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentado no Congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos (Lasa), em setembro, no Canadá. No texto “O crescimento institucional e as transformações do Partido dos Trabalhadores”, Amaral mostra que “a ampliação do espaço institucional ocupado pelo PT operou mudanças no perfil social das lideranças de base petistas, os delegados, e que hoje o partido tem uma relação muito mais estreita com o Estado do que até meados dos anos 90”. A partir de pesquisas realizadas junto aos delegados que participaram do 11º Encontro Nacional, em 1997, do 2º Congresso Nacional, em 1999, e do 13º Encontro Nacional, em 2006, chega-se à conclusão de que os funcionários públicos, que sempre constituíram o grupo socioocupacional mais numeroso entre os delegados petistas, tiveram sua participação ampliada ao longo do tempo, atingindo ampla maioria já no ano passado. O número de trabalhadores assalariados entre os delegados nos encontros e congressos petistas caiu de 32% para 13,1%, enquanto o de funcionários públicos subiu de 33% para 57,1%. Essa mudança do perfil social dos representantes do PT traria como conseqüência uma maior inclinação dos delegados a aceitar a democracia e o capitalismo, e uma menor autonomia partidária em relação ao governo central. Ao contrário, é também essa ampliação dos espaços dos militantes petistas dentro da máquina estatal que faz com que os partidos oposicionistas temam que o PT, não tendo candidato forte à sucessão, tente um “golpe constitucional” para permitir a Lula concorrer pela terceira vez consecutiva, mantendo assim os espaços alcançados na administração federal. Na pesquisa, realizada em 2006, foi possível também traçar a origem ocupacional daqueles que trabalham para o Estado. Segundo a sondagem, 19,4% dos delegados que responderam ao questionário são funcionários públicos concursados, 15,6% ocupam cargos de confiança no Poder Executivo e 16,3% no Poder Legislativo. De acordo com pesquisa realizada no 7º Encontro Nacional e no 1º Congresso Nacional, em 1990 e 1991, a porcentagem de delegados que ocupavam cargos de confiança nos poderes Executivo e Legislativo era, respectivamente, de 11,2% e 17%. Fica claro que houve um aumento no número de delegados que ocupam cargos de confiança no Poder Executivo, enquanto foram mantidos percentualmente os cargos no Poder Legislativo. “Para um partido fundado a partir das lutas sociais, os números mostrados acima representam uma alteração importante no perfil social de suas lideranças”, comenta Oswaldo Amaral, lembrando que já em 2001, ao analisar os dados sobre o perfil socioocupacional dos delegados petistas presentes ao 11º Encontro Nacional e ao 2º Congresso, o cientista político André Singer, ex-porta-voz do Palácio do Planalto, fez o seguinte comentário: “É provável que a participação [institucional] tenha mudado a base social do partido. É compreensível, assim, que a maioria incline-se para o compromisso com a legalidade estabelecida. As mudanças na ideologia do PT o refletem”. Oswaldo Amaral, considerando que a hipótese levantada por Singer “é polêmica por vincular as mudanças ideológicas do partido a eventuais transformações na sua base social operadas pela maior inserção institucional”, resolveu checá-la com uma pesquisa e encontrou dados que sugerem que a relação apontada por André Singer correspondia à realidade. Perguntados se concordavam com a frase “A democracia é sempre melhor que qualquer outra forma de governo”, 90,9% dos delegados afirmaram estar de acordo. Entre os funcionários públicos, a porcentagem foi ligeiramente mais alta, atingindo 93%. Já com relação à frase “Dentro do sistema capitalista, o Brasil está condenado a ser uma nação periférica e marginal”, 41,4% dos delegados mostraram concordância. Entre os funcionários públicos, a porcentagem foi um pouco mais baixa, de 36,6%. Para Oswaldo Amaral, “esses dados nos apontam, ainda que de maneira preliminar, que os delegados petistas ligados ao Estado tendem a fazer menos restrições à democracia como forma de governo e às possibilidades de desenvolvimento do país dentro do sistema capitalista, o que significa que estariam menos inclinados a defenderem internamente posturas mais radicais, como uma ruptura com as ordens política e econômica estabelecidas”. Essa imbricação dos interesses do PT com a máquina governamental está traduzida na pesquisa “Governo Lula, contornos sociais e políticos da elite no poder”, realizada pelo Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc) da Fundação Getulio Vargas, coordenada pela cientista política Maria Celina D’Araujo. A pesquisa, que abrangeu só a administração pública direta, tem números claros: 20% dos cargos mais altos do governo são ocupados por petistas. Desde os cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) 5 e 6 até os de Natureza Especial (NES), são 1.269 posições com os maiores salários do governo federal, de um total de 19.797 cargos. A pesquisa mostra que, quanto maior o escalão, maior é o percentual de filiados ao PT. Cerca de 25% dos cargos mais altos da administração pública federal estão em mãos de funcionários filiados a partidos políticos, sendo que 20% são petistas de carteirinha, que ocupam nada menos que 39,6% dos DAS-6, seguidos de 22,2% dos NES, os salários mais altos da administração pública.