Mostrando postagens com marcador Valor Econômico. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Valor Econômico. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A mídia e a oposição com seus partidos em pedaços

Excelente esse artigo de Maria Inês Nassif, publicado hoje no Valor. Mostra de forma concisa (e exata) o erro primário cometido pelos partidos de oposição na sua estratégia de comunicação com o eleitorado de perfil popular. É um bom retrato do que ocorre nessa corrida eleitoral.

Um modelo partidário trazido do atraso
Maria Inês Nassif (Valor)

A "mexicanização" do quadro partidário brasileiro é um debate a ser colocado em devidos termos. A ameaça de que o PT, depois das eleições de outubro, se transforme num Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de 1929 a 2000, é apresentada como "denúncia". Isso é, no mínimo, um equívoco. A questão merece ser tratada criticamente por todos os atores do cenário político, sob pena de a eleição consolidar, de fato, e por um bom tempo, um único partido com condições de acesso ao poder pelo voto. Essa perspectiva está colocada não porque o PT trapaceou, mas porque a oposição acreditou demais no seu poder de influenciar massas via convencimento das elites. É uma estratégia medíocre de ação política, num mundo onde o acesso à informação tem aumentado e ao mesmo tempo saído da órbita exclusiva da influência dos grandes grupos, e num Brasil onde um grande número de cidadãos-eleitores deixou a pobreza absoluta, outro tanto ascendeu à classe média, a escolaridade aumentou, o acesso à internet é maior e a influência das elites sobre os mais pobres tornou-se muito, muito relativa.
Oposição não mobilizou militância nem formou quadros. Dos partidos na oposição, apenas o P-SOL, em passado recente, e o PPS, quando remotamente era PCB, conseguiram pelo menos formular idealmente um conceito de partido de massas. O P-SOL fracassou porque foi criado na contramão de um crescimento espantoso do PT, partido do qual se originou, e do recuo de setores que, durante o mensalão, ensaiaram abandonar o partido de Lula. Amedrontados com a retórica pré-64 da oposição, esses setores acabaram lentamente retornando à órbita do petismo. O PCB conseguiu a façanha de ser um partido de massas apenas quando tinha um líder carismático, Luiz Carlos Prestes. Como viveu boa parte de sua existência na clandestinidade, é difícil saber se teria vocação para sair da política de vanguarda e ganhar substância em setores mais amplos. O PPS, que o sucedeu, certamente não mostra essa capacidade. O PT continua a exceção no quadro partidário. A estrutura montada pelo partido nacionalmente, quando começava a se perder na burocratização da máquina, foi salva pelo lado popular do governo Lula e pela ofensiva oposicionista. O partido não é mais o que era quando foi fundado, mas é certo que tem uma representação social. As demais legendas, em especial as de oposição, não conseguiram sair da camisa de força dos partidos de quadros. O PSDB, que catalisou a oposição a Lula, e o DEM, com o qual é mais identificado, terceirizaram a ação partidária para uma mídia excessivamente simpática a um projeto que, mais do que de classes, é antipetista. Todo trabalho de organização partidária, de formulação ideológica e de articulação orgânica foi substituído por uma única estratégia de cooptação, a propaganda política assumida pelos meios de comunicação tradicionais. A vanguarda oposicionista tem sido a mídia. Esta, espelhando-se na velha estrutura social do país, tem praticado uma conversa exclusiva com os seus: assumiu um discurso para agradar a elite, que por sua vez perdeu quase totalmente seu poder de influência sobre os menos ricos e escolarizados. Os partidos de oposição e a mídia falam um para o outro. Pouco têm agregado em apoio popular, que significaria voto na urna e, portanto, vitória eleitoral. A ideia de propaganda política via mídia, que para a esquerda pré-Muro de Berlim era uma parte da estratégia de tomada do poder, e para os social-democratas a estratégia de conquista do poder pelo voto, tornou-se a única ação efetiva da oposição brasileira, exercida, porém, de fora dos partidos. Teoricamente, a mídia tradicional brasileira não é partidária. Na prática, exerce essa função no hiato deixado pela deficiente organização dos partidos que hoje estão na oposição ao presidente Lula. E o produto final não é exatamente a agregação de adeptos, mas uma conversa entre iguais, que se autoalimenta de um discurso trazido do udenismo, pouco propenso a conduzir um debate propriamente ideológico. Esse