quinta-feira, 19 de abril de 2007
Religião também é cultura?
Vamos deixar bem claro: não faz sentido o projeto do Senador-Bispo Marcelo Crivella que inclui igrejas entre os beneficiários da lei de incentivo à cultura, a chamada lei Rouanet (lei, de 1991, que permite a empresas investirem em projetos culturais até 4% do equivalente ao Imposto de Renda devido). Pode-se alegar, como fez Fernanda Montenegro, que as religiões, por não terem fins lucrativos, são isentas de imposto e, portanto, não merecem incentivo. Mas isso não justifica, porque a cultura também tem isenção. Há quem diga que isso descaracterizaria a lei, que trata apenas da cultura. Mas também não justifica, porque essa é a idéia do projeto, de entendimento de conceitos culturais do incentivo também nas religiões. Há o medo de desvirtuamento da verba rumo à construção de templos. Mas no meio cultural também existem os desvirtuamentos, sem dúvida. E também não basta a citação evangélica do Deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), “Não se pode amar a Deus e ao dinheiro”, porque já está mais do que provado, provavelmente até com outras citações evangélicas, que se pode, sim. Há que se considerar ainda que existe muito de cultural nos meios religiosos, e as igrejas tombadas pelos patrimônios históricos e culturais provam isso. Poderia até dizer que as religiões cada vez menos são "religiosas". Hoje mesmo, como acontece toda manhã quando levo meu filho à escola, recebi um exemplar da Folha Universal, jornal da Igreja Universal, com tiragem de 2.308.000 exemplares, e veja quais são as notícias da 1ª página: "O caos na educação", "Exportação de escravas sexuais", "Banco Mundial alerta sobre colapso no SUS, "Depois de Portugal, Brasil pode aprovar o aborto", "Disque-seqüestro: não caia no golpe", "Record rumo à liderança", "Seguidores de seita na Costa do Marfim tatuam o '666' no braço", "Reféns do apagão aéreo falam sobre seus prejuízos", "Região do Caribe sofre ameaça de tsunami" e um cartum sobre o Pan-Rio. Isso, evidentemente, não é uma primeira página religiosa. O mesmo acontece com a TV Record, também da Igreja Universal, que não tem mais programas religiosos durante o dia (só na madrugada). A Igreja Universal, ela mesma, é cada vez mais uma "ong de comunicação", coisa que de certa forma copia da Igreja Católica (aliás copiou até o nome, já que Igreja Católica quer dizer "Igreja Universal" - do grego katá, que dá a idéia de universalidade, como em catálogo). Qual seria a diferença, então? Cultura - apesar de se definir (Houaiss) como "conjunto de padrões de comportamento, conhecimentos, costumes etc. (e também de crenças) que distinguem um grupo social" - cuida primordialmente da razão, do pensamento, daquilo que é verdadeiramente humano (algo como em "Paidéia" - ler o excelente livro de Werner Jaeger). A religião, ao contrário, cuidaria da fé. Nesse sentido, não apenas são diferentes, como são opostas.
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