Mostrando postagens com marcador TNP - Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador TNP - Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mostrar todas as postagens

domingo, 6 de junho de 2010

Fernando Henrique parece que veio de outro mundo


Muito bom de ler – para melhor conhecer – esse artigo que Fernando Henrique publicou hoje no Globo, “Política externa responsável”. Logo no primeiro parágrafo encontramos termos como “basófias” e “bordão” que dão a certeza de que se trata de documento de outra época somente agora revelado.
Avançando na leitura, encontramos o relato óbvio de que nossa diplomacia sempre defendeu os valores democráticos, a busca pela paz entre as nações, sua igualdade jurídica e nossos interesses econômicos.
Em seguida, o texto parece procurar se justificar com o Terceiro Mundo – que sempre foi o nosso mundo – ao dizer que “não nos distanciamos do que então se chamava de Terceiro Mundo. Se não nos juntamos propriamente ao grupo dos ‘não alinhados’, dele sempre estivemos próximos”.
Depois, um trecho que parece inexplicável: “nunca nos solidarizamos com o grito de “delenda Israel”, nem com as afrontas de negação do Holocausto”. Fernando Henrique pretende com isso acusar o Governo Lula de fazer algo que nunca fez. E a partir daí percebemos que se trata de um texto vindo de outra época, carregado de ego, que (apesar de citar atitudes soberanas e óbvias tomadas pelo Brasil no Governo passado) veio ao nosso mundo defender algo inteiramente superado que é o atrelamento incondicional do Brasil aos interesses americanos.
A questão central é o sucesso e a projeção do Brasil na elaboração do Acordo Nuclear de Teerã. Fernando Henrique, por vaidade e por ideologia, não aceita o acordo e se apresenta descalço lado a lado com Hillary Clinton. Ele – que além de Presidente foi Ministro das Relações Exteriores – parece querer dar aulas ao peão Lula dizendo que “o xis da questão (...) seria a obtenção pelo Brasil e pela Turquia de garantias mais efetivas de que tal (a fabricação da bomba no Irã) não acontecerá”. Esquece (como fez Hillary) que a garantia que Brasil e Turquia obtiveram foi a mesma exigida por toda a comunidade internacional. Além disso, é impossível garantia total e o melhor que se pode fazer – como deixam claro todos os analistas – é tentar recuperar a confiança entre as partes. O Governo Hillary Clinton não está interessado nisso. Exige que o Irã tire os sapatos e se “agache”. Coisa que não exige de Israel, que nem mesmo assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
Ao final, analisando bem o alfarrábio produzido por Fernando Henrique, podemos concluir que o sucesso de Lula – seja na política internacional, seja na política interna e principalmente no processo eleitoral – parece que lhe faz doer os calos. E em política, como ele mesmo diz, “così è (se vi pare)”.
Política externa responsável
A despeito das bazófias presidenciais que, vez por outra, voltam ao bordão de que “hoje não nos agachamos mais” perante o mundo, se há setor no qual o Brasil ganhou credibilidade e, portanto, o respeito internacional, foi o das relações exteriores. Elas sempre foram orientadas por valores e estiveram intransigentemente fincadas no terreno do interesse nacional. A demagogia presidencial não passa de surto de ego deslumbrado, que desrespeita os fatos e mesmo a dignidade do país.
Com exceção dos flertes com o totalitarismo europeu durante o Estado Novo, sempre nos orientamos pela defesa dos valores democráticos, pela busca da paz entre as nações, por sua igualdade jurídica e pela defesa de nossos interesses econômicos. Com toda a dificuldade do período da Guerra Fria — quando os governos militares se opuseram ao mundo soviético e a seus aliados —, não nos distanciamos do que então se chamava de Terceiro Mundo. Se não nos juntamos propriamente ao grupo dos “não alinhados”, dele sempre estivemos próximos. Terminada a Guerra Fria, restabelecemos relações com os países do campo socialista, Cuba e China à frente, voltamos a estar mais ativamente presentes na África, apoiamos o Conselho de Segurança nos conflitos entre Israel e a Palestina, sustentamos a posição favorável à criação de “dois Estados” e o respeito às fronteiras de 1967, e nunca nos solidarizamos com o grito de “delenda Israel”, nem com as afrontas de negação do Holocausto.