não é um fenômeno pós-Lula simplesmente, embora os dois governos do presidente petista tenham dado grande contribuição a esse descolamento entre a "opinião pública" e a "opinião dos pobres". Logo no início da redemocratização, foi instituído o voto do analfabeto. Ao longo dos dois últimos governos - portanto, nos últimos 15 anos - ocorreram ganhos de cidadania via aumento de escolaridade e renda que, por si só, incentivam a autonomia do voto. Nos últimos sete anos, os programas de transferência de renda reforçaram essa tendência. Esse contingente de novos eleitores ganhou autonomia de voto e se descolou da mídia tradicional. Nesse universo, os formadores de opinião pública - por sua vez formados pela mídia - não têm o mesmo acesso que tinham antigamente. O ingresso dos antigos desletrados na era da informação tem se dado pela televisão - e aí o horário eleitoral gratuito é neutralizador - e um pouco pela internet, mas a decisão política ocorre por ganhos de cidadania. Como a mídia tradicional é a única a operar como "propagandista" dos partidos de centro e de direita que nunca acharam necessário incorporar militância, formar quadros ou mesmo publicizar ideário, é de se supor que a capacidade de formação de consensos da mídia tradicional seja pouco significativa numa parcela do eleitorado que ascendeu recentemente ao mercado consumidor. O bloco oposicionista, que inclui não apenas os partidos, mas a mídia tradicional, não entendeu as mudanças que ocorreram no país. O modelo partidário que trazem na cabeça é um que pressupõe alinhamento automático de parcelas da população com líderes distantes ou donos de votos locais, ou a submissão da "ignorância" popular à opinião formada por iluminados. O novo Brasil não comporta mais isso. Esse modelo de política é elitista, porque não parte do princípio que as pessoas são iguais inclusive no direito de formar uma opinião própria.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras no Valor.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Marqueteiro tucano tenta ajudar Serra a subir

Luiz González, apontado como “o marqueteiro preferido dos tucanos paulistas”, desceu de seu lugar confortável, distante de holofotes, para dar uma entrevista ao Valor do dia 13, sobre a corrida presidencial. É uma boa entrevista, embora não tenha exatamente o caráter analítico – trata-se de fato de material de propaganda da campanha tucana. O objetivo mais evidente é o de elevar o astral da candidatura Serra, que recebe persistentes abalos com o diz-que-me-diz de sua queda nas pesquisas. A entrevista serve também para dar aos militantes e simpatizantes tucanos argumentos em defesa de Serra. Assim, é necessário ouvir com cuidado suas “análises”. Na resposta à primeira pergunta, “O senhor não teme a transferência de votos de Lula para Dilma?”, ele brinca, diz que isso é verdade em Caetés (cidade pernambucana onde nasceu Lula), não em São Paulo. É verdade que na última eleição, Lula teve 89,5% dos votos em Caetés e apenas 45,5% na capital paulista. Mas não é bom esquecer que, em 2002, Lula teve 51% contra 49% de Serra em São Paulo, cidade natal do tucano. Perguntado se “A força do Lula no Nordeste também não foi decisiva?”, González tenta minimizar, passa para Amazonas e Minas e faz mistura desnecessária. Diz que a derrota amazônica foi por culpa interna (briga de Arthur Virgílio e Amazonino), já que, em “2 milhões, perdemos por 900 mil votos”, enquanto em Minas, “que tem 10 milhões de eleitores, (perdemos) por 1 milhão de votos”. Isso foi no primeiro turno. Ele “esquece” que no segundo turno a diferença no Amazonas foi mais ou menos a mesma (983 mil votos) enquanto que em Minas triplicou (3.170.000 votos). Embora procurando desvios, González responde com precisão à pergunta “Como contrabalançar o Norte e o Nordeste?” Diz ele: “Uma questão central na campanha é que Serra não pode perder Sul e Sudeste. (...) O Nordeste é fundamental, é importante, mas acho que nunca se pode perder suas cidadelas. O negócio é que não se pode perder de muito lá e ganhar bem aqui”. Nas entrelinhas percebemos que a campanha tucana já trata o Norte e o Nordeste como caso perdido, e tenta compensar o desastre ampliando possíveis vitórias no Sul e Sudeste. Mas o que está atravessado de verdade no bico tucano é a questão da eleição plebiscitária. Ou seja, de um lado estará Lula, do outro estará o anti-Lula. Esse é o medo, ter que enfrentar a liderança mais forte do país e uma das mais importantes do mundo. Um medo justificável, mesmo considerando um “Lula sem Lula”. González procura sair dessa sinuca