quarta-feira, 18 de julho de 2007

Vaias no Globo

As Organizações Globo têm vaiado o Governo Lula a plenos pulmões, de forma até selvagem. Apesar disso, aqui e ali surgem em suas páginas impressas ou eletrônicas momentos de certa serenidade e até de humor. Hoje, na capa do Globo o cartunista Chico resume muito bem a percepção geral sobre a origem das vaias. E Zuenir Ventura faz texto muito bom, que reproduzo na íntegra, salpicado de dois comentários:
“Todas as vaias são boas, inclusive as más”, dizia Nelson Rodrigues, especialista no assunto e um dos autores mais vaiados do país. Nesse sentido, as recebidas por Lula no Maracanã podem vir a lhe fazer bem, ainda que injustas e impróprias para a ocasião. Afinal, não se tratava de um comício, mas de um espetáculo esportivo que só estava acontecendo graças aos recursos (R$ 1,8 bilhão) repassados pelo governo federal. Um mínimo de civilidade recomendaria reconhecer que o presidente, além de convidado protocolar, era um dos donos da festa. Tenho visto na imprensa muitos aplausos às vaias. Cesar Maia, por exemplo, anda tão exultante que até parece ter tido alguma coisa a ver com o sucesso da manifestação que, segundo um vídeo no You Tube, foi treinada pelos convidados do ensaio geral. Mas nem assim dá para concluir, como fez o governador, que houve “armadilha”. Quem consegue orquestrar 80 mil pessoas se não estiverem a fim? (Acredito na possibilidade de orquestração, que funcionaria como um detonador, mobilizando quem estava a fim e quem apenas estava ao lado mas entrou no ritmo.) Digamos que poderia haver um clima. “A grande vaia é mil vezes (...) mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”, afirmava ainda Nelson, que quase sempre tem e não tem razão, confirmando sua recusa à unanimidade e seu gosto pelo paradoxo. Ele sabia que nem todas as vaias são boas, pois há as reacionárias, que não servem como julgamento de mérito, como as que ele próprio recebeu na estréia de “Vestido de noiva” e de “Perdoa-me por me traíres”. Ao lado do Maracanã mesmo, no Maracanãzinho, houve uma outra famosa, dada a ninguém menos que Tom Jobim e Chico Buarque pelo clássico “Sabiá”. Ainda no plano das vaias artísticas, houve outra, e essa deixou Nelson indignado. Foi quando Caetano Veloso recebeu apupos, ovos e tomates no III Festival da Canção de 1968, ao tentar cantar “É proibido proibir”. Já no ano anterior ele fora vaiado por uma das mais belas canções da época: “Alegria, alegria”. Com rara coragem, Caetano afrontou uma agressiva histeria com um discurso inesquecível. “Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?”, gritou, mais alto do que a gritaria geral. (Na platéia, se não me engano, estavam Nelson Motta e Augusto de Campos, indignados com a juventude atrasada. Foi um momento importante, que ajudou a dar impulso ao movimento tropiconcreto, um dos movimentos mais felizes de nossa cultura. Redações mais de vanguarda, como Jornal da Tarde e - quem diria! - Veja, passaram a apoiar o movimento que surgia.) Sobre o quase linchamento promovido pelos jovens “pra frente”, Nelson, o reacionário, escreveu: “A vaia selvagem com que o receberam [a Caetano] já me deu uma certa náusea de ser brasileiro”. Quanto às vaias políticas, são diferentes, e os governantes têm que estar sujeitos a elas. Escrevi lá em cima que os protestos na abertura do Pan poderiam vir a fazer bem a Lula. Talvez já tenham feito, obrigando-o a sair do pedestal, a descer do salto alto. As suas declarações sobre o incidente são de uma humildade que contrasta com a costumeira arrogância de antes. Que ele compreenda também agora que, apesar de injustas, as vaias do Maracanã acabaram fazendo justiça, se não ao conjunto de sua obra, pelo menos a uma parte dela — a que teima em proteger a impunidade.