Para Kenneth Funk, especialista na interação do homem com os computadores, o alto nível de tecnologia presente atualmente nos aviões, pode levar os pilotos a confiarem nos computadores mais do que deveriam. Funk é professor de Engenharia Industrial e Manufatureira da Universidade Estadual de Oregon, nos Estados Unidos, ele ministra cursos nas áreas de engenharia de fatores humanos, programação de computadores, engenharia industrial e inteligência artificial. Entre os seus campos de estudo está a aviação. Em 1998, ele conduziu um amplo estudo para verificar como a automação das cabines dos aviões está afetando os homens no comando do manche - ou do joystick. Descobriu que os computadores e a sofisticação dos aviões criaram novos desafios para os pilotos. A seguir, trechos da entrevista que Funk concedeu à BBC Brasil: * A automação substituiu funções que antes eram do piloto. O piloto tornou-se um supervisor de sistemas. Ele tem menos funções agora no sentido de controlar o avião de momento a momento. Agora ele programa o computador, determina parâmetros e monitora a automação. * No estágio inicial do nosso estudo havia uma indicação de que alguns pilotos estavam preocupados em se tornar apertadores de botões, mas agora os pilotos que entram na profissão estão familiarizados com computadores e entendem como a parte eletrônica funciona. Eles gostam da função de ser um supervisor de sistema. Os pilotos passaram a aceitar cada vez mais a automação. Mas ainda há uma variação entre os pilotos. Há pilotos que preferem voar manualmente a deixar o computador voar. Mas há outros que se sentem confortáveis em deixar que o computador faça o controle momento a momento. * Sim, pode afetar. Os aviões automatizados podem ser operados manualmente e automaticamente. Algumas companhias aéreas exigem que os pilotos voem manualmente por determinado tempo para manter suas habilidades do vôo manual. Se os pilotos contam muito com a automação ou se não mantêm habilidades manuais, isso pode levar a problemas. Há situações em que a automação falha ou situações em que não é apropriado usar a automação, em que seria mais apropriado voar manualmente. * Encontramos evidências em nosso estudo de que os pilotos podem ficar excessivamente confiantes nos computadores. Quando tudo funciona muito bem, é muito fácil nos tornarmos complacentes. Quando algo incomum acontece, não estamos em um estado de alerta para lidar com a situação rapidamente. Os pilotos são seres humanos. São altamente treinados, motivados e habilidosos, ou não seriam autorizados a voar. Mas são pessoas, e pessoas podem relaxar na vigilância. Na maioria das vezes os erros que resultam disso não são sérios, os próprios pilotos os corrigem, mas às vezes os erros não são identificados e algo de ruim acontece. Se você suspeita que há algo de errado com a automação ou se está ciente do perigo da complacência, então isso pode colocá-lo em um alto estado de alerta, ficando melhor preparado se um problema ocorrer. * As informações contidas nesses estudos, ao redor do mundo, tiveram um impacto positivo especialmente em treinamento, procedimentos e, até certo ponto, em equipamentos. Mas aviões e computadores são caros. O processo de evolução é lento para que ocorram mudanças na cabine do avião. Por ser potencialmente de alto risco, os fabricantes são muito cautelosos para introduzir novidades. * Além do treinamento, a companhia área pode adotar uma política de como o piloto deve usar a automatização. No início do sistema de administração de vôo, algumas empresas esperavam que o piloto usasse o máximo de tempo possível os equipamentos comprados. * Em algumas situações é inapropriado usar a automação em sua total capacidade. Às vezes é mais apropriado voar manualmetne. À medida que os pilotos foram encontrando problemas com a política de total automação, algumas empresas adotaram políticas mais realistas: cabe ao piloto decidir que nível de automação deve ser utilizado e em quais circunstâncias. * O piloto é a pessoa que está no controle. Há também a questão do design dos equipamentos e dos controles e a lógica dos programas. Mas as mudanças nesse sentido levam mais tempo para serem implementadas. * O que é importante em qualquer acidente é que, embora tenha havido um erro que o piloto cometeu que possa ser a causa imediata do acidente, nunca existe apenas uma causa. Existe uma confluência de múltiplos fatores como tempo, equipamento, pressão para chegar no horário, fadiga, treinamento, fatores da própria organização. Apenas um desses fatores não causaria um acidente. Eles ocorrem o tempo inteiro, mas em certas circunstâncias eles se juntam. Foi o que aconteceu no dia 17 de julho em São Paulo. * Seria um erro em qualquer acidente e em qualquer sistema complexo apontar apenas o piloto como a causa do acidente. * O piloto é uma pessoa muito conveniente para se culpar porque geralmente está morto e não pode se defender. Levará meses ou mais de um ano para que as autoridades brasileiras tenham um bom entendimento dos fatores que contribuíram para esse acidente. * Nesse meio tempo, podemos apenas especular sobre o que aconteceu. Mas, em acidentes como esse no passado, muitos fatores convergiram e uma catástrofe ocorreu.
sexta-feira, 10 de agosto de 2007
Acidentes aéreos: relação piloto-computador em xeque
O estágio atual do transporte aéreo, cada vez mais intenso, exige reflexão bem ampla sobre as medidas de segurança. Já se falou sobre a relação cada vez mais complexa entre o piloto e a máquina. E hoje o Plantão Globo traz uma notícia distribuída pela BBC que deve servir de alerta maior. Trata-se de uma entrevista dada por Kenneth Funk, especialista na interação do homem com os computadores, que declara que é "perigoso para pilotos confiar demais no computador". Transcrevo a matéria do Plantão Globo e você pode ler a entrevista completa (onde ele também critica a pressa em se culpar os pilotos por acidentes) clicando aqui.
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