Seguindo esta mesma linha, assinamos o Tratado de Não Proliferação de Armas Atômicas (TNP), com ressalvas quanto à manutenção dos arsenais pelos “Grandes”, fomos críticos das invasões unilaterais no Iraque e só aceitamos a intervenção no Afeganistão graças à supervisão das ações bélicas pela ONU. A reação ao unilateralismo foi tanta que, em discurso na Assembleia Nacional da França, cheguei a aludir à similitude entre o unilateralismo e o terrorismo, provocando certo malestar em Washington. Procedemos de igual modo na defesa de nossos interesses como país em desenvolvimento. No dia em que se publicarem as cartas que dirigi aos chefes de Estado do G-7, ver-seaacute; que predicávamos desde então maior regulação financeira no plano global e maior controle do FMI e do Banco M u n d i a l p e l o s p a í s e s emergentes. Reivindicamos nossos direitos comerciais na OMC, a começar pelo caso do algodão, e, no caso das patentes farmacêuticas, defendemos vitoriosamente em Doha o ponto de vista de que a vida conta mais que o lucro.
Todas estas políticas tiveram desdobramentos positivos no atual governo.
Temos, portanto, credenciais de sobra para exercer uma ação mais efetiva na condução dos negócios do mundo. A hegemonia norte-americana vem diminuindo pelo fortalecimento econômico dos Brics (metáfora que abrange não só os quatro países, mas vários novos atores econômicos), especialmente da China, pela presença da União Europeia, e também vem sendo minada pelas rebeliões do mundo árabe e muçulmano, como o próprio governo Obama reconhece. É natural, portanto, que o Brasil insista em sentar à mesa dos tomadores de decisões globais. Sendo assim, por que a celeuma causada pela tentativa de acordo entre Irã e a comunidade internacional empreendida pelo governo brasileiro? Há duas ordens distintas de questões para explicar o porquê de tanto barulho. A primeira é a falta de clareza entre a ação empreendida e os valores fundamentais que orientam nossa política externa. A segunda é a forma um tanto retórica e pretensiosa que ela vem assumindo.
Quanto ao primeiro ponto, como compatibilizar o repúdio às armas nucleares com a autonomia decisória dos povos? Esta abrange inclusive o direito ao conhecimento de novas tecnologias, mesmo as “duais”, que tanto podem ser usadas para a paz como para a guerra. Em nosso caso, conseguimos, por exemplo, dominar a técnica de foguetes propulsores de satélites (e quem lança satélite pode lançar mísseis). Ninguém desconfia, entretanto, de que a utilizaremos para a guerra, até porque obedecemos às regras do acordo internacional que regula a matéria. Do mesmo modo, dominamos o ciclo completo de enriquecimento do urânio. Mas não cabem dúvidas de que não estamos fazendo a bomba atômica, não só porque nossa Constituição proíbe, mas porque inexistem ameaças externas e porque submetemos o enriquecimento do urânio (guardado o sigilo da tecnologia usada) ao duplo controle de um tratado de fiscalização recíproca com a Argentina e da Agência Internacional de Energia Atômica.
É precisamente isso que falta no caso do Irã: a confiabilidade internacional nos propósitos pacíficos do domínio da tecnologia.
E é isso que o governo americano alega para recusar a intermediação obtida, ao reafirmar que a quantidade de urânio já disponível, mesmo descontada a quantidade a ser remetida para enriquecimento no exterior, permitiria a fabricação da bomba. O xis da questão, portanto, seria a obtenção pelo Brasil e pela Turquia de garantias mais efetivas de que tal não acontecerá.
Deixando de lado as alegações recíprocas sobre se houve o estímulo americano à ação intermediadora (que, para quem quer ter uma posição independente na política externa, é de somenos), uma ação eficaz para evitar o confronto e as sanções — posição coerente com nossa tradição negociadora — deveria buscar desfazer a sensação da maioria da comunidade internacional de que o governo iraniano está ganhando tempo para seguir em seus propósitos nucleares.
Neste ponto, a retórica dos atores brasileiros parece ter falhado.
O levantar de mãos de Ahmadinejad e Lula, à moda futebolística, e as declarações presunçosas do presidente brasileiro passando a impressão de que havíamos dado um drible nas “grandes potências”, digno de Copa do Mundo, reforçaram a sensação de que estaríamos (no que não creio) nos bandeando para o “outro lado”. E em política internacional, mais do que em geral, così è (se vi pare).