dizendo que “o embate não vai ser entre Lula x FHC, mas entre a biografia de um realizador e a de uma desconhecida”. É a jogada que lhe resta, mas vai ser muito difícil encaçapar essa bola. Lula faz tabela em todos os cantos e, com toda certeza, fará as jogadas vitoriosas. Nesse emaranhado de frases dissimuladas, González ainda encontra espaço para uma frase completamente sem nexo: “A vantagem da campanha política é que o contraditório é exercido todos os dias. Cada um fala o que quer, ouve o que não quer e o eleitor julga. Por isso a campanha não é publicitária, é jornalística” (grifo nosso). Campanha nenhuma é publicitária ou jornalística. O marketing eleitoral utiliza a forma de comunicação que for mais adequada à sua estratégia. Pode ser a comunicação publicitária. Pode ser a comunicação jornalística. Pode ser o telemarketing. Pode ser a comunicação boca a boca (uma das preferidas de Cesar Maia, inclusive na sua versão web de marketing viral, que não deixa de ser fluxo tardeano). Pode ser tudo. Não existe uma que seja melhor do que a outra – tudo depende do marketing. Seja como for, ponto para o “marketing pessoal” de Luiz González, que conseguiu com sua entrevista fazer render o nome de seu cliente Serra entre os “formadores de opinião”. Pena que, na minha opinião, isso é muito pouco, quase nada diante da eleição plebiscitária que se avizinha.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Lula: "Se dependesse de carisma, Fernando Henrique não teria sido eleito e Serra não seria nem candidato"

O título dessa postagem foi a resposta de Lula na excelente entrevista publicada no Valor Econômico de hoje. Lula disse também, exatamente como escrevi na postagem abaixo: "Quem sustentou essa crise foi o governo e o povo pobre, porque alguns setores empresariais brasileiros pisaram no breque de forma desnecessária". Outros trechos:
A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta. Deveria ficar preocupado em saber se o Estado está cumprindo com suas funções de bem tratar a população.
Se dependesse de carisma, Fernando Hemlque Cardoso não teria sido eleito e Serra não seria nem candidato. Jânio Quadros tinha carisma e ficou só seis meses.
Eu dei 45 dias de prazo, ontem, para que me apresentem o projeto de integração de todo o sistema ótico do Brasil.
Ainda neste ano vou apresentar uma proposta sobre inclusão digital. E vou apresentar, também, uma proposta consolidando todas as políticas sociais do governo. Vai ter uma lei que vai legalizar tudo, vai ser uma lei como a Consolidação das Leis do Trabalho. Será uma consolidação das políticas públicas, para sustentar os avanços conquistados.
Os empresários têm tanta obrigação se serem brasileiros e nacionalistas quanto eu!
Se o Bush tivesse a dimensão da crise e tivesse colocado US$ 60 bilhões na Lehman Brothers antes dela quebrar, possivelmente não teríamos a crise de crédito que tivemos no mundo.
O Estado tem que ter força. Aqui no Brasil durante os anos 80 se criou a idéia de Estado mínimo. O Estado mínimo não vale para nada. O Estado tem que ter força para fazer as políticas que fizemos agora, na crise, com a compreensão do Congresso Nacional.
Vocês têm dimensão do que foi ter uma Caixa Econômica Federal, um BNDES ou um Banco do Brasil? Foi extremamente importante. A Petrobras apresentou um estudo mostrando que deveria mudar o cronograma dos investimentos dela de 2013 para 2017. Convoquei o Conselho da Petrobras aqui para dizer: 'Olha, esse é um momento em que não se pode recuar'. A gente tem que avançar. Até no futebol a gente aprende que quando se está ganhando de 1 x O e recua a gente se ferra.
O que garante as pessoas ficarem no Estado é a estabilidade, não é o salário.
Quantos políticos têm carisma no Brasil? Se dependesse de carisma, Fernando Henrique Cardoso não teria sido presidente. Se dependesse de carisma, José Serra não poderia nem ser candidato. Carisma é uma coisa inata. Você pode aperfeiçoar ou não. Sempre é bom ter um pouco de carisma. O Jânio Quadros tinha carisma. Ficou só seis meses aqui.
Estou dizendo que para governar este país é preciso um conjunto de qualidades. E a primeira qualidade é ganhar eleição. Tem que ter muita humildade, determinação do projeto que vai apresentar. Tem que provar que é capaz de gerenciar. Hoje, com sete anos de convivência, não conheço ninguém que tenha essa capacidade gerencial da Dilma. Às vezes as pessoas falam 'ela é dura'. Mas é que a mulher tem que ser mais duramesmo. Porque numa discussão política, para você se impor no meio de 30 ou 40 homens, é assim. A Dilma é muito competente.
