quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Honduras, divisor de águas profundas

Todos já sabem o que aconteceu em Honduras, aquele pedaço de terra menor (em tamanho e população) do que o nosso Ceará, situado entre as águas profundas do Caribe e do Pacífico, um dos países mais pobres do continente, que sobrevive graças à venda de café e banana para os Estados Unidos. Um grupo de políticos (e militares) da direita hondurenha, sentindo-se traído pelo antigo aliado Zelaya, deu um golpe de estado e expulsou o Presidente eleito, que não aceitou calado e movimentou-se em busca de apoio internacional. O Brasil destacou-se na sua defesa. Zelaya, em movimento ousado, retornou clandestinamente a seu país e instalou-se na Embaixada do Brasil. O governo brasileiro não pôde fazer nada, e fez bem em não reagir contra. A tática dos golpistas e seus apoiadores era empurrar com a barriga até que o golpe virasse fato consumado e aceito por “usucapião”. A nova situação provocada por Zelaya em nossa embaixada exigiu definição dos atores envolvidos. Os golpistas tiveram que arreganhar os dentes e mostrar os trogloditas que realmente são. Os Estados Unidos tiveram que deixar exposta a ambiguidade de seu jogo: ao mesmo tempo que Obama deseja uma política mais liberal para o continente, os assessores da Secretária Hillary Clinton insistem na importância de apoiar os golpistas para não ceder espaço à política chavista. OEA e países emergentes tomaram posição firme contra o golpe. O Conselho de Segurança, comandado pelos Estados Unidos, mostrou-se frágil. Mas o importante é que os golpistas sentiram o golpe e tentam desesperadamente voltar atrás em suas truculências. Até contrataram empresa de relações públicas para melhorar sua imagem – na minha opinião, tarde demais. Tarde demais também para nossos políticos, intelectuais e jornalistas que, no afã anti-Lula, apressaram-se em demonstrar simpatia pelos golpistas hondurenhos. Buscaram justificativas “constitucionais” para o golpe. Chamaram o Itamaraty de bando de trapalhões. Torceram o nariz para o presidente democraticamente eleito “por causa” da proximidade de Chávez e do seu chapelão texano. Demonstraram, isso sim, mentalidade subserviente, que acredita que o melhor slogan para o Brasil seria “no, we can’t”. Fecharam os olhos para o que diz o resto do mundo, como o jornal inglês The Independent, em sua reportagem The rise and rise of Brazil: Faster, stronger, higher, onde afirma que "a ação brasileira (...) pegou Washington no contrapé e expôs um claro abismo na confusão hondurenha entre Obama – que quer uma ação decisiva para repor Zelaya no poder – e uma vacilante Hillary Clinton”. Ou o argentino Clarín na reportagem El protagonismo de Brasil en Honduras modifica su tradición: “Ahora Brasil ha salido del Sur y se ha tornado un protagonista fundamental de la principal crisis de América latina del Norte. Está en el centro de los acontecimientos en Honduras. No actúa en forma compartida o multilateral, sino individualmente, como gran potencia. Es una novedad histórica. Brasil es hoy la representación de la comunidad internacional en una crisis que se profundiza, se polariza y escala”. Honduras foi um divisor também para nós, brasileiros. Opôs, de um lado, o atraso, a cabeça colonizada, o conservadorismo, o neoliberalismo, e, de outro, um Brasil que soube crescer, reduzir desigualdades, conquistar espaço, projetar-se no mundo e preparar-se para assumir um lugar de relevância no futuro.