sexta-feira, 15 de setembro de 2006

O assistencialismo de Merval

Merval Pereira é um jornalista com lugar importante no cenário político nacional. Tem uma coluna diária no importantíssimo jornal O Globo, é comentarista em noticiários de rádio e televisão e é sempre citado por uns e outros. Mas às vezes aparenta ser um jornalista com médios e baixos. Hoje, em sua coluna “A não-política”, onde desenvolve a sua saga anti-Lula, ele escreve algo que me surpreendeu: jogou o crédito consignado e o financiamento da agricultura familiar dentro da vala comum do assistencialismo. Jogou também o Bolsa Família – que também não concordo, mas envolve outro tipo de discussão. Disse ele: “Diante da força de atração da Bolsa Família e de outras políticas assistencialistas como o crédito consignado e o financiamento da agricultura familiar, não há como propor uma mudança de rumos a uma vasta parcela do eleitorado...” Já tinha visto o Bolsa Família ser acusado de assistencialista, mas o crédito consignado e o financiamento da agricultura familiar é a primeira vez.

Segundo texto de 2003, escrito por Luiz Fernando Toscano (apresentado como Engenheiro Agrônomo, Assistente de Planejamento Sócio - Economia, Ambiental do PEMBH e Agricultura Familiar - CATI Regional de Votuporanga), “aproximadamente 85% do total de propriedades rurais do país pertencem a grupos familiares. São 13,8 milhões de pessoas que têm na atividade agrícola praticamente sua única alternativa de vida, em cerca de 4,1 milhões de estabelecimentos familiares, o que corresponde a 77% da população ocupada na agricultura. Cerca de 60% dos alimentos consumidos pela população brasileira vêm desse tipo de produção rural e quase 40% do Valor Bruto da Produção Agropecuária são produzidos por agricultores familiares. Cerca de 70% do feijão consumido pelo país, alimento básico do prato da população brasileira, vêm desse tipo de produção rural e quase 40% do Valor Bruto da Produção Agropecuária são produzidos por agricultores familiares. Vêm daí também 84% da mandioca, 5,8% da produção de suínos, 54% da bovinocultura de leite, 49% do milho e 40% de aves e ovos. A agricultura familiar também vem registrando o maior aumento de produtividade no campo nos últimos anos. Na década de 90, foi o segmento que mais cresceu. Entre 1989 e 1999, a produção agrícola familiar aumentou em 3,8% ao ano, o bom desempenho ocorreu mesmo em condições adversas para o setor, quando nesse período sofreu uma queda de 4,7% ao ano nos preços recebidos”. (texto completo)
Isso bastaria para mudar o entendimento de Merval. Conversando com Christino Áureo, ex-Secretário de Agricultura dos governos Garotinho e Rosinha, ele declara: “É exatamente o contrário. O financiamento da agricultura familiar contribui para que no futuro reduza-se a prática assistencialista”. Com relação ao crédito consignado é a mesma coisa. Além de tirar trabalhadores das mãos de agiotas, troca mais segurança no pagamento do crédito por juros menores (que, aliás, precisam ser ainda menores). O risco no crédito consignado é de outra natureza. O trabalhador beneficiado perde um pouco de sua agilidade para administrar sua dívida. Isso pode até ser prejudicial. Mal administrado, “pode se transformar em um tiro na testa do trabalhador”, como diz Christino. Tomar posições contra ou a favor de um político ou de um governo é natural, faz parte do jogo democrático. Forçar a barra não faz sentido. (Coluna do Merval, para cadastrados)