quarta-feira, 23 de agosto de 2006
Com quantas palavras se faz um programa eleitoral?
Na sua coluna de ontem (“Sem Espontaneidade”), no jornal O Globo, Merval Pereira cita o livro “Política perdida: como a democracia americana foi banalizada por pessoas que pensam que você é estúpido”, de Joe Klein, para concordar que as campanhas eleitorais perderam espontaneidade e coragem em troca dos conselhos dos marqueteiros. Na Folha de hoje (assinantes, acessem aqui), Marco Antonio Villa (professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil") reclama dos candidatos por não apresentarem um programa de governo. Diz ele: “Até hoje, nenhum dos candidatos apresentou seu programa de governo – e estamos a menos de 40 dias da eleição. O Brasil é um país estranho: as alianças políticas são estabelecidas e as pesquisas eleitorais são realizadas sem que os partidos ou os eleitores saibam o que pensam os candidatos. E todos acham isso absolutamente natural. O que foi apresentado são idéias vagas sobre alguns temas – e apenas porque os candidatos são provocados por perguntas de jornalistas.” E também na Folha, Marcos Nobre (professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap), em texto com título de “300 palavras” (assinantes, acessem aqui), escreve que “O Horário eleitoral se transformou em um teste: não é lugar de apresentar proposta alguma; é o lugar de não cometer erros. Como escreveu Renata Lo Prete, os marqueteiros trabalham com um vocabulário de 300 palavras, escolhidas a dedo em pesquisas qualitativas. Comete menos erros quem faz a melhor propaganda com esse estoque de palavras.” O que isso tudo quer dizer? Que os candidatos são burros, não sabem escrever nem fazer programa de governo? Que os marqueteiros são demônios que enfeitiçaram os candidatos, obrigando-os a seguir suas ordens? Que os eleitores são estúpidos? Que somente jornalistas e filósofos são donos da verdade? Há muita verdade em tudo que foi dito. Mas precisamos entender que o que acontece com as campanhas eleitorais é o mesmo que acontece com o mundo moderno, principalmente no mundo das comunicações: saturação. A mente humana está saturada de informação (basta ver a quantidade de blogs que existem...) e já armazenou uns 300 bilhões de programas de governos. Há um processo de seleção natural, de simplificação, para poder ainda absorver alguma coisa. As pessoas que estão na miséria, passando fome, não estão tão interessadas em saber se o país deve ou não deve ter imposto único ou se a política cambial que prejudica os exportadores deve ser alterada. Eles querem saber qual é o candidato que vai ser resolver o problema da pobreza. E não adianta falar qualquer linguagem – tem que ser a que eles entendam. O mesmo acontece com o público de empresários, mais interessados em um bom gerente para garantir os seus lucros. A classe média de esquerda quer bons salários, lazer e a defesa de sua utopia. Não adianta tentar atender a todos – um não entende a linguagem do outro, ou entende mal. Um programa de governo completo, complexo e necessário ajuda, mas não ajuda muito – e ás vezes até atrapalha. As campanhas, na verdade, são feitas ao longo da vida. Elas são concebidas em função de tudo que foi feito e dito antes, através de jornais, rádios, TVs, livros, eventos, salários, etc. Quando um candidato chega à campanha, as predisposições já estão em alto grau de consolidação. E aí ele só precisa (com apoio ou não dos marketeiros) reconhecer e se identificar com o que já existe. Portanto, o que vale realmente é um único conceito, ou uma única palavra: o “candidato dos pobres”, o “candidato dos ricos” a “candidata da esquerda (ou guerreira)”, o “candidato da educação”. Coragem, espontaneidade, claro que devem existir – desde que sigam regras elementares de comunicação. Além disso, não podemos esquecer Napoleão Bonaparte: “Bravura, a gente nasce com ela; mas coragem é produto do pensamento”.