domingo, 3 de fevereiro de 2008

Segurança: a crise da PM do Rio

Boa reportagem de Elenilce Bottari e Vera Araújo no Globo de hoje com depoimentos de especialistas em segurança pública:
Especialistas: crise na PM está longe do fim. Estudiosos criticam a radicalização de posições de oficiais e de representantes do governo. Especialistas em segurança pública e policias militares temem que a crise que provocou a queda do comandantegeral de Polícia Militar do Rio e de seus principais assessores ainda não tenha chegado a seu ápice. Segundo eles, cresce na própria tropa um sentimento de desilusão com a farda. Para eles, o momento é de negociar e esta negociação precisará passar obrigatoriamente por melhorias salariais e pelo saneamento da instituição. Coronel da Polícia Militar e doutor em ciências sociais pela Uerj, o professor Jorge da Silva afirmou que a polícia vive hoje “a crônica de uma crise anunciada”: — Nós somos treinados para respeitar a disciplina e a hierarquia, mas não se pode usar esses instrumentos para negar direitos. O estado deve exigir do policial a obediência, mas precisa em contrapartida dar instrumentos para que ele possa trabalhar com dignidade. E esses instrumentos passam por melhorias salariais e por melhores condições de trabalho. A verdade é que a polícia está morrendo muito e produzindo muitas vítimas sem necessidade. Coronel diz que debate não pode virar questão pessoal A atual crise na PM é semelhante à que aconteceu em 1980, quando jovens oficiais fizeram um cerco ao Palácio Guanabara. Os personagens também são os mesmos: os jovens oficiais de 80 são hoje integrantes do Grupo dos Barbonos. Segundo Jorge da Silva, a crise ganhou tom pessoal quando os Barbonos se isolaram e o movimento chegou a exigir a exoneração do secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame: — Agora estão falando em traidores. A questão não deve ser tratada como pessoal. A pergunta é: como você pode ter no mesmo estado duas polícias fazendo a mesma coisa e uma ganhando mais que a outra, se os riscos são os mesmos? Segundo Jorge da Silva, Beltrame foi infeliz ao questionar se os policias militares estariam merecendo ganhar mais e se eram confiáveis: — Será que o secretário está afirmando que a Polícia Civil tem que ganhar mais porque é mais eficiente, confiável? Este não é momento para se radicalizar discursos. Acho que a crise ainda não chegou ao seu ápice. Na opinião de José Vicente da Silva Filho, ex-secretário Nacional de Segurança e coronel da PM de São Paulo o agravamento da crise da Polícia Militar foi provocado por uma conjuntura de erros por parte de todos os envolvidos: governador, secretário de Segurança e oficiais. Segundo ele, a posição do Rio como o primeiro na lista dos estados com piores salários do país já é um ingrediente que, por si só, propicia uma crise. — Esta revolta foi infantil, indisciplinada e inconveniente, pois acabou ocasionando um desprestígio. Coronel diz que grupo fez ato de desafio Segundo José Vicente, as polícias têm que criar condições, dar motivação para seus policiais exercerem bem o seu trabalho e, para lidar com a questão salarial, é necessária muita habilidade: — Exigir um aumento brigando com o governo do estado, como fez um grupo de oficiais, num ato de desafio, não é bom, por ser tratar de uma organização militar sujeita a um rigoroso regime disciplinar. Eles apelaram para a indisciplina, quando eles cobram a disciplina de seus subordinados. Por sua vez, dar declarações, como fez o secretário de Segurança, de que o policial recebe o que merece pelo trabalho que apresenta, só fomenta mais a crise — diz José Vicente. Entre as regras quebradas para que as negociações com a categoria chegassem a um bom fim, José Vicente aponta o fato de o governo do estado mandar recados pela imprensa e fazer observações injustas e inoportunas. — O secretário perdeu o controle da crise ao pôr a PM contra ele. Técnico de futebol é que fala mal dos jogadores. Agora, ele terá que reconquistar a tropa. A vantagem da crise é que acelera a fase das negociações. É hora de se sentar à mesa da crise e discutir o resgate da dignidade de soldados, cabos, sargentos, tenentes e capitães, pois é justamente o serviço deles que aparece para a população — diz. Especialista: ‘temos é a revolução silenciosa’ O maior temor, segundo José Vicente, é o que ele chama de revolução silenciosa: — A tropa fica cabisbaixa e desmotivada, revelando isso no seu trabalho. O “bico” (segundo emprego do policial) passa a ser mais importante que a polícia, porque é lá que ele ganha mais. Em vez de a polícia contratar mais nove mil homens, poderia usar este dinheiro para melhorar os salários de seus praças, que ficariam mais motivados a trabalhar mais e melhor. Já Expedito Carlos Stephani Bastos, pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, acredita que o pior momento da crise passou. Segundo ele, as polícias militares de todo o país vivem um momento muito grave, com péssimos salários, ineficiência e escândalos de corrupção: — A Polícia Militar em todo o país precisa passar por um saneamento, mas também precisa ser prestigiada. Os governos precisam criar incentivos para o policial que hoje pensa mais no “bico” para ganhar dinheiro do que na carreira militar. No caso do Rio, a situação é mais grave porque a polícia vive uma guerra civil diária. Movimentos causam desgaste entre oficiais, diz coronel O coronel da reserva Milton Corrêa da Costa, estudioso de segurança pública, lembra que historicamente todos os movimentos reivindicatórios salariais na PM produziram desgastes no oficialato : — Os líderes sabem que assumem o risco de tal posicionamento colocando em risco a própria carreira. Isso tem que ser dimensionado. É regra do jogo. O problema dos baixos salários no aparelho policial civil e militar do estado, além do Corpo de Bombeiros, provém de muitos anos. Para ele, o governador Sérgio Cabral já deu “demonstrações, dentro de sua disponibilidade de caixa, de equacionar a questão”. — Mas também, como comandante supremo do estado, cabe-lhe decidir e adotar as medidas julgadas cabíveis para contornar o impasse — diz o coronel Milton Corrêa.