sábado, 10 de abril de 2010

Debate sobre o Tratado de Não-Proliferação Nuclear: o Brasil de hoje contra o Brasil de antigamente


Na Folha de hoje, um duelo bem significativo, a pretexto do Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). De um lado, Samuel Pinheiro Guimarães, diplomata, ex-Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores (2003-2009) e atual Ministro de Assuntos Estratégicos; do outro, Rubens Ricupero, diplomata, ex-Secretário-Geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ex-Ministro da Fazenda (governo Itamar Franco), atualmente diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo.
De um lado um dos principais formuladores da política externa do Governo Lula; do outro, o ministro da Fazenda durante a implantação do Plano Real, mas que ficou mais conhecido pelo vazamento de conversa onde se definiu assim: "Eu não tenho escrúpulos: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde".
De um lado, o Brasil que não se curva; do outro lado, o Brasil da adesão, ou melhor... deixa pra lá. É pra ler e comparar.
Na segunda e na terça-fera será realizada reunião de 46 líderes, entre eles Lula, com o objetivo declarado de afastar a possibilidade de que material nuclear caia nas mãos de terroristas. Diante desse clima, a Folha perguntou: “O Brasil deve assinar o Protocolo Adicional ao Tratado de Não Proliferação Nuclear?”
Samuel Pinheiro Guimarães  respondeu “Não” e escreveu:
Instrumento desnecessário e humilhante

O Centro da questão é o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), cujo objetivo é evitar uma guerra nuclear. A possibilidade de tal conflito não está nos países que não detêm armas nucleares, mas, sim, naqueles que as detêm. Portanto, o principal objetivo do TNP deve ser a eliminação das armas dos países nuclearmente armados: Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra.
Há 42 anos esses países se comprometeram a eliminar suas armas, e há 42 anos não cumprem esse compromisso. Ao contrário, aumentaram a eficiência de suas armas nucleares.
Apesar de não terem se desarmado, esses países insistem em forçar os países não nucleares a aceitar obrigações crescentes, criando crescentes restrições à difusão de tecnologia, inclusive para fins pacíficos, a pretexto de evitar a proliferação.
Os países nucleares, ao continuarem a desenvolver suas armas e, portanto, a intimidar os países não nucleares, estimulam a proliferação, pois os países que se sentem mais ameaçados procuram se capacitar. Isso ocorreu com a então União Soviética (1949), com a França (1960) e com a China (1964).
Hoje, diante da inexistência de ameaça de conflito nuclear, o argumento dos países nucleares é a possibilidade de terroristas adquirirem a tecnologia ou as armas.
Essa tecnologia está disponível. A questão é a capacidade de desenvolver industrialmente as armas e os vetores para atingir os alvos.
Nenhum grupo terrorista detém os vetores (mísseis e aviões), nem a estrutura industrial para produzir o urânio enriquecido, nem a técnica para fabricar detonadores. Por outro lado, os terroristas poderiam obter essas armas justamente onde existem, nos países nucleares.
Nesse contexto se insere o Protocolo Adicional. O TNP prevê que todos os países-membros assinem acordos de salvaguardas com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), pelos quais os Estados não nucleares submetem a inspeção todas as suas instalações nucleares. O objetivo do acordo é verificar se há, para fins militares, desvio de material nuclear da instalação (reatores, usinas de enriquecimento etc.).
O Brasil tem atividades nucleares exclusivamente para fins pacíficos, como determina a Constituição, e tem um acordo de salvaguardas com a AIEA, que permite à agência inspecionar instalações brasileiras. Tudo com respeito à soberania nacional e a nossos interesses econômicos.
A AIEA, por proposta americana e a pretexto do programa do Iraque, elaborou um modelo de protocolo adicional aos acordos de salvaguardas, permitindo a visita de inspetores, sem aviso prévio, a qualquer local do território dos países não nucleares para verificar suspeitas sobre qualquer atividade nuclear, desde pesquisa acadêmica e usinas nucleares até a produção de equipamentos, como ultracentrífugas e reatores.
O Protocolo Adicional constituiria uma violação inaceitável da soberania diante da natureza pacífica das atividades nucleares no Brasil, uma suspeita injustificada sobre nossos compromissos constitucionais e internacionais e uma intromissão em atividades brasileiras na área nuclear.
Essa intromissão causaria graves danos econômicos, quando se consideram as perspectivas brasileiras na produção de combustível nuclear, que terá forte demanda com a necessidade de enfrentar a crise ambiental.
A solução ambiental exige a reforma da matriz energética, tanto nos emissores tradicionais, como os EUA, quanto nos de rápido desenvolvimento, como a China e a Índia.
Uma das mais importantes fontes de energia não geradora de gases de efeito estufa é a nuclear. O Brasil tem grandes reservas de urânio, tem o conhecimento do ciclo de enriquecimento do urânio e a capacidade para produzir reatores, ultracentrífugas, pastilhas etc. e, assim, pode vir a atender uma crescente demanda externa.
A preservação do conhecimento tecnológico é, assim, aspecto essencial na área nuclear. Ora, as ultracentrífugas de tecnologia brasileira são as mais eficientes do mundo. Há grande interesse de certos países em ter acesso a suas características, uma das consequências da assinatura do Protocolo Adicional, que, no caso do Brasil, seria um instrumento desnecessário, intrusivo, prejudicial e humilhante.

