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Obama, Lula e a crise, vistos por um Galbraith
Dá prazer ler uma entrevista como essa, do economista americano James K. Galbraith (feita por Martha Beck, do Globo). Além de ser filho damoso keynesiano John K. Galbraith, ele faz parte equipe de conselheiros do presidente Barack Obama e participou na quinta-feira, em Brasília, do Seminário Internacional sobre Desenvolvimento, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Sua visão é da crise é bastante objetiva, sem meio termos. Ao mesmo tempo, tem o cuidado de não parecer aquele conomista pretensioso do primeiro mundo que vem aqui nos dar aula de economia.Colocar dinheiro nos bancos é um passo fútil
O GLOBO: Por que o senhor afirma que o governo do presidente Obama tem sido excessivamente otimista em relação à crise?
JAMES GALBRAITH: Todo o governo trabalha com a expectativa de que a crise vai acabar até o fim deste ano e que vai haver crescimento forte no ano que vem. Isso é baseado numa projeção mecânica de que a normalidade vai retornar em quatro ou cinco anos. Mas essa é uma visão equivocada, e a política adotada se baseia nisso. Veremos que ela será insuficientemente agressiva. Mais precisa ser feito.
O GLOBO: Quando o senhor acha que a dimensão da crise ficará clara?
GALBRAITH: As coisas vão piorar até que as pessoas que acreditam no término da crise no curto prazo pensem: ‘Bem, acho que isso não vai ocorrer logo. Devemos agir mais fortemente.’
O GLOBO: As medidas anunciadas até agora pelo governo americano não surtiram efeito no mercado financeiro. Essa é uma crise de confiança?
GALBRAITH: Confiança é algo superestimado. A crise não pode ter fim por uma mudança de humor. A razão dela é o colapso do sistema bancário. Há grandes instituições insolventes porque adquiriram ativos com risco excessivo, e que foram olhados de forma negligente
O GLOBO: Por que essa crise é mais grave do que outras?
GALBRAITH: Porque suas origens estão no derretimento do setor bancário. Trata-se do colapso da integridade do sistema bancário. Em outras crises, o problema era formado por choques externos dos quais o sistema se recuperava. Agora, bancos, muitos deles grandes, já passaram do ponto de recuperação.
O GLOBO: O que o senhor acha que ainda precisa ser feito?
GALBRAITH: Nos Estados Unidos, a ampliação dos benefícios previdenciários, por exemplo. Isso ajudaria a estabilizar a situação financeira de boa parte dos idosos, que foram muito afetados pela perda do valor de imóveis e investimentos. Isso seria uma forma de restaurar o poder de compra desse grupo. Também poderia haver uma redução de impostos sobre a folha de pagamentos. Isso daria aumento de renda à população para poder honrar compromissos, como pagar a hipoteca ou o carro.
O GLOBO: O que o senhor acha da estratégia de injetar dinheiro nos bancos em dificuldades financeiras?
GALBRAITH: Colocar dinheiro nos bancos não vai fazê-los emprestar mais. Eles não precisam de dinheiro para emprestar. Eles concedem empréstimos que geram dinheiro (para eles). Isso não estimula crédito. O crédito está travado. Esse é um passo fútil. Estão fazendo isso porque o Tesouro ainda é muito influenciado pelo mercado financeiro. A realidade é que, quando um banco falha, o governo tem que usar seu time de reguladores, fazer uma auditoria e identificar quanto do banco pode ser salvo. Mas agora os bancos envolvidos são tão grandes que os reguladores estão preocupados com as consequências sistêmicas desse tipo de medida.
O GLOBO: O senhor defende a criação de um banco público (no estilo do BNDES) para ajudar a financiar pequenas empresas em momento de crise. Qual a importância disso?
GALBRAITH: Numa crise, temos que sustentar muitos negócios. Deveria haver uma autoridade competente para fazer isso. Sem ela, a ajuda aos setores se mistura com decisões políticas e há prejuízo para a atividade produtiva.
O GLOBO: Como o senhor avalia a política social do governo de Barack Obama?
GALBRAITH: O governo Obama e o governo Bush são como dia e noite. O atual colocou a agenda social como prioridade. Estamos saindo de um governo que era reacionário e indiferente em relação a qualquer assunto social ou ambiental para um governo que está determinado a fazer alguma coisa.
O GLOBO: Qual o efeito da crise para os países emergentes?
GALBRAITH: Como a crise está centrada nos sistemas bancários americano e europeu, os países ricos vão sofrer mais com ela. Mas, de forma geral, os mais pobres são os mais afetados porque dependem das exportações para os países ricos.
O GLOBO: O governo brasileiro afirma que o país está mais protegido contra a crise em função de uma política econômica voltada ao crescimento, com a ajuda de programas de investimentos. O que o senhor acha disso?
GALBRAITH: Obviamente há verdade nisso. Depois de 1997, os países latino-americanos controlaram melhor seu sistema financeiro e não se envolveram nessa loucura do mercado subprime (de créditos podres). Eles podem não ser afetados pelos efeitos imediatos da crise. Espero que o governo brasileiro esteja investindo. Fazer investimentos públicos é o caminho para sair da crise e manter o crescimento econômico.
O GLOBO: O Brasil estuda a possibilidade de reduzir seu superávit primário para garantir investimentos públicos este ano. O senhor acha esta opção correta?
GALBRAITH: Essa é a coisa certa a se fazer. Num momento em que o setor privado está reduzindo investimentos, não há por que o setor público não agir.
O GLOBO: O que o senhor acha da política econômica do governo Lula?
GALBRAITH: Não vou fazer comentário ou dar conselhos ao Brasil. Há um péssimo hábito dos economistas americanos de sair do avião e imediatamente ditar regras para um país.
O GLOBO: Até que ponto o senhor acredita que deve haver uma intervenção do Estado na economia?
GALBRAITH: Acho esse conceito de intervenção estatal muito estranho. O Estado é parte da economia. Sem ele, sem regulação, a economia não funciona. Eu diria que a diferença entre um país desenvolvido e um não desenvolvido não é tecnologia, é a existência de uma regulação eficiente para o setor privado.