domingo, 20 de junho de 2010

Copa do Mundo: boringness is money

Excelente o artigo de Vinicius Torres Freire, hoje, na Folha, sobre o futebol chato das Copas do Mundo. Ou melhor: da europeização do futebol. A Jabulani e a redução das médias de gols traduzem isso muito bem. As grandes empresas do mundo esportivo estão driblando o mundo inteiro e derrotando a beleza dos jogos. Concordo com isso há séculos. Felizmente ainda nos resta a garotada do Santos para continuar adorando o futebol.
Leiam o texto de Vinicius:

A economia do futebol chato
Livre mercado de atletas e racionalização do negócio esportivo uniformizaram e "europeizaram" o esporte

"Não há mais time bobo." "As seleções jogam de modo cada vez mais parecido." "O futebol da Copa é cada vez mais chato." Cada um desses clichês têm muita verdade; todos refletem uma tendência inevitável e fenômenos conhecidos:
1) O futebol é um negócio europeu e um produto montado finalmente na Europa, com recursos naturais importados do resto do mundo;
2) Os "softwares" (técnicas e táticas) de treinamento são tão acessíveis como planilhas de cálculo;
3) Como qualquer negócio, o futebol é orientado pela maximização de resultado, do campo de jogo à contabilidade, e pelos interesses do corpo burocrático que o dirige;
4) Em termos esportivos, a Copa é prejudicada pelos interesses do negócio europeu do futebol.
A Copa é jogada no final da temporada europeia. Nos clubes, os atletas atuam no limite da capacidade humana, o máximo de tempo possível e exigido por clubes, patrocinadores e TVs. Ao fim da temporada, estão esgotados ou machucados. O interesse dos clubes limita cada vez mais o treinamento das seleções a raras semanas ou a um dia antes de jogos de torneios preparatórios. As seleções, pois, mal existem como equipes entrosadas.
Os principais jogadores do mundo atuam em times europeus. As transferências de atletas são tão antigas como a primeira Copa. Mas começaram a se tornar rotina nos anos 1980. Passaram ao estágio de livre comércio em 1995. O negócio agora em parte regride a algo parecido ao estabelecimento de feitorias coloniais. Em vez de pagar caro por jogadores prontos e famosos, clubes europeus adquirem atletas juvenis e infantis. Ou criam centros de recrutamento e treino de crianças em países das Américas e da África.
A seleção brasileira de 1982 foi a primeira a contar com jogadores "estrangeiros", que jogavam no exterior: 3 de 22. A de 1990 inaugurou a maioria de "estrangeiros": 12 de 22, como a de 1994. Nas de 2006, 20 de 23 eram estrangeiros. Como o time desta Copa de 2010.
Desde 2002, o Brasil "vende" em média cerca de 800 jogadores por ano. Quase 60% da exportação destina-se à Europa. Na Inglaterra, 59% dos jogadores são estrangeiros. Em Portugal, 54%. Na Alemanha, 52%. Itália, 40%. Espanha, 37% (dados de 2008, do Professional Football Players Observatory).
A internacionalização dos times europeus foi impulsionada por uma decisão da Corte de Justiça Europeia, de 1995, liberando os times de cotas para jogadores estrangeiros e dando cabo de contratos que contrariavam a lei europeia de livre fluxo de trabalhadores. Pelo mundo, seguiram-se medidas que abririam o mercado de atletas e os libertariam da propriedade dos clubes.
A mundialização deveu-se ainda ao crescimento do negócio europeu do futebol, favorecido em especial pela alta da renda publicitária. Oligopólios transnacionais pagam cada vez mais para aparecer em transmissões planetárias.
Cada vez mais cedo, atletas submetem-se a rotinas de treinamento e práticas de otimização de resultados muito similares. Fazem-no em campos europeus, segundo técnicas e tradições esportivas do continente, ou lá adaptadas. Antes da "mundialização", os atletas diferenciavam sua maneira de jogar graças à heterogeneidade cultural no modo de encarar o jogo.