Mostrando postagens com marcador crise europeia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador crise europeia. Mostrar todas as postagens
domingo, 6 de janeiro de 2013
Quem acha que Fernando Henrique deixou saudades?
No seu artigo de hoje, um pequeno balanço de Ano Novo, Fernando Henrique procura sintetizar o que aconteceu na economia e na política mundiais em 2012. Fez uma boa síntese. Criticou, como Dilma, a enxurrada de dólares americana. Criticou os neoliberais europeus (quem diria!), que “pilotam a economia com rédea de ferro, ortodoxos como ninguém conseguira antes”, sem esquecer de alfinetar a Alemanha, que parece triunfante, mas, na verdade, ficou “capenga pela falta de quem compre as mercadorias que sua produtividade torna baratas em comparação com as produzidas além fronteiras”. Na política internacional, critica a “desastrada intervenção europeia na Líbia”, a revolta fomentada na Síria, a precariedade na questão palestina, a interrogação que paira sobre o Egito e, pasmem, acompanhando o discurso dos governos Lula e Dilma, alerta contra o perigo de uma “solução” nuclear para o Oriente Médio, “pretextando a nuclearização do Irã”.
Fernando Henrique fala do Brasil no bloco final de 129 palavras (13% do total...). Refere-se ao “desapontador ‘pibinho’, que parece desenhar outro apenas melhorzinho para o ano em curso” (16 palavras) e elogia o julgamento do “mensalão” (82 palavras), sem usar esse termo. Nesse final está a essência da estratégia tucana para 2014. Aposta, precipitadamente, no fracasso da política econômica do Governo Dilma e em acusações de corrupção ao PT e Lula. É a estratégia do desespero. Os cardeais da economia tucana escalados para assessorar as propostas político-econômicas de 2014 não têm muito a falar. Dos 8 anos de Governo FHC, dois anos foram de “pibinho” abaixo de 1%: 98, crescimento de 0,04%, e 99, crescimento de 0,25%. No penúltimo ano, 2001, 1,3%, e em 2002, 2,66%. Com relação à inflação, por mais que puxem para si os louros do Plano Real durante o Governo Itamar, os tucanos tiveram muitos problemas durante o Governo FHC É verdade que no último ano do primeiro governo, o IPCA, por exemplo, ficou em 1,6%. Mas nos 4 anos seguintes amargou 8,9%, 6,0%, 7,7% e 12,5%. O saldo da balança comercial, então, nem se fala – foi negativo de 95 a 2000! Só nos dois últimos anos é que teve saldo positivo, 2,6 milhões de dólares em 2001 e 13 milhões em 2002 – ainda bem abaixo do pior ano dos governos do PT, que teve um saldo positivo de 19,4 milhões de dólares. Com relação às acusações de corrupção, se a balança da justiça for minimamente equilibrada (coisa que não acredito), poderá ficar tudo zero a zero com o “mensalão tucano”. Claro que a oposição tucana ainda conta com o apoio da grande mídia e da classe média conservadora. Mas isso já se mostrou insuficiente nas últimas eleições municipais. Com relação aos tucanos, o eleitor brasileiro mais uma vez vai votar com o sentimento que Fernando Henrique escolheu para título do seu artigo: “Sem saudades”.
Marcadores:
Balança Comercial,
crise americana,
crise europeia,
Dilma,
FHC -Fernando Henrique Cardoso,
Governo Lula,
inflação,
Itamar Franco,
PIB brasileiro,
pibinho,
Plano Real
terça-feira, 6 de março de 2012
Resposta a Merkel: quem vive o azedo do “agressionismo” não pode falar de protecionismo
Angela Merkel tenta desviar a atenção de sua política extremamente agressiva, expansionista, atacando o Brasil como protecionista. Que moral ela tem para falar assim? A Alemanha é um dos maiores países exportadores do mundo, com saldo na balança comercial no ano passado de cerca de 17% superior a suas importações. Enquanto isso, no acumulado de 12 meses, nosso saldo foi negativo em janeiro e apenas 7% superior às importações no acumulado de 12 meses em fevereiro. E não é só isso. A Alemanha é um dos principais responsáveis pela aniquilação da economia da Grécia (e de outros países europeus) por impor um comércio desigual entre eles, com um euro super forte que encarecia os produtos dos países vizinhos economicamente mais fracos. Foi sugando essas economias que ela cresceu mais. Como a fonte secou, ataca os emergentes com movimento inverso: desvaloriza o euro, através de seu tsunami monetário, para avançar mais facilmente sobre nossas economias. Foi mais de 1 trilhão de euros o total de empréstimos que o Banco Central Europeu concedeu ao sistema financeiro com juros subsidiados. (Similar ao que fazem os Estados Unidos com sua política de juros a quase zero.) Isso provoca uma avalanche de dólares em nossa economia, valorizando o real, prejudicando nossas exportações e dificultando ainda mais nosso setor produtivo. Felizmente temos um mercado interno forte, ainda em expansão (graças à política de inclusão social iniciada por Lula e continuada por Dilma), que garante um PIB em crescimento constante. Nossas medidas “protecionistas” foram bem tímidas e atingem muito mais os países asiáticos. Por isso, é melhor escolher palavras menos azedas, Dona Angela. E trate de vender seu Sauerkraut em outro lugar!
