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domingo, 8 de março de 2009

Obama, Lula e a crise, vistos por um Galbraith

Dá prazer ler uma entrevista como essa, do economista americano James K. Galbraith (feita por Martha Beck, do Globo). Além de ser filho damoso keynesiano John K. Galbraith, ele faz parte equipe de conselheiros do presidente Barack Obama e participou na quinta-feira, em Brasília, do Seminário Internacional sobre Desenvolvimento, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Sua visão é da crise é bastante objetiva, sem meio termos. Ao mesmo tempo, tem o cuidado de não parecer aquele conomista pretensioso do primeiro mundo que vem aqui nos dar aula de economia.
Colocar dinheiro nos bancos é um passo fútil
O GLOBO: Por que o senhor afirma que o governo do presidente Obama tem sido excessivamente otimista em relação à crise?
JAMES GALBRAITH: Todo o governo trabalha com a expectativa de que a crise vai acabar até o fim deste ano e que vai haver crescimento forte no ano que vem. Isso é baseado numa projeção mecânica de que a normalidade vai retornar em quatro ou cinco anos. Mas essa é uma visão equivocada, e a política adotada se baseia nisso. Veremos que ela será insuficientemente agressiva. Mais precisa ser feito.
O GLOBO: Quando o senhor acha que a dimensão da crise ficará clara?
GALBRAITH: As coisas vão piorar até que as pessoas que acreditam no término da crise no curto prazo pensem: ‘Bem, acho que isso não vai ocorrer logo. Devemos agir mais fortemente.’
O GLOBO: As medidas anunciadas até agora pelo governo americano não surtiram efeito no mercado financeiro. Essa é uma crise de confiança?
GALBRAITH: Confiança é algo superestimado. A crise não pode ter fim por uma mudança de humor. A razão dela é o colapso do sistema bancário. Há grandes instituições insolventes porque adquiriram ativos com risco excessivo, e que foram olhados de forma negligente
O GLOBO: Por que essa crise é mais grave do que outras?
GALBRAITH: Porque suas origens estão no derretimento do setor bancário. Trata-se do colapso da integridade do sistema bancário. Em outras crises, o problema era formado por choques externos dos quais o sistema se recuperava. Agora, bancos, muitos deles grandes, já passaram do ponto de recuperação.
O GLOBO: O que o senhor acha que ainda precisa ser feito?
GALBRAITH: Nos Estados Unidos, a ampliação dos benefícios previdenciários, por exemplo. Isso ajudaria a estabilizar a situação financeira de boa parte dos idosos, que foram muito afetados pela perda do valor de imóveis e investimentos. Isso seria uma forma de restaurar o poder de compra desse grupo. Também poderia haver uma redução de impostos sobre a folha de pagamentos. Isso daria aumento de renda à população para poder honrar compromissos, como pagar a hipoteca ou o carro.
O GLOBO: O que o senhor acha da estratégia de injetar dinheiro nos bancos em dificuldades financeiras?
GALBRAITH: Colocar dinheiro nos bancos não vai fazê-los emprestar mais. Eles não precisam de dinheiro para emprestar. Eles concedem empréstimos que geram dinheiro (para eles). Isso não estimula crédito. O crédito está travado. Esse é um passo fútil. Estão fazendo isso porque o Tesouro ainda é muito influenciado pelo mercado financeiro. A realidade é que, quando um banco falha, o governo tem que usar seu time de reguladores, fazer uma auditoria e identificar quanto do banco pode ser salvo. Mas agora os bancos envolvidos são tão grandes que os reguladores estão preocupados com as consequências sistêmicas desse tipo de medida.
O GLOBO: O senhor defende a criação de um banco público (no estilo do BNDES) para ajudar a financiar pequenas empresas em momento de crise. Qual a importância disso?
GALBRAITH: Numa crise, temos que sustentar muitos negócios. Deveria haver uma autoridade competente para fazer isso. Sem ela, a ajuda aos setores se mistura com decisões políticas e há prejuízo para a atividade produtiva.
O GLOBO: Como o senhor avalia a política social do governo de Barack Obama?