Rubens Ricupero disse “Sim” e escreveu:
Adesão não contraria interesse nacional

Da mesma forma que a democracia, segundo Churchill, é a pior forma de governo, exceto todas as demais, o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) é desigual e injusto, mas superior às alternativas existentes. Durante os 40 anos de sua vigência, renunciaram à arma atômica 11 países que já a possuíam ou desejavam adquiri-la (entre eles Brasil, Argentina e África do Sul).
Dos 4 que se tornaram nucleares, 3 (Índia, Paquistão e Israel) jamais assinaram o TNP, e a Coreia do Norte teve que deixá-lo antes de construir a bomba. O controle das armas de destruição de massa não é impossível, pois desde Hiroshima e Nagasaki o mundo viveu 65 anos sem que a tragédia se repetisse.
Brasil e Argentina tomaram juntos a decisão de abandonar seus programas nucleares rivais, desarmando perigosa corrida armamentista na América Latina e abrindo caminho à integração do Mercosul.
O processo culminou, em 1991, com a assinatura do acordo entre o Brasil, a Argentina, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a Agência Argentino-Brasileira de Controle, pelo qual os dois países aceitaram as inspeções da agência da ONU.
A adesão ao TNP constituiu a consequência natural, pois a proibição da arma nuclear já constava da Constituição de 1988 e o acordo de 1991 havia criado para o país todas as obrigações que decorreriam do tratado.
Quando a adesão se deu, em 1997-1998, os únicos que não haviam assinado eram Índia, Paquistão e Israel, que tinham para isso uma razão: queriam adquirir a bomba (o quarto era Cuba, que aderiu logo depois). Que sentido teria tido para o Brasil ficar de fora, em companhia dos três belicistas, se já havíamos assumido na prática as obrigações do TNP?
O mesmo argumento se aplica ao Protocolo Adicional, que não é mais que a aceitação de fiscalização reforçada. O Brasil é dos raros países que permitem à agência acesso até a suas instalações militares. O que teríamos a temer se nada temos a esconder?
Alega-se que deveríamos proteger a originalidade de nossa tecnologia. O objetivo é legítimo, mas, segundo especialistas, pode ser perfeitamente assegurado pela negociação com a agência de modalidades que preservem os segredos tecnológicos.
Até agora, a recusa era justificada pelo desinteresse do governo americano de cumprir a obrigação de desarmamento constante do TNP.
A situação mudou totalmente com o advento do governo Obama, o acordo com a Rússia para redução de ogivas nucleares e a nova estratégia dos EUA, que restringe o papel das armas nucleares. Ainda se está longe do desarmamento, mas é mudança construtiva que deve ser encorajada.
Neste momento, a persistência da recusa será vista como obstrução à evolução positiva em curso. A infeliz coincidência com a visita do presidente Lula a Teerã avivará suspeitas sobre nossas intenções.
Cedo ou tarde, o processo de reforço do TNP conduzirá à proibição da exportação ou importação de urânio enriquecido e restrições de acesso tecnológico para os que rejeitam o protocolo. É risco gratuito quando nossa tecnologia pode ser preservada por negociação cautelosa.
Se o real motivo for armamentista, equivale a golpe gravíssimo contra a Constituição. O argumento da soberania não procede, pois a adesão não contraria o interesse nacional.
Que interesse haveria em adquirir a bomba para país que não está sob ameaça ou em zona de conflito, tendo completado 140 anos de paz ininterrupta com seus dez vizinhos?
Na hora lancinante da catástrofe do Rio de Janeiro, só o delírio de grandeza e a perda de contato com a realidade explicam desviar recursos escassos para prioridades erradas e desnecessárias como os desvarios atômicos. A realidade que chega pela tela da TV nos revela aonde estão nossos inimigos: não no exterior, mas aqui dentro.
A corrupção e a incompetência diante da urbanização selvagem, a patética incapacidade de salvar vidas, a falta de dinheiro para dar casa decente aos trabalhadores -são essas as ameaças a enfrentar. E não será com submarinos nucleares e urânio enriquecido que vamos diminuir um só desses perigos reais e imediatos.