Marcadores:
Angela Merkel,
Banco Central Europeu,
crise europeia,
crise financeira global,
crise grega,
Dilma,
Lula,
zona do euro
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Churrasquinho grego
O neoliberalismo, à moda dos generais, conseguiu acabar com a democracia grega. O tal acordo comemorado, que garante 130 bilhões de euros para supostamente fortalecer a economia do país, trata-se de uma intervenção descarada para garantir os lucros de bancos alemães e franceses. O premier grego, Lucas Papademos, feliz por estar momentaneamente salvando o couro, delirou: “Agora seremos capazes de progredir com estabilidade, limitar a incerteza e aumentar a confiança na economia grega”. Que progresso será esse que prevê que até 2020 a dívida será de “apenas” 120,5% do PIB? Muito mais lúcido do que o premier é o vendedor de frutas Raptis Michalis, de 67 anos, que declarou à Reuters: “É como se não tivéssemos na Grécia pessoas capazes de governar o país”. Ele sabe que as altas taxas de desemprego que estão sendo impostas eliminarão os clientes de seu mirrado negócio. E deve perceber também que dificilmente esse governo se manterá por muito tempo, principalmente porque haverá eleições agora em abril. O povo irá para as ruas protestar, defender seus direitos e seus empregos. Os políticos tentarão fazer média para conquistar votos. O calote da dívida certamente acontecerá. Talvez a Grécia saia da Zona do Euro. Seja como for, o futuro grego será espeto.
domingo, 11 de dezembro de 2011
O desarranjo europeu
O ideograma chinês para se referir a Europa (ōu, em pinyin) significa “desarranjo”. Talvez, infelizmente, seja exatamente isso o que melhor retrata a Europa que estamos vivendo. Talvez, não. Talvez “desarranjo” seja o que melhor retrata a Europa desde sempre, com suas guerras, seus desequilíbrios permanentes. Mas uma coisa é certa, o sonho da União Europeia é de um arranjo equilibrado, harmônico, bem diferente do que se vê. Talvez fosse apenas mais uma utopia (no grego – epa! – um “não-lugar”) tipicamente europeia. Os idealizadores da União Europeia talvez tenham sido apenas isso, idealistas. Não perceberam que na selva neoliberal “união” não faz parte do vocabulário – é cada um por si, Deus contra todos, como disse brilhantemente nosso “herói sem caráter”, repetido por Werner Herzog como título de filme (“Jeder für sich und Gott gegen alle”, apresentado no Brasil como "O Enigma de Kasper Hauser"). Percebemos, hoje, que na verdade a União Europeia nasceu para aprofundar a desigualdade e, consequentemente, para ser mais desunida. Como bem observou Francesco Saraceno, economista do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas, em entrevista a Deborah Berlinck publicada hoje no Globo (Com desequilíbrio externo, Europa ‘caminha na direção da depressão’), fizeram uma “Europa baseada na ideia de que o crescimento virá de fora. O que tentam fazer hoje é conter a demanda doméstica e a política macroeconômica, esperando que o crescimento venha das exportações. É o modelo alemão, o que é uma loucura”. Uma loucura principalmente porque tentaram empurrar um modelo padrão sem compensações em realidades tão diversas. Como é que a Grécia pode pôr seus produtos no mercado externo com uma economia frágil e uma moeda (euro) supervalorizada? Não dá, não deu. Nem mesmo a Alemanha está conseguindo se dar bem, com endividamento de 81,7% do PIB, bem acima dos 60% estabelecidos para a zona do euro. Depois desse massacre à economia europeia (ou às economias europeias...), o próximo alvo, natural, é a democracia, com forte ameaça de ressurgimento de governos autoritários. Sinceramente, a Europa não merece passar por mais uma dessas. Não existe desarranjo maior do que virar terra de gregos e germanos.
Abaixo, entrevista de Francesco Saraceno, texto distribuído pela Agência O Globo.
