sexta-feira, 23 de março de 2007

Mas era só o que faltava: Cora Rónai chama 90 reais de esmola!

De todas as bobagens sobre menor infrator de que tomei conhecimento ultimamente — e que não foram poucas — nada barra o texto da senhora Cora Rónai “Mas era só o que faltava: a Bolsa Bandido!” publicado no Globo de ontem. O texto critica a proposta do Governo do Estado do Rio de Janeiro, através de sua Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, de procurar apoiar as famílias dos menores infratores com uma Bolsa Família (que geralmente varia entre 65 e 90 reais mensais). Quando li sobre essa proposta, pensei logo: “A classe média conservadora vai associar isso a apoio ao crime”. Não deu outra, e o texto da senhora Cora Rónai sintetiza muito bem esse conservadorismo. Ela escreve: “A idéia seria, se bem entendi, ‘reconstruir os laços familiares para reintegrar os menores à sociedade’ — como se a desintegração familiar fosse única e exclusivamente uma questão financeira, e como se todos os menores infratores fossem filhos de chocadeira”. Onde foi dito que a razão é “única e exclusivamente uma questão financeira”? Claro que não é, mas em uma sociedade miserável como a nossa isso tem um peso enorme. Por outro lado, parece que a senhora Cora Rónai não sabe exatamente o que é isso quando trata R$ 90 mensais como esmola (“Imaginar que uma esmola entre R$ 15 e R$ 90 mensais possa tirar um menor (de 1m80) do crime é não ter a mais pálida noção da vida aqui fora”). Com 90 reais, minha senhora, uma família miserável faz compras do mês, faz crediário do colchão que nunca teve, tira o filho da rua... Tudo bem, a senhora pode dizer que não faz sentido, porque o menor (de 1m80...) está recolhido por ter cometido infração e, portanto, não está na rua. Mas, minha senhora, e os outros menores (de 1m80...) da família? Vão continuar em risco e – quem sabe – colocando em risco a vida dos outros? Além disso, mais do que nunca, o menor (de 1m80...) infrator precisa do apoio familiar. Precisa sentir uma família forte e minimamente reconstruída, precisa saber que o mundo é muito mais do que um “Padre Severino”. A senhora sabe, por exemplo, que muitos desses menores (de 1m80...) pedem para que suas mães e irmãs não os visitem para evitar a humilhação da revista da entrada? A senhora já viu, pelo menos em foto, como infelizmente essas revistas são feitas? Existem menores (de 1m80...) infratores que podem ser recuperados, sim. E o Estado tem o dever de tentar isso através de apoio às famílias, educação e saúde (tanto quanto tem o dever de levar apoio às famílias das vítimas). O que o Estado não pode é manter esses menores (de 1m80...) e sua famílias em situação ainda mais miserável do que a que se encontravam antes, como costuma acontecer. Se o Estado não faz nada, acaba entregando a sociedade ao populismo desenfreado, que perpetua a miséria. É isso que se quer? Noto que a senhora continua com a associação simplista de “maioridade penal” com “maioridade eleitoral”, mas já evoluiu para perceber diferenças nos tipos de “crimes”. A senhora pode evoluir ainda muito mais, e até ajudar a conquistarmos uma política que traga mais segurança para as ruas, uma política de recuperação dos menores infratores - que é possível e desejável. Como aconteceu recentemente, no Rio de Janeiro, onde uma menor (de 1m80?) infratora, apesar das condições miseráveis de sua retenção, conseguiu estudar e passar no vestibular de Direito. Vale ou não vale a pena, senhora Cora Rónai?