Colocar dinheiro nos bancos é um passo fútil
O GLOBO: Por que o senhor afirma que o governo do presidente Obama tem sido excessivamente otimista em relação à crise?
JAMES GALBRAITH: Todo o governo trabalha com a expectativa de que a crise vai acabar até o fim deste ano e que vai haver crescimento forte no ano que vem. Isso é baseado numa projeção mecânica de que a normalidade vai retornar em quatro ou cinco anos. Mas essa é uma visão equivocada, e a política adotada se baseia nisso. Veremos que ela será insuficientemente agressiva. Mais precisa ser feito.
O GLOBO: Quando o senhor acha que a dimensão da crise ficará clara?
GALBRAITH: As coisas vão piorar até que as pessoas que acreditam no término da crise no curto prazo pensem: ‘Bem, acho que isso não vai ocorrer logo. Devemos agir mais fortemente.’
O GLOBO: As medidas anunciadas até agora pelo governo americano não surtiram efeito no mercado financeiro. Essa é uma crise de confiança?
GALBRAITH: Confiança é algo superestimado. A crise não pode ter fim por uma mudança de humor. A razão dela é o colapso do sistema bancário. Há grandes instituições insolventes porque adquiriram ativos com risco excessivo, e que foram olhados de forma negligente
O GLOBO: Por que essa crise é mais grave do que outras?
GALBRAITH: Porque suas origens estão no derretimento do setor bancário. Trata-se do colapso da integridade do sistema bancário. Em outras crises, o problema era formado por choques externos dos quais o sistema se recuperava. Agora, bancos, muitos deles grandes, já passaram do ponto de recuperação.
O GLOBO: O que o senhor acha que ainda precisa ser feito?
GALBRAITH: Nos Estados Unidos, a ampliação dos benefícios previdenciários, por exemplo. Isso ajudaria a estabilizar a situação financeira de boa parte dos idosos, que foram muito afetados pela perda do valor de imóveis e investimentos. Isso seria uma forma de restaurar o poder de compra desse grupo. Também poderia haver uma redução de impostos sobre a folha de pagamentos. Isso daria aumento de renda à população para poder honrar compromissos, como pagar a hipoteca ou o carro.
O GLOBO: O que o senhor acha da estratégia de injetar dinheiro nos bancos em dificuldades financeiras?
GALBRAITH: Colocar dinheiro nos bancos não vai fazê-los emprestar mais. Eles não precisam de dinheiro para emprestar. Eles concedem empréstimos que geram dinheiro (para eles). Isso não estimula crédito. O crédito está travado. Esse é um passo fútil. Estão fazendo isso porque o Tesouro ainda é muito influenciado pelo mercado financeiro. A realidade é que, quando um banco falha, o governo tem que usar seu time de reguladores, fazer uma auditoria e identificar quanto do banco pode ser salvo. Mas agora os bancos envolvidos são tão grandes que os reguladores estão preocupados com as consequências sistêmicas desse tipo de medida.
O GLOBO: O senhor defende a criação de um banco público (no estilo do BNDES) para ajudar a financiar pequenas empresas em momento de crise. Qual a importância disso?
GALBRAITH: Numa crise, temos que sustentar muitos negócios. Deveria haver uma autoridade competente para fazer isso. Sem ela, a ajuda aos setores se mistura com decisões políticas e há prejuízo para a atividade produtiva.
O GLOBO: Como o senhor avalia a política social do governo de Barack Obama?
GALBRAITH: O governo Obama e o governo Bush são como dia e noite. O atual colocou a agenda social como prioridade. Estamos saindo de um governo que era reacionário e indiferente em relação a qualquer assunto social ou ambiental para um governo que está determinado a fazer alguma coisa.
O GLOBO: Qual o efeito da crise para os países emergentes?
GALBRAITH: Como a crise está centrada nos sistemas bancários americano e europeu, os países ricos vão sofrer mais com ela. Mas, de forma geral, os mais pobres são os mais afetados porque dependem das exportações para os países ricos.
O GLOBO: O governo brasileiro afirma que o país está mais protegido contra a crise em função de uma política econômica voltada ao crescimento, com a ajuda de programas de investimentos. O que o senhor acha disso?
GALBRAITH: Obviamente há verdade nisso. Depois de 1997, os países latino-americanos controlaram melhor seu sistema financeiro e não se envolveram nessa loucura do mercado subprime (de créditos podres). Eles podem não ser afetados pelos efeitos imediatos da crise. Espero que o governo brasileiro esteja investindo. Fazer investimentos públicos é o caminho para sair da crise e manter o crescimento econômico.
O GLOBO: O Brasil estuda a possibilidade de reduzir seu superávit primário para garantir investimentos públicos este ano. O senhor acha esta opção correta?
GALBRAITH: Essa é a coisa certa a se fazer. Num momento em que o setor privado está reduzindo investimentos, não há por que o setor público não agir.
O GLOBO: O que o senhor acha da política econômica do governo Lula?
GALBRAITH: Não vou fazer comentário ou dar conselhos ao Brasil. Há um péssimo hábito dos economistas americanos de sair do avião e imediatamente ditar regras para um país.
O GLOBO: Até que ponto o senhor acredita que deve haver uma intervenção do Estado na economia?
GALBRAITH: Acho esse conceito de intervenção estatal muito estranho. O Estado é parte da economia. Sem ele, sem regulação, a economia não funciona. Eu diria que a diferença entre um país desenvolvido e um não desenvolvido não é tecnologia, é a existência de uma regulação eficiente para o setor privado.