É melhor uma Europa menor e mais integrada
Francesco Saraceno
O economista Francesco Saraceno, do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas (OFCE), está inquieto: para ele, a nova União Europeia (UE) que está emergindo sob as rédeas da Alemanha vai caminhar para o buraco, se seguir o modelo rigoroso e exportador da chanceler Angela Merkel.
Mas a decisão de 26 países de avançar na integração, deixando de fora o Reino Unido, que se recusa a seguir, diz ele, vai salvar o euro. Melhor uma Europa integrada menor, do que uma grande ineficaz, argumenta.
O Globo: A cúpula de Bruxelas decidiu por uma UE em duas velocidades: um grupo avança com a reforma do euro, outro fica de fora. Não é isso que deveria ser evitado?
Francesco Saraceno: Esta é praticamente a única boa notícia. Houve um reconhecimento de que não é possível avançar com toda a UE. E ficou clara a vontade dos que querem avançar. A cúpula não poderia acabar sem uma decisão. Precisamos de uma Europa mais integrada. Se isso só vai acontecer com uma parte dos 27 países membros da UE, que seja. É arriscado, há algumas armadilhas, mas no longo prazo é melhor uma zona do euro menor, integrada e que coopera, do que uma maior que funciona mal.
O Globo: Um novo tratado com 26 países não será difícil de negociar?
Francesco Saraceno:Tentar um novo tratado com 27 países, alguns deles resistindo, nunca vai funcionar. Precisamos deixar claro que a Europa vai avançar com quem quiser realmente. Um novo tratado não deverá ser problema, porque a decisão foi bastante consensual. E não será problema especialmente se os europeus convencerem os mercados e outros atores de que o que estão fazendo faz sentido. Se você me perguntar: a direção que estão tomando é boa? Não. Acho que estão na direção errada. Falar sobre isso é como abrir uma caixa de Pandora [segundo a mitologia grega, ela libera todos os males do mundo, quando aberta]. O importante é que, metodologicamente, comecemos a pensar em fazer algo sério com os querem fazer parte. E os que não querem… Não significa que a UE não vai trabalhar com eles ou que a UE não funcionará.
O Globo: O Reino Unido está se distanciando da UE. O que pode acontecer com o país?
Francesco Saraceno: Não sei. Não estou nem certo de que isso é duradouro. Não sei como os britânicos vão conseguir resolver, até mesmo diante da opinião pública deles, o fato de que são os únicos que não querem avançar na integração. Quantos meses ou anos o Reino Unido vai conseguir se isolar? Em 1960, o país optou por ficar fora da UE. Só queria ter acordo de livre comércio com Áustria, Suíça, Noruega etc. Isso durou menos de um ano. A força da atração da UE foi tão grande que o Reino Unido rapidamente voltou [para a Comunidade Europeia, como era chamada a UE na época]. Se conseguirmos construir um bloco integrado e bem-sucedido, a médio prazo isso atrairá quem estiver fora.
O Globo: O Reino Unido resistiria estando fora da UE?
Francesco Saraceno: Não poderia ficar fora de uma UE que funciona. Se ela funcionar, aposto que em cinco, seis ou sete anos, os britânicos voltam.
O Globo: Que UE está surgindo?
Francesco Saraceno: A Alemanha conseguiu quase tudo o que queria: um euro baseado em austeridade fiscal, que nega qualquer papel para política macroeconômica, e acha que é virtude ter superávit na conta corrente. É uma Europa baseada na ideia de que o crescimento virá de fora. O que tentam fazer hoje é conter a demanda doméstica e a política macroeconômica, esperando que o crescimento venha das exportações. É o modelo alemão, o que é uma loucura.
O Globo: Por quê?
Francesco Saraceno: É uma loucura porque se todo mundo fizer isso, vamos ter de fazer comércio com o planeta Marte. Não se pode ter um mundo em que todos só exportam. Até os chineses entenderam isso. A China tem passado os últimos dez anos tentando reequilibrar o seu modelo de crescimento na direção da demanda interna.
O Globo: A Alemanha no comando da UE então é ruim?
Francesco Saraceno: Não necessariamente. Na História, há sempre um país dominante liderando o caminho. Logo no início, foi a França, com Jean Monnet, depois a França, com François Mitterrand, depois França com a Alemanha de Helmut Kohl [ex-chanceler do período da reunificação alemã]. Está claro que é preciso liderança. Mas a Alemanha está liderando a UE na direção errada e impondo uma visão que não vai mudar. Acham que fizeram tudo certo, então, defendem que todo mundo tem que agir como eles. Isso é um erro, porque os problemas da Europa são de desequilíbrio externo: alguns países exportando muito e outros importando muito. Os países do sul precisam gastar menos e arrumar a casa. Mas, ao mesmo tempo, os que gastam pouco precisam gastar mais. Se o Sul para de gastar e o Norte também não gasta, o resultado será depressão. E estamos indo nessa direção.