GALBRAITH: O governo Obama e o governo Bush são como dia e noite. O atual colocou a agenda social como prioridade. Estamos saindo de um governo que era reacionário e indiferente em relação a qualquer assunto social ou ambiental para um governo que está determinado a fazer alguma coisa.
O GLOBO: Qual o efeito da crise para os países emergentes?
GALBRAITH: Como a crise está centrada nos sistemas bancários americano e europeu, os países ricos vão sofrer mais com ela. Mas, de forma geral, os mais pobres são os mais afetados porque dependem das exportações para os países ricos.
O GLOBO: O governo brasileiro afirma que o país está mais protegido contra a crise em função de uma política econômica voltada ao crescimento, com a ajuda de programas de investimentos. O que o senhor acha disso?
GALBRAITH: Obviamente há verdade nisso. Depois de 1997, os países latino-americanos controlaram melhor seu sistema financeiro e não se envolveram nessa loucura do mercado subprime (de créditos podres). Eles podem não ser afetados pelos efeitos imediatos da crise. Espero que o governo brasileiro esteja investindo. Fazer investimentos públicos é o caminho para sair da crise e manter o crescimento econômico.
O GLOBO: O Brasil estuda a possibilidade de reduzir seu superávit primário para garantir investimentos públicos este ano. O senhor acha esta opção correta?
GALBRAITH: Essa é a coisa certa a se fazer. Num momento em que o setor privado está reduzindo investimentos, não há por que o setor público não agir.
O GLOBO: O que o senhor acha da política econômica do governo Lula?
GALBRAITH: Não vou fazer comentário ou dar conselhos ao Brasil. Há um péssimo hábito dos economistas americanos de sair do avião e imediatamente ditar regras para um país.
O GLOBO: Até que ponto o senhor acredita que deve haver uma intervenção do Estado na economia?
GALBRAITH: Acho esse conceito de intervenção estatal muito estranho. O Estado é parte da economia. Sem ele, sem regulação, a economia não funciona. Eu diria que a diferença entre um país desenvolvido e um não desenvolvido não é tecnologia, é a existência de uma regulação eficiente para o setor privado.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

César Maia e Keynes

Gostei também desse texto de César Maia, mas quero fazer comentários e certos reparos (em itálico-negrito):
LÁ SE FORAM OS NEOLIBERAIS E MONETARISTAS PELO MESMO RALO! E ESTÃO LEVANDO O GOVERNO LULA JUNTO!
1. A crise afogou primeiro os neoliberais, defensores de um mercado máximo e de um estado mínimo. Nunca os estados intervieram tanto, estatizaram tanto, maximizaram tanto suas ações. (Corretíssimo, claro.)
2. Agora com os 2 trilhões de dólares liberados pelos bancos centrais para compensar a quebradeira e a depressão possível, afogam-se também os monetaristas. Ou com esta emissão mundial cavalar a inflação volta intensamente, ou a tese básica dos monetaristas se foi pelo ralo também. (Não acredito que virá uma inflação intensa, nem que isso destrói a tese básica dos monetaristas; talvez um economista possa explicar melhor, mas essa emissão cavalar me parece que vai preencher o "vácuo" de um dinheiro que de fato não existia, era miragem.)
3. As medidas que vão sendo adotadas nem keynesianas são, pois não são direcionadas, são apenas reativas num jogo de bafo-bafo, atrás dos buracos que vão surgindo. (Ninguém em sã consciência pode "acusar" o bushianismo de keynesiano, mas ninguém pode negar que é a inspiração keynesiana que está por trás das ações mundiais no momento.)
