quinta-feira, 10 de maio de 2007
Habemus Papo II: o aborto e a escolha de Sofia
A elevação do tom na discussão sobre o aborto foi altamente planejado pela Igreja. Não bastava a criação do santo brasileiro - que serve para motivar os atuais fiéis e impedir sua fuga para outras religiões. O santo recém criado acrescenta pouco em novas conquistas. Era preciso algo mais forte e com profunda inserção política, algo polêmico e ecumênico. A discussão sobre o aborto cabia como uma luva. O surgimento inesperado, com um tom elevado além do normal, parece obviamente extemporâneo. Mas pôde ser bem incorporado à viagem papal, conferindo-lhe mais conteúdo. É um dogma mais forte do que o celibato dos padres ou o sexo somente após o casamento. Mais: mobiliza todas as religiões. Mais ainda: é um tema de paixões, de "ame ou odeie", sem grandes espaços para justificativas racionais convincentes. Recolocando esse dogma em questão, a Igreja Católica reforça seu posicionamento como verdadeira Guardiã da Verdade, aquela que conhece o verdadeiro caminho da salvação. Para fazer o jogo e entrar na discussão, quero dizer que eu, pessoalmente, como Lula, sou contra o aborto. Mas por outro lado acho que a realidade é bem mais complexa do que apregoam as vãs filosofias dessas religiões, com suas visôes simplistas e dogmáticas. Ao ameçar com o fogo do inferno a mulher que pratica o aborto e o cirurgião que a auxilia, a Igreja está lançando seus fiéis, na maioria pobres, num beco sem saída. Como, apenas como exemplo, tapar os olhos para os 10 milhões de crianças que morrem anualmente antes de atingirem 5 anos de idade? Nesse mundo de matança, como evitar os sofrimentos de mães e pais impotentes na busca de uma vida digna para seus filhos? Entre fazer um aborto e conduzir o recém-nascido para um mundo de sofrimento e morte prematura, qual a escolha certa, menos cruel? É uma "escolha de Sofia", onde não há escolha certa - só existe a exigência de escolher.
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