O Globo: O senhor não está otimista quanto ao futuro do euro?
Francesco Saraceno: É uma questão difícil. Acho que o custo do fim da zona do euro seria tão alto que o euro não vai acabar. Nesse sentido, não estou pessimista: não sou o profeta do pior. Acho que vão fazer o que for necessário. Minha preocupação é o modelo que estão escolhendo, que é frágil. O maior risco não é a implosão do euro: é uma década perdida para a economia europeia.
Marcadores:
crise europeia,
Deborah Berlinck,
Francesco Saraceno,
União Européia,
Werner Herzog
domingo, 4 de dezembro de 2011
"A Europa está entregue aos especuladores. É preciso romper com os neoliberais", declarou Mário Soares
Entrevista publicada no Globo do ex-presidente português.
RIO - Mário Soares respirou política e socialismo a maior
parte de seus 86 anos. Referência na esquerda portuguesa e europeia, ele abre o
verbo diante do terremoto econômico e político que ameaça seu país e o
continente, ao defender a democracia do assédio dos mercados. De sua boca saem
palavras como "vergonha", "roubalheira",
"criminosos" quando se refere aos especuladores e às agências de
classificação de risco e à forma como vêm se impondo sobre os governantes
europeus. Ex-premier, ex-presidente e europeísta, Soares acaba de lançar em
Portugal a autobiografia "Um político assume-se". Na véspera da
segunda greve geral no país este ano, há dez dias, ele encabeçou, com outros
políticos e intelectuais, o manifesto "Mudança de rumo", atacando o
neoliberalismo e incentivando os portugueses a saírem às ruas para protestar
contra as medidas de austeridade: "Sou a favor de uma sociedade em que
haja o mercado livre, mas com regras éticas e disciplina", diz ele, por
telefone, da fundação que leva seu nome, em Lisboa.
Sandra Cohen: O senhor declarou que se a Europa não mudar, haverá uma
revolução. O que é preciso mudar diante de tão grave cenário econômico?
MÁRIO SOARES: É mudar o modelo econômico, acabar com essas
aventuras do neoliberalismo, com essas roubalheiras, com a economia virtual,
com as agências de risco, que estão a descontrolar completamente a vida não só
da Europa, mas do mundo inteiro. É preciso uma mudança de paradigma, uma
ruptura. O que é extraordinário é que os dirigentes políticos atuais, aqueles
que mandam ou que julgam que mandam, como é o caso da senhora Merkel e do
senhor Sarkozy, não mandam. Quem efetivamente manda hoje são os mercados, não
são os Estados. Os mercados e as agências de classificação de risco começam a
dizer coisas, e as finanças mudam completamente às custas deles. Os Estados só
obedecem. É absurdo que sejam os mercados a mandar. Sou a favor de uma
sociedade em que haja o mercado livre, mas com regras éticas e disciplina.
Sandra Cohen: Houve então uma distorção dos princípios da União Europeia?
SOARES: Houve uma total distorção e não só na União Europeia
como em toda parte. Mesmo na ONU. Quando aparece uma série de organizações,
como G-7, G-8 e o G qualquer coisa, são criações para acabar e destruir com a
ONU e que paralisam os fenômenos. Veja, por exemplo, os Objetivos do Milênio,
que foram assinados por cerca de cem chefes de Estado. Eram as melhores metas e
não se fez nada até agora. Está tudo assim, descontrolado. E não é só na Europa
e por causa do euro. Tudo está em causa. Li um artigo de uma autoridade do
Reino Unido já cogitando o futuro depois do euro. Por que a libra esterlina não
acaba? Porque há emissões sobre emissões, assim como se faz com o dólar nos
EUA. Se o Banco Central Europeu fabricasse moeda, esses problemas
desapareceriam. Mas tudo está entregue aos especuladores, que só se interessam
em ganhar dinheiro e fazer fortuna.
Sandra Cohen: O senhor estava à frente de Portugal quando o país aderiu à
União Europeia...