4. No Brasil, quando numa reunião ministerial se adotam duas medidas sôfregas e risíveis, é porque o governo Lula está mais perdido que pingüim arrastado pelas correntes. Fazer propaganda para dar ânimo e estimular o consumo, sem comunicar a verdade, lembra Goebells. E dizer que o PAC é o gasto compensatório à crise, é o mesmo que dizer que o governo já conhecia a crise ano passado quando lançou os projetos relativos. Certamente não será um gasto compensatório, mesmo que ganhe agilidade. (Aqui, é puro embate político. Claro que é importante nesse momento a utilização de diversas formas de comunicação para estimular o consumo. E também é claro que o Governo Lula não está exatamente escondendo a verdade. Ocorre que já existem informações desanimadoras em excesso e estimulá-las não ajuda em nada, significaria simplesmente insistir no desânimo. Quanto ao PAC, é óbvio que ele não surgiu em função da crise, já que foi lançado há dois anos. Mas trata-se certamente de uma política de investimentos públicos que pode funcionar, sim, como gasto compensatório à crise.)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Política social tem hora?

Ainda no começo do primeiro mandato de Lula, uma amiga, muito querida, me falou de sua decepção com o governo, achando que o PT era muito complicado, fazia tudo errado. Respondi que concordava que o PT era bem confuso, estava um pouco batendo cabeça. Mas achava isso natural. Para mim, o mais importante era a prioridade que se estava dando à política social. E isso era uma coisa pra valer, não era apenas um slogan ("Tudo pelo social"), como acontecia no Governo Sarney. Era isso que podia reduzir a pobreza, inserir mais consumidores no mercado, dar um dinamismo de novo tipo à economia. Ela ouviu calada, meio desconfiada, mas tenho certeza que hoje ela reconhece o que falei. Lembrei desse acontecimento hoje, lendo esse bom artigo ("A hora e a vez das políticas sociais") de Lena Lavinas e João Sicsú, publicado no Valor Econômico do dia 13, mostrando a grande importância das políticas sociais nesse quadro crítico mundial - que reproduzo abaixo:
A hora e a vez das políticas sociais
Os governos enfrentam e enfrentaram as crises e as dificuldades das instituições financeiras se utilizando de diversos instrumentos. Até o momento, foram bem sucedidos. Os keynesianos aplaudiram as políticas de resgate das instituições e o enfrentamento das dificuldades no âmbito da economia financeira porque sabem da necessidade do sistema financeiro para que haja um bom funcionamento do sistema produtivo. Keynesianos sabem que o sistema financeiro não produz um prego sequer, mas sabem que sem ele nem sequer um prego será produzido. Muitos, entretanto, aplaudiram os governos simplesmente porque ganham quando o setor público privatiza seus ativos ou quando estatiza as dívidas privadas.
O mundo encontra-se numa segunda fase da crise. A crise saiu do âmbito da economia financeira. Já contaminou decisões empresariais de investimento e decisões de gasto por parte dos trabalhadores. O risco é que haja uma parada súbita de fluxos monetários e reais. A política fiscal de gastos deve ser utilizada como estabilizadora da trajetória de crescimento econômico. Quando o setor privado está gastando de forma intensa, o setor público deve reduzir os seus gastos. Quando o setor privado ameaça estancar o seu fluxo de gastos, o setor público deve elevar os seus gastos. Essa formula é velha. Foi ensinada pelo economista que virou fashion: J. M. Keynes. Mas a fórmula keynesiana não se restringe a realizar ou cortar gastos públicos.
A fórmula relaciona quantidade à qualidade do gasto. Terá maior qualidade aquele gasto que tem o maior efeito multiplicador na economia. É considerado um gasto de baixa qualidade aquele gasto que se transforma em renda daqueles que não têm uma alta propensão a gastar aquilo que recebem, porque tem um baixo multiplicador. O investimento em obras públicas contrata vastos contingentes (elevada quantidade) de trabalhadores que gastam tudo o que recebem (alta qualidade). As políticas sociais para Keynes não são políticas que deveriam estar relacionadas com os ciclos econômicos. Elas deveriam estar relacionadas com o objetivo de redução plena das vulnerabilidades sociais.
