domingo, 27 de janeiro de 2008

Eleição americana: retorno histórico

Boa a coluna de Mauro Santayana hoje, no Jornal do Brasil, sobre as eleições americanas. Reproduzo na íntegra:
ELEIÇÕES HISTÓRICAS. Repetindo hábito antigo, o New York Times declarou apoio à indicação da senadora Hillary Clinton, candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos, e à do republicano John McCain, seu provável adversário no pleito de novembro. A simpatia maior é para com a senhora Clinton, por sua postura ideológica, bem mais nítida do que a do senador pelo Arizona - mesmo porque o jornal sempre optou pelos democratas no poder. Todas as eleições, em qualquer país, acarretam riscos. O povo vota corretamente, de acordo com as informações recebidas e o discurso do candidato. Vitorioso, o candidato desaparece, para dar lugar ao poderoso. Nós, brasileiros, temos boa experiência disso. Raramente (Juscelino foi um caso positivo) o presidente cumpre a plataforma eleitoral. Em nossa memória recente há certo caçador de marajás. A experiência nacional dos Estados Unidos é caso único na História. As circunstâncias prepararam as 13 colônias da Nova Inglaterra para que alguns homens prudentes fundassem a mais democrática e a mais poderosa república dos tempos modernos. O que os distinguiu foi o conhecimento do pensamento antigo e da História Política, e a capacidade de pactuar-se em nome de sua comunidade. As doutrinas britânicas, deles mais próximas, os levaram de Locke e Hobbes aos romanos e gregos, passando pelos escolásticos e pelo inigualável renascentista Maquiavel, mas não os distanciaram dos iluministas franceses e alemães. Sua inquietação autonomista foi contemporânea ao processo revolucionário francês. Com Lafayette e seu corpo expedicionário que lutou contra os ingleses na América, Luís XVI ajudara a independência dos Estados Unidos, mas não se tratava de apoio do monarca à futura república e, sim, de manobra lateral contra os britânicos, seus adversários históricos na Europa. Como a virtude não caminha sem a companhia do vício - conforme a afirmação paradoxal de Chesterton - o que era sonho da construção de uma sociedade solidária e feliz se viu comprometido, desde o início, pela arrogante presunção de domínio. Entre os dois sentimentos antagônicos, os Estados Unidos têm percorrido os últimos 232 anos. Os fundadores da República se preocuparam em construir sistema constitucional que pudesse servir à alternância de homens e idéias no poder, mas preservasse a unidade nacional. Graças a essa precaução inteligente, o sistema funcionou bem durante dois séculos. As garantias constitucionais não foram violadas, embora sofressem restrições durante a Guerra da Secessão, quando os Estados do Sul quiseram manter a liberdade de escravizar. Mas, nos últimos decênios, sobretudo a partir da eleição de Nixon, os princípios dos pais fundadores passaram a ser esquecidos. Os homens de negócios e as figuras populares substituíram os políticos de formação humanística (advogados em sua maioria), no governo da União. Podemos dizer que, com a eleição de Nixon, o sistema começou a perder estrada, e, a partir de Reagan, perdeu sua orientação cardeal. Com todos os problemas pessoais, Bill Clinton foi o que mais se aproximou da linha anterior, ao realizar um governo mais próximo do povo, o que agora credencia sua mulher à disputa. No pronunciamento editorial, o New York Times não teme ficar contra o senador Barack Obama: para o jornal, a senhora Clinton é intelectualmente superior a seu oponente. Não porque ele seja mestiço, mas, simplesmente, porque parece menos capacitado para ocupar o cargo. O jornal ainda comenta o fato de que é a primeira vez que um "afro-americano" e uma senhora disputam o mais alto cargo público nos Estados Unidos. Mas adverte que a firstness não é, em si mesma, razão para a escolha. Os Estados Unidos se encontram no pior momento de sua História, desde a Guerra Civil de 1860 a 1865. Acossada economicamente pela China e outros países emergentes, a grande nação dispõe de potencialidade para recuperar-se de seus desacertos internacionais, e restaurar a confiança daqueles que a admiravam. Para isso, sem embargo, o governo terá que abandonar a aliança republicana com os empreiteiros do mercado da guerra, e buscar, sob os democratas, a antiga integração política com o povo. Para os americanos - e para todos - seria bom que eles voltassem às velhas virtudes e abandonassem a arrogância, exacerbada pela presença de certos homens de negócios na direção do Estado, e o afastamento dos intelectuais humanistas. Uma coisa era a presença de Chester Bowles ao lado de Roosevelt e Truman, outra a de Karl Rove junto a Bush. É difícil retornar na História, mas talvez fosse possível aos norte-americanos reinventar a democracia de massas do tempo de Andrew Jackson - o grande presidente que enfrentou os banqueiros e os venceu.