SOARES: Aderimos no mesmo dia que a Espanha, após oito anos
de negociações difíceis. Foi um acontecimento imenso para a Península Ibérica e
para a América Latina. Depois da nossa Revolução dos Cravos e da
redemocratização da Espanha, após a morte de Franco, houve uma série de
rupturas e mudanças em diversos países. Mas veio a queda da ideologia comunista
e os americanos se acharam donos do mundo e lançaram o neoliberalismo, do qual
estão sendo vítimas, como nós, europeus. Queremos agora outra revolução, uma
ruptura com o neoliberalismo. Começaremos vida nova, com novo projeto de
desenvolvimento.
Sandra Cohen: Qual a responsabilidade dos socialistas nessa crise?
SOARES: As duas famílias ideológicas que fundaram a UE
foram, de um lado, os socialistas ou social-democratas, que são a mesma coisa
exceto em Portugal. E de outro, as democracias cristãs. Foram essas famílias
que fizeram esse projeto europeu, que era um farol e um exemplo no mundo
inteiro. Foi o projeto mais importante que se fez no mundo, um projeto de paz,
de justiça social e bem-estar para as populações, respeito pelos direitos
humanos e pelas democracias. Isso nos deu um grande desenvolvimento. O mundo
olhava para a União Europeia como um projeto extraordinário. Não é por acaso
que povos que se debateram em duas guerras cruentas no século XX tenham
vivenciado mais de 50 anos em paz. É isso tudo que está em causa hoje com essas
mudanças econômicas e com esses especuladores, que são verdadeiros criminosos.
Sandra Cohen: Mas em que os socialistas erraram?
SOARES: Houve um socialista inglês chamado Tony Blair, que
nunca foi socialista, que enganou as pessoas, mas não a mim. Ele tentou
colonizar o Partido Socialista em função do que chamou de Terceira Via, que era
uma ligação ao neoliberalismo. E muitos socialistas europeus prevaricaram com
seus partidos, que entraram em crise e em decadência. E, por outro lado, houve
quem colonizasse as democracias cristãs como partidos populares, que são outra
coisa.
Sandra Cohen: Como o senhor vê os governos que são liderados por
tecnocratas, como Grécia e Itália?
SOARES: Da pior maneira, isso ofende a democracia, onde tudo
deve ser decidido pelo voto. Não faz o menor sentido.
Sandra Cohen: O que o senhor acha do governo do primeiro-ministro português,
o social-democrata Pedro Passos Coelho?
SOARES: Ele é um homem sério, decente e um patriota. Mas é
um neoliberal. Não é da minha família política. Não é com austeridade que se
resolvem problemas como os que temos em Portugal. Temos que ter uma certa
austeridade, mas não que arrase o crescimento econômico e faça subir o
desemprego como está ocorrendo. Senão, daqui a um ano, teremos imposto muitos
sacrifícios aos portugueses e estaremos ainda pior.
Sandra Cohen: Na semana passada, o senhor liderou um manifesto criticando
as medidas de austeridade em Portugal...
SOARES: Não fui contra. Num momento em que Portugal estava
numa situação muito difícil e sem liquidez, fui partidário de pedir dinheiro à
Europa. Mas não é justo que senhores que vêm da troika (comitê formado por FMI,
do BCE e Comissão Europeia) possam governar Portugal porque temos pouco
dinheiro ou estamos em dificuldade.
Sandra Cohen: O senhor cogitou criar um novo movimento paralelo ao Partido
Socialista, como foi especulado?
SOARES: Não, de jeito nenhum, é pura especulação.
Fui um dos fundadores do PS, fui socialista durante toda a minha vida política
ativa e nunca deixarei de ser. Nunca pensei em criar um movimento próprio.
Marcadores:
crise econômica,
crise europeia,
Jornal O Globo,
Mário Soares,
neoliberalismo,
Sandra Cohen,
União Européia
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Manuel Castells, o euro e a democracia na Europa
“A quem serve o euro?”, pergunta o sociólogo Manuel Castells, dando destaque à verdadeira questão europeia do momento. É a resposta a essa pergunta que define os rumos das velhas democracias do Velho Mundo. Como temos dito neste Blog, a defesa do euro, nesse cenário de crise, serve unicamente aos bancos e governos franceses e alemães. São eles que estão decidindo pela mídia e pela política da UE. E já demonstraram claramente o desprezo pela democracia, quando ameaçaram a Grécia de Papandréou por convocar um referendo legítimo para decidir sobre a economia. Também demonstram esse desprezo ao influenciar no enfraquecimento de líderes e na eleição de novas lideranças neoliberais sintonizadas com seu poder. Não há salvação para o povo europeu enquanto se der prioridade à salvação do euro – basicamente é o que conclui Castells em seu artigo (publicado dia 12 no La Vanguardia e que, para minha surpresa, Cesar Maia traduz trecho no seu Ex-Blog de hoje).
