quinta-feira, 8 de abril de 2010

Rio, a cidade re-partida


Hoje li no Globo que, com as chuvas do Rio, “nem mansões escapam dos riscos de deslizamento”.  E a reportagem diz ainda que técnicos da Geo-Rio estudam a hipótese de o deslizamento ameaçando casas de um condomínio de luxo da Gávea “ter sido provocado por infiltrações do esgoto de ocupações irregulares na Rocinha”, uma das principais favelas cariocas, incrustada na Zona Sul. O morador de uma das casas, obviamente aterrorizado com a situação, indignou-se: “- Pagamos IPTU de R$ 25 mil e, por causa de ocupações ilegais, temos que deixar nossa casa”.
A indignação é mais do que justa. Mas serve também para ilustrar esse contraste social profundo, cara a cara, que o Rio vive diariamente e eternamente. O Rio mostrou-se uma cidade partida (expressão que se eternizou graças ao livro de Zuenir Ventura, de 1968, tratando da violência local) também pela chuva. Por mais que a catástrofe tenha atingido a todos, de todas as classes, é sem dúvida a parte menos favorecida socialmente que sofreu mais. E não adianta dizer que o problema é de gestão ou que o culpado é esse Prefeito ou o anterior. Claro que esses motivos fazem parte do pacote de culpas, mas o buraco é mais embaixo.
A propósito, gostei muito da entrevista do Vice-Governador Pezão, ontem na Globonews, quando ele concorda com todas as críticas feitas pelo professor Moacyr Duarte, especialista em análise de risco da  Coppe, mas lembra que esse país não tinha uma política habitacional, que ficou 15 anos com o sistema financeiro travado, sem garantir casa para quem mais precisa. A política elitista que dominou o país até bem pouco tempo é que deve ser responsabilizada por toda essa tragédia.
Aproveito para citar trecho da interessante pesquisa de Lise Sedrez sobre as chuvas de 66/67 (bem atual, embora pareça um pouco antiga): “Nossa pesquisa planeja responder a três perguntas principais: primeiro, em que medida as chuvas se tornaram parte do cotidiano da cidade, um desastre esperado e temido? Segundo, como as chuvas de 66/67 se inserem na memória da cidade, estabelecendo a enchente não como um desastre natural, mas como incapacidade do Estado de cumprir seu papel? E, terceiro, de que forma os diversos setores da população – governo, flagelados, igreja, setores técnicos – negociam através da imprensa os significados das enchentes, e lutam por seus próprios projetos de ocupação do espaço político e do espaço urbano”.
Abaixo, foto do estrago feito pelas chuvas de 1966, no bairro de Laranjeiras, onde o espaço permanece aberto até hoje. Sobre o ocorrido, Lise Sedrez lembra: “Esta ruptura das barreiras sociais ocorreu literalmente em 1966, quando um deslizamento de terra, arrastando casebres e pedras de um morro, destruiu um prédio de classe média em Laranjeiras. Era só o começo. Saques, racionamento, colapso dos serviços de emergência (ou uma clara imagem de sua precariedade), lembravam aos moradores cariocas que a chuva era o menor dos seus problemas”.