Feliz do país que vai ter uma disputa que pode ter Dilma, Serra, Marina, Heloísa Helena, Aécio.
Valor: O que o senhor pretende fazer depois que deixar o governo ?
Lula: Não sei. A única coisa que tenho convicção é que não vou importunar quem for eleito.
Vale a pena comprar o Valor Econômico e ler a entrevista completa.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Gabeira não gosta de Brasília, mas reconhece que é difícil vencer no Rio

O Deputado Fernando Gabeira (PV) deu uma entrevista interessante a Ana Paula Grabois, do Valor Econômico. Ele se diz "cansado de Brasília", onde cumpre o quarto mandato consecutivo na Câmara Federal. “O ambiente do Planalto Central, onde apenas se respira política, não é um atrativo para Gabeira. Acha até monótono”, escreve Ana Paula. É natural portanto que sonhe com um cargo que o mantenha no Rio de Janeiro. Pressionado pelos aliados tucanos, bem que pensou em candidatar-se a Governador em 2010. Mas ele vê o atual Governador Sérgio Cabral como candidato "muito forte", por isso prefere examinar melhor - porque não quer levar seus eleitores “a uma nova derrota", diz o deputado. Em outras palavras, Gabeira deve tentar voltar à Brasília que ele acha monótona como Senador ou Deputado Federal...

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Política social tem hora?

Ainda no começo do primeiro mandato de Lula, uma amiga, muito querida, me falou de sua decepção com o governo, achando que o PT era muito complicado, fazia tudo errado. Respondi que concordava que o PT era bem confuso, estava um pouco batendo cabeça. Mas achava isso natural. Para mim, o mais importante era a prioridade que se estava dando à política social. E isso era uma coisa pra valer, não era apenas um slogan ("Tudo pelo social"), como acontecia no Governo Sarney. Era isso que podia reduzir a pobreza, inserir mais consumidores no mercado, dar um dinamismo de novo tipo à economia. Ela ouviu calada, meio desconfiada, mas tenho certeza que hoje ela reconhece o que falei. Lembrei desse acontecimento hoje, lendo esse bom artigo ("A hora e a vez das políticas sociais") de Lena Lavinas e João Sicsú, publicado no Valor Econômico do dia 13, mostrando a grande importância das políticas sociais nesse quadro crítico mundial - que reproduzo abaixo:
A hora e a vez das políticas sociais
Os governos enfrentam e enfrentaram as crises e as dificuldades das instituições financeiras se utilizando de diversos instrumentos. Até o momento, foram bem sucedidos. Os keynesianos aplaudiram as políticas de resgate das instituições e o enfrentamento das dificuldades no âmbito da economia financeira porque sabem da necessidade do sistema financeiro para que haja um bom funcionamento do sistema produtivo. Keynesianos sabem que o sistema financeiro não produz um prego sequer, mas sabem que sem ele nem sequer um prego será produzido. Muitos, entretanto, aplaudiram os governos simplesmente porque ganham quando o setor público privatiza seus ativos ou quando estatiza as dívidas privadas.
O mundo encontra-se numa segunda fase da crise. A crise saiu do âmbito da economia financeira. Já contaminou decisões empresariais de investimento e decisões de gasto por parte dos trabalhadores. O risco é que haja uma parada súbita de fluxos monetários e reais. A política fiscal de gastos deve ser utilizada como estabilizadora da trajetória de crescimento econômico. Quando o setor privado está gastando de forma intensa, o setor público deve reduzir os seus gastos. Quando o setor privado ameaça estancar o seu fluxo de gastos, o setor público deve elevar os seus gastos. Essa formula é velha. Foi ensinada pelo economista que virou fashion: J. M. Keynes. Mas a fórmula keynesiana não se restringe a realizar ou cortar gastos públicos.
A fórmula relaciona quantidade à qualidade do gasto. Terá maior qualidade aquele gasto que tem o maior efeito multiplicador na economia. É considerado um gasto de baixa qualidade aquele gasto que se transforma em renda daqueles que não têm uma alta propensão a gastar aquilo que recebem, porque tem um baixo multiplicador. O investimento em obras públicas contrata vastos contingentes (elevada quantidade) de trabalhadores que gastam tudo o que recebem (alta qualidade). As políticas sociais para Keynes não são políticas que deveriam estar relacionadas com os ciclos econômicos. Elas deveriam estar relacionadas com o objetivo de redução plena das vulnerabilidades sociais.