A seguinte, o trecho traduzido por Cesar Maia e em seguida o artigo completo em espanhol.
MANUEL CASTELLS: "NÃO SE TRATA DE SALVAR O POVO, MAS DE SALVAR O EURO"!
(La Vanguardia, 20) 1. O problema não é a complexidade da crise, mas a democracia. O que os políticos mais temem nesses momentos é que os substituamos, que roubemos deles esse poder delegado que mantêm, por um mecanismo controlado de eleições entre opções enquadradas nos limites do sistema, e legitimadas pela mídia.
2. Na realidade, não se trata de salvar o povo, mas de salvar o euro, como se fossem a mesma coisa. Por que tanto interesse? E de quem? Porque dez dos 27 membros da União Europeia vivem sem o euro e algumas de suas economias (Reino Unido, Suécia, Polônia) são muito mais sólidas que a média da União Europeia? Defender o euro até o último grego é a primeira linha de defesa para uma moeda que está condenada porque expressa economias divergentes e que não têm um estado que a respalde. Com Portugal e Irlanda na UTI, a Espanha na corda bamba, e uma Itália em permanente crise política e endividada até o pescoço de seu ex-líder, a defesa franco-germânica do euro tem outras explicações.
3. A primeira razão é obvia: salvar os bancos, principalmente os alemães e franceses, que emprestaram sem garantias para a Grécia e aos demais PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) mediante a manipulação de contas praticada, pelo menos no caso da Grécia, pela consultoria da Goldman Sachs (certamente, deve ser simples coincidência que Draghi, o novo presidente do Banco Central Europeu também foi empregado da Goldman Sachs). De início, já aceitam que precisarão esquecer 50% da dívida da Grécia. Mas os outros 50% têm que ser tirados do sangue, suor e lágrimas dos gregos, para que o não pagamento não acabe impune.
4. Quebram os países para que os bancos não quebrem. Mas por que se faz isso? No fim, os Merkozy [Merkel e Sarkozi] não são funcionários dos bancos. Têm seus interesses políticos, nacionais e pessoais. A Alemanha necessita realmente que o euro seja a moeda europeia e que seus sócios não possam desvalorizá-la. Porque o modelo de crescimento alemão é na realidade, o mesmo que o chinês: crescer por meio de exportações favorecidas por uma moeda subvalorizada. Se houvesse um euro-marco forte, a Alemanha perderia mercados na Europa perderia competitividade em relação a exportações espanholas ou italianas.
5. Mas há outra dimensão político-pessoal. Tanto Merkel quanto Sarkozy precisam estabelecer sua liderança europeia por razões de política interna e por projeto de grandeza nacional que é preciso disfarçar, para não despertar velhos fantasmas. E as outras elites políticas europeias? O sentimento de serem europeus, em um mundo em mudanças desde a América do Norte até a Ásia, dá-lhes a impressão de ser algo mais que produtos aldeanos do aparato de partido que tanto desprezam.
6. E o sonho europeu? Ele pode ser construído com as pessoas, amando-nos uns aos outros, em vez de ver quem paga a conta. Quando pensar em euro, pense fraude. Quando pensar em Europa, pense amigos.
¿A quién sirve el euro?
Manuel Castells
Ya no cabe duda sobre el talante antidemocrático de la UE. La propuesta de Papandreu de preguntar a sus conciudadanos si aceptaban vivir en austeridad espartana para poder pagar en euros desencadenó una tormenta financiera y política que entre amenazas e improperios de Merkozy y Cameron provocó la crisis del Gobierno griego y puso al país patas arriba.
¿Qué hay de malo en que la gente decida sobre su salud, su educación y su empleo? ¿Son temas demasiado complejos para el populacho? No exageren, que algunos tenemos más estudios que los mandamases. Con algunos colegas me comprometo a explicar clarito a los ciudadanos de qué va el euro y su crisis y a quiénes benefician y perjudican y cuáles son las distintas opciones posibles, incluida el repatriar al euro a Bruselas. A condición naturalmente de tener la misma información que se reservan financieros y gobernantes. El problema no es de complejidad, sino de democracia. A lo que más temen los políticos en estos momentos es a que los ocupen, a que les arrebaten ese poder delegado que mantienen mediante un mecanismo controlado de elecciones entre opciones encerradas dentro de límites sistémicos y legitimadas mediáticamente. Un referéndum, sin ser una forma perfecta de decisión popular, abre el abanico de posibilidades, siempre y cuando sea limpio. Había que ver a asesores políticos europeos aconsejando que si se hacia el referéndum se hiciera con una pregunta inteligente, o sea sesgada hacia lo que conviene. Hay, profundamente, arrogancia elitista y repulsión hacia la voluntad popular, por mucho que se disimule. Porque aunque se equivocara el pueblo, tiene derecho a hacerlo. Ya pasó el tiempo de los que nos salvaban porque no sabíamos lo que hacíamos.
En realidad no se trata de salvar al pueblo, sino de salvar al euro, como si esto fuera equivalente. ¿Por qué tanto interés? ¿Y de quién? Porque diez de los veintisiete miembros de la UE viven sin euro y algunas de sus economías (Reino Unido, Suecia, Polonia) son mucho más sólidas que la media de Unión. Defender el euro hasta el ultimo griego es la primera línea de defensa para una moneda que está condenada porque expresa economías divergentes y no tiene un estado que la respalde. Con Portugal e Irlanda en la UVI, España en la cuerda floja y una Italia en permanente crisis política y endeudada hasta las orejas de su histriónico ex líder, la franco-germana defensa del euro tiene otras explicaciones que la historia de terror que nos cuentan sobre la catástrofe financiera que ello implicaría con efectos devastadores en nuestro cotidiano como si la vida dependiera de la bolsa. La primera razón es obvia: salvar a los bancos, sobre todo alemanes y franceses, que prestaron sin garantías a Grecia y demás PIGS mediante la manipulación de cuentas que, al menos en el caso de Grecia, hizo la consultoría de Goldman Sachs (Por cierto, debe ser simple casualidad que Draghi, el flamante nuevo presidente del BCE también fuera empleado de Goldman Sachs). De entrada ya tienen que olvidarse del 50% de la deuda de Grecia, aunque no está claro quién acabará pagándola. Pero el otro 50% lo tienen que sacar de la sangre, sudor y lágrimas de los griegos, prestándoles nuestro dinero, para que el impago no quede impune. Si Grecia denunciara la deuda, como hizo Islandia a quien le va tan ricamente, un dracma devaluado en 60% haría impagable el resto de la deuda. Más aun, el efecto contagio en mercados financieros llevaría al impago de gran parte de la deuda soberana, llevando a la quiebra a los bancos que se aprovecharon del euro para prestar sin solvencia.
O sea, se trata de salvar a unos bancos concretos y, en términos más amplios, evitar una nueva crisis del sistema financiero. Se quiebran países para no quebrar bancos. ¿Pero por qué se hace? Al fin y al cabo, los Merkozy no son empleados de banca. Tienen sus intereses políticos, de país y personales. Alemania es la que realmente necesita que el euro sea la moneda europea y que sus socios no puedan devaluar. Porque el modelo de crecimiento alemán es en realidad el chino: crecer mediante exportaciones favorecidas por una moneda subvalorada y reducir salarios (reducción del 2% en términos reales en el último quinquenio). Si hubiese un euro-marco fuerte, Alemania perdería mercados en Europa y competitividad respecto a exportaciones españolas o italianas. Pero hay otra dimensión político-personal: tanto Merkel como Sarkozy necesitan establecer su liderazgo europeo tanto por razones de política interna como por proyecto de grandeza nacional que se tiene que disfrazar de europeo para no despertar viejos fantasmas. ¿Y las otras élites políticas europeas? Algo semejante ocurre, su importancia personal y de país se realza siendo cola del león europeo porque la ratonez de su ámbito les viene estrecha. Sentirse europeos, en un mundo en tránsito desde Norteamérica a Asia, les da la impresión de ser algo más que productos aldeanos del aparato de partido que tanto desprecian.
¿Y nosotros en todo esto? Cierto que el desbarajuste financiero que ocasionará (no hay errata de tiempo de verbo) el advenimiento de la euro-peseta causará problemas de transición en la economía y en nuestros bolsillos, en condiciones que dependen de cómo se produzca la transición. Pero se recuperaría la soberanía de política económica, se ajustaría la realidad monetaria y financiera a la economía real, se incrementaría la competitividad, ganando mercados externos e internos, habría una explosión de turismo que sería a precios de ganga. Se podría reactivar la economía emitiendo moneda. Y por tanto se incrementaría el empleo. Porque lo esencial es crecer, no flagelarse. Claro: habría inflación. Pero es la mejor receta para reducir deuda, incluida la de su hipoteca.
¿Y el sueño europeo? Pues hagámoslo con la gente, amándonos los unos a los otros, en lugar de ver quién paga la cuenta. Cuando piense euro, piense estafa. Cuando piense Europa, piense amigas.