Entretanto, dadas as evidentes vulnerabilidades da grande parte da população brasileira, a ampliação da cobertura dos programas sociais, assim como o aumento real dos benefícios previdenciários e sociais, cujo valor do salário mínimo é parte integrante, tornam-se nesse momento uma política fiscal de gastos anti-cíclica. Em outras palavras, políticas sociais são indissociáveis de um projeto de desenvolvimento de longo prazo. Contudo, hoje no Brasil, frente à ameaça de uma crise de parada brusca dos fluxos monetários e reais, o aprofundamento das políticas sociais cumprirá o objetivo macroeconômico de curto prazo de auxiliar a manutenção da rota de crescimento, tal como a política de investimentos públicos do PAC. Políticas sociais realizam gastos em volumes consideráveis e realizam um gasto de alta qualidade.
Para evidenciar tal assertiva, simulamos duas dinâmicas diferenciadas de evolução do valor dos rendimentos do trabalho, aposentadorias e pensões e também benefícios assistenciais, a partir dos dados da Pnad 2007. Na primeira simulação, limitamo-nos a um reajuste linear de 12,3% para todos esses rendimentos, índice obtido tomando-se o INPC acumulado no período outubro de 2007 a outubro de 2008, e a inflação futura estimada para 2009 (4,5%). A segunda simulação envolveu variações distintas para cada tipo de rendimento, levando em consideração a proposta do governo de elevar para R$ 464,78 o valor do salário mínimo em fevereiro de 2009, bem como a recente decisão da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado que, ao aprovar substitutivo ao Projeto de Lei n. 58/03, concede às aposentadorias e pensões até o teto previdenciário, reajuste igual ao do salário mínimo.
Assim, corrigimos esses benefícios previdenciários em 17%, combinando o reajuste de 5% de 2008 e o previsto em 2009 para o salário mínimo, acompanhando a decisão da CAS. Demais valores de remuneração do trabalho - diferentes de um salário mínimo - foram reajustados em 14,8% (além de incorporar a inflação acumulada e a prevista, considerou 1,5% de aumento real médio dos salários observado em 2008 e mais 1% para 2009). Os benefícios assistenciais foram corrigidos pelo índice de 12,3%. Porém, dada a importância do crescimento econômico na geração de novos postos de trabalho, estimamos, com base na variação do PIB para 2008 e 2009, a criação de 10,2 milhões de empregos. Destes, perto de 55% seriam formais, com remuneração pelo piso salarial (projeção conservadora posto que 92,1% dos empregos criados no decorrer deste ano estão na faixa de até 3 salários mínimos), enquanto os informais receberiam o valor médio observado em 2007, mas atualizado para 2009, pelo INPC. Na simulação 2, estes empregos foram distribuídos aleatoriamente centenas de vezes entre os desocupados e os trabalhadores precários, até obtermos uma distribuição média.
O paralelo entre a simulação 1 e a simulação 2 demonstrou que preservar a trajetória de recuperação do mínimo e atualizar os benefícios assistenciais e previdenciários tem retornos significativos do ponto de vista do consumo agregado e do bem-estar da população, contribuindo para manter aquecida a atividade econômica. Assim, constatamos que a simulação 2 leva a um aumento importante da renda familiar per capita média nos décimos inferiores da distribuição, exatamente aqueles cuja propensão a consumir é elevadíssima. É factível considerar, apoiados em resultados da POF 2003, que até o sétimo décimo da distribuição tal propensão seja superior a 90%. Ou seja, 70% da população, cerca de 128,8 milhões de indivíduos, terão um aumento real médio de sua renda mensal per capita da ordem de 21%, que vai se transformar em mais consumo. Isso significa R$ 6 bilhões mensais a mais na economia real, ou R$ 72 bilhões ao longo do ano de 2009.
Não bastasse o multiplicador do consumo ser ampliado, haveria uma forte redução da pobreza, pois o percentual de pessoas vivendo abaixo da linha do Bolsa Família cairia de 17%, registrado na simulação 1, para 13,5%, resultado alcançado na simulação 2. São 5 milhões a menos de pobres.
Tudo isso é para agora, se for possível ao governo governar para superar a crise em prol do emprego e da atividade econômica. A hora das políticas sociais responsáveis, no seu escopo, escala e qualidade, é essa.
Lena Lavinas é professora associada do Instituto de Economia da UFRJ. João Sicsú é diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea e professor do Instituto de Economia da UFRJ.
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