quinta-feira, 1 de março de 2007

O Tolerância Zero de Cesar Maia

No seu Ex-Blog de hoje o Prefeito Cesar Maia trata de um assunto em que se tornou teórico respeitável, a segurança. Muito bom o seu pensamento sobre a relação entre violência e percepção de violência, que reproduzo mais abaixo. Eu mesmo, em algumas pesquisas sobre violência, cheguei a conclusões próximas. Tenho dúvidas sobre a eficácia (embora ache que pode dar certo) da proposta final de Cesar Maia inspirada no programa Tolerância Zero que Rudolph Giuliani aplicou com rigor e aparente sucesso em Nova York (o Tolerância Zero, por sua vez, teve inspiração na teoria das "janelas quebradas", de Wilson e Kelling). Devemos considerar que não é tão simples a transposição. Em Nova York foram necessários muitos anos para se obter resultado. Há também acusações de desrespeito aos direitos humanos e de que o Tolerância Zero serviria para acobertar discriminação étnica. Vale a pena esse depoimento que está no site Scielo, sobre Horizontes Antropólogicos: "O dono de um serviço de entrega de maconha a domícilio explicou a reação ao intensificado policiamento da era Giuliani: 'Não estamos contratando pessoas de cor porque, basicamente, se alguém é negro em Nova Iorque, pelo menos uma vez por semana ele será barrado pela polícia. Não gosto do Giuliani, e é uma coisa totalmente diferente ser uma pessoa de cor em Nova Iorque agora; pois sabe-se, com certeza, que vai ter complicação com a polícia, vai ser revistado, e simplesmente é assim que as coisas são. Infelizmente, tenho que tocar meus negócios. Isso significa que tenho que contratar garotos brancos e com a ficha limpa. Quero dizer, gosto de contratar jovens brancos com aparência de estudantes. Sei que é covardia (não contratar pessoas de cor), mas tem-se que ser realista, estamos no negócio para pagar as contas, entende?' Após adotar este critério, seu serviço de entrega a domicílio operou por anos sem sofrer nenhuma prisão". Vamos ao texto de Cesar Maia:
VIOLÊNCIA, PERCEPÇÃO DE VIOLÊNCIA E TAXA DE PÂNICO! 01. Uns meses atrás este ex-blog publicou o resultado de um trabalho realizado pela Fundação Konrad Adenauer na Venezuela, em 1990, que culminava com uma equação onde constava a capacidade da polícia, os valores dos jovens em relação ao delito, o ambiente urbano e a percepção que a população tem da violência que a circunda. Quando esta percepção exacerba, afeta a taxa de pânico, o que torna o quadro geral ainda mais complexo. 02. Sabe-se que há uma relação mais que proporcional entre violência e percepção de violência quando aquela aumenta. Ou seja: a percepção aumenta a taxas maiores que a criminalidade quando esta cresce. 03. Em 2006 fez-se uma ampla pesquisa de vitimização na cidade do Rio de Janeiro, que mostrou que a percepção do carioca sobre os riscos que corre em relação à violência é menor que os das cidades de S. Paulo e Belo Horizonte, testados em pesquisas similares. A pesquisa pela sua amplitude demonstra que não se trata de -"se estar acostumado à violência"- mas de dados objetivos de quantas vezes no último ano, nos últimos dois anos, na vida toda, se teve experiência direta ou próxima de violência. Os números do Rio são suficientemente menores para se garantir que a percepção de violência é menor que em BH e SP, apesar de toda a concentração do noticiário no Rio pela condição de centro audiovisual do Brasil e pelo imaginário externo que só localiza o Rio no Brasil. 04. Anos e anos de pesquisas no Rio-Capital, mostram que a população marca a segurança pública -de longe- como o maior problema da cidade. Mas quando se pergunta qual o maior problema de seu bairro, a segurança passa para segundo. E continua caindo quando se pergunta sobre o maior problema de sua rua e de sua família quando vai para sexto ou sétimo lugar. Claro. Todos os dias se têm notícia de um delito -mais ou menos, grave. Mas isso não ocorreu em seu bairro, rua ou com sua família e amigos, necessariamente. Quando há um fato trágico e o noticiário cobre em forma de campanha, a resposta sobre o maior problema da cidade ganha proporções ainda maiores, mas curiosamente não afeta tanto a rua e a família. 05. Os fatos amplamente divulgados são mortes violentas. Essas têm uma lógica, uma freqüência e uma concentração espacial (proximidade de bocas de fumo), que não são percebidas como risco iminente. Para se entender. Quando você anda na rua, pode andar assustado segurando sua bolsa ou sua carteira ou embrulho ou celular. Você não acha que alguém vai passar com uma pistola e lhe dar um tiro. Essa é a diferença que explica porque fatos de extrema gravidade afetam a percepção sobre a cidade, mas não necessariamente sobre a própria pessoa. 06. Por isso tudo -se há intenção de entender bem a percepção da violência- deve-se sair da estatística de homicídios e ir a de furtos e roubos, acompanhá-la e compará-la. 07. Vejamos os dados oficiais das cidades do Rio e de SP para o quarto e ultimo trimestre de 2006. O Rio teve 20.550 furtos anotados. SP teve 53.296. Rio teve 21.949 roubos e SP 34.277. Se calcularmos por 100 mil habitantes seriam 328 furtos no Rio e 468 em SP. E 350 roubos no Rio e 301 em SP. No Rio a quantidade de furtos se iguala a roubos: em torno de 21 mil naquele trimestre. Em SP supera em muito: 53 mil contra 34 mil. Esses números têm que ser multiplicados por 4 para se projetar para o ano todo. Ou seja, uns 170 mil roubos e furtos no Rio e uns 350 mil em SP. Ou seja, uns 30 por hora (dia de 16 horas), no Rio e 60 em SP. A cada um deles multiplique-se pelas pessoas envolvidas - ida à delegacia, comentário com amigos e parentes...E leve-se em conta que a concentração dos mesmos se dá em áreas onde valha a pena furtar e roubar, o que multiplica o efeito percepção naquelas áreas, e explica as razões de que são os de maior renda que tem percepção maior de violência. 08. Rio teve 655 homicídios no último trimestre de 2006. SP, 466. A diferença é grande: são 10,5 por 100 mil no Rio e 4,1 em SP. Mas o impacto sobre a percepção basicamente se dá via mídia e é amortecido pela experiência. Quando se pergunta porque o Rio continua disparado liderando o turismo interno e externo, etc... a resposta é essa. O conselho que recebem dos amigos é não andar com jóias, não levar muito dinheiro, etc... Não é andar com colete a prova de balas. Carros blindados só na cobertura da sociedade. E nesse sentido a população não distingue de outras grandes cidades. E no caso de SP e BH, até o faz favoravelmente como vimos. 09. Se os governos dedicassem uma atenção maior aos pequenos delitos e a furtos e roubos estariam afetando a percepção da população e com isso ganhando tempo e legitimidade para enfrentar o crime organizado, cuja resposta virá em prazos maiores.