Marcadores:
Angela Merkel,
Cesar Maia,
crise europeia,
George Papandreu,
Geórgyios Papandréou,
Manuel Castells,
Nicolas Sarkozy
sábado, 12 de novembro de 2011
A Europa, entre o lengalenga e o bunga bunga
A Grécia de Papandréou deu uma contribuição imensa à salvação da Europa ao propor um referendo para julgar a “ajuda” da União Europeia nos termos prussianos que foram “oferecidos”. Era oportunidade única para demonstrar a democracia europeia em todo o seu esplendor. Os bancos franco-germânicos não concordaram. E a Europa, antes magnífica, continua sua nova sina de bundalelê, sem salvação nem à vista nem a prazo. O pior é que a justificativa mais comum para esse estado bunga bunga seria o excesso de bem-estar social europeu – uma forma óbvia de ocultar o mal-estar social do neoliberalismo. Quem vai salvar a Europa não sei. Mas sei, com certeza, que não serão Sarkozy e Merkel. Nem serão recessão e desemprego. Nem será o lengalenga que tomou conta das análises políticas e econômicas. Prefiro ficar com esse ótimo texto de Paul Krugman, “Legends of the Fail”, do último dia 10, que a Folha traduziu hoje.
Lendas do fracasso
Paul Krugman
É assim que o euro termina - não com uma explosão, mas com bunga bunga. Não muito tempo atrás, os líderes europeus insistiam em que a Grécia podia continuar na zona do euro e pagar suas dívidas na íntegra. Agora, com a Itália caindo em um precipício, é difícil imaginar de que modo o euro poderia sobreviver.
Mas qual é o significado do fiasco do euro? Que lições extrair?
Ouço duas alegações, ambas falsas: os problemas da Europa refletem o fracasso dos Estados de bem-estar social como um todo, e a crise europeia confirma a necessidade de austeridade imediata nos EUA.
A primeira alegação está sendo feita por republicanos como Mitt Romney, que acusou Obama de se inspirar nos "socialistas democratas" europeus e disse que "a Europa não está funcionando nem na Europa". A ideia é que os países em crise enfrentam problemas devido ao peso dos gastos governamentais.
Mas os fatos dizem o oposto.
É verdade que toda a Europa oferece benefícios sociais mais generosos - entre os quais serviços universais de saúde - e registra gastos governamentais mais altos que os EUA. Mas os países hoje em crise não oferecem mais bem-estar social do que os que estão se saindo bem.
Na verdade, a correlação indica o oposto. A Suécia, famosa por benefícios generosos, tem ótimo desempenho e é um dos poucos países cujo PIB atual é maior que o de antes da turbulência. E o "gasto social" em todos os países hoje em crise era menor do que na Alemanha.
A crise do euro, portanto, nada diz sobre a sustentabilidade dos Estados de bem-estar social. Mas justifica a necessidade de apertar os cintos numa economia já deprimida? Dizem-nos que os EUA têm de cortar gastos agora ou poderemos terminar como a Grécia. Os fatos também contam história diferente.
Primeiro, o fator determinante para os juros não é a dívida do governo, mas sim se a captação é feita em moeda nacional ou não. O Japão tem dívida bem maior que a italiana, mas os juros sobre os títulos japoneses de longo prazo são de cerca de 1%, ante 6% na Itália. As perspectivas fiscais britânicas parecem piores que as espanholas, mas o Reino Unido pode captar pagando 2% de juros; a Espanha paga quase 6%.
Na prática, ao adotar o euro, Espanha e Itália se reduziram à situação de países do Terceiro Mundo que precisam tomar empréstimos na moeda alheia, com toda a perda de flexibilidade que isso implica.
Por não poderem imprimir mais dinheiro em situações de emergência, os países da zona do euro ficam sujeitos a perturbações em sua captação que não afligem países capazes de tomar empréstimos em suas próprias moedas, como os EUA.
A austeridade, por sua vez, fracassou em todo lugar no qual foi tentada. Nenhum país com dívidas significativas conseguiu cortar gastos a ponto de recuperar o apreço dos mercados. A Irlanda, por exemplo, é o bom menino da Europa: respondeu à crise com medidas ferozes, que levaram o desemprego a mais de 14%. Mas os juros pagos pelos títulos irlandeses ainda superam os 8% - mais altos que os italianos.
Moral da história: devemos ter cuidado com ideólogos que tentam aproveitar a crise europeia para promover suas agendas. Se ouvirmos o que eles dizem, agravaremos ainda mais os nossos problemas.
Marcadores:
Angela Merkel,
crise europeia,
George Papandreu,
Geórgyios Papandréou,
Nicolas Sarkozy,
Paul Krugman
Assinar:
Postagens (Atom)