Entretanto, dadas as evidentes vulnerabilidades da grande parte da população brasileira, a ampliação da cobertura dos programas sociais, assim como o aumento real dos benefícios previdenciários e sociais, cujo valor do salário mínimo é parte integrante, tornam-se nesse momento uma política fiscal de gastos anti-cíclica. Em outras palavras, políticas sociais são indissociáveis de um projeto de desenvolvimento de longo prazo. Contudo, hoje no Brasil, frente à ameaça de uma crise de parada brusca dos fluxos monetários e reais, o aprofundamento das políticas sociais cumprirá o objetivo macroeconômico de curto prazo de auxiliar a manutenção da rota de crescimento, tal como a política de investimentos públicos do PAC. Políticas sociais realizam gastos em volumes consideráveis e realizam um gasto de alta qualidade.
Para evidenciar tal assertiva, simulamos duas dinâmicas diferenciadas de evolução do valor dos rendimentos do trabalho, aposentadorias e pensões e também benefícios assistenciais, a partir dos dados da Pnad 2007. Na primeira simulação, limitamo-nos a um reajuste linear de 12,3% para todos esses rendimentos, índice obtido tomando-se o INPC acumulado no período outubro de 2007 a outubro de 2008, e a inflação futura estimada para 2009 (4,5%). A segunda simulação envolveu variações distintas para cada tipo de rendimento, levando em consideração a proposta do governo de elevar para R$ 464,78 o valor do salário mínimo em fevereiro de 2009, bem como a recente decisão da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado que, ao aprovar substitutivo ao Projeto de Lei n. 58/03, concede às aposentadorias e pensões até o teto previdenciário, reajuste igual ao do salário mínimo.
Assim, corrigimos esses benefícios previdenciários em 17%, combinando o reajuste de 5% de 2008 e o previsto em 2009 para o salário mínimo, acompanhando a decisão da CAS. Demais valores de remuneração do trabalho - diferentes de um salário mínimo - foram reajustados em 14,8% (além de incorporar a inflação acumulada e a prevista, considerou 1,5% de aumento real médio dos salários observado em 2008 e mais 1% para 2009). Os benefícios assistenciais foram corrigidos pelo índice de 12,3%. Porém, dada a importância do crescimento econômico na geração de novos postos de trabalho, estimamos, com base na variação do PIB para 2008 e 2009, a criação de 10,2 milhões de empregos. Destes, perto de 55% seriam formais, com remuneração pelo piso salarial (projeção conservadora posto que 92,1% dos empregos criados no decorrer deste ano estão na faixa de até 3 salários mínimos), enquanto os informais receberiam o valor médio observado em 2007, mas atualizado para 2009, pelo INPC. Na simulação 2, estes empregos foram distribuídos aleatoriamente centenas de vezes entre os desocupados e os trabalhadores precários, até obtermos uma distribuição média.
O paralelo entre a simulação 1 e a simulação 2 demonstrou que preservar a trajetória de recuperação do mínimo e atualizar os benefícios assistenciais e previdenciários tem retornos significativos do ponto de vista do consumo agregado e do bem-estar da população, contribuindo para manter aquecida a atividade econômica. Assim, constatamos que a simulação 2 leva a um aumento importante da renda familiar per capita média nos décimos inferiores da distribuição, exatamente aqueles cuja propensão a consumir é elevadíssima. É factível considerar, apoiados em resultados da POF 2003, que até o sétimo décimo da distribuição tal propensão seja superior a 90%. Ou seja, 70% da população, cerca de 128,8 milhões de indivíduos, terão um aumento real médio de sua renda mensal per capita da ordem de 21%, que vai se transformar em mais consumo. Isso significa R$ 6 bilhões mensais a mais na economia real, ou R$ 72 bilhões ao longo do ano de 2009.
Não bastasse o multiplicador do consumo ser ampliado, haveria uma forte redução da pobreza, pois o percentual de pessoas vivendo abaixo da linha do Bolsa Família cairia de 17%, registrado na simulação 1, para 13,5%, resultado alcançado na simulação 2. São 5 milhões a menos de pobres.
Tudo isso é para agora, se for possível ao governo governar para superar a crise em prol do emprego e da atividade econômica. A hora das políticas sociais responsáveis, no seu escopo, escala e qualidade, é essa.
Lena Lavinas é professora associada do Instituto de Economia da UFRJ. João Sicsú é diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea e professor do Instituto de Economia